A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que concluiu que é permitido ao fisioterapeuta e ao terapeuta ocupacional “diagnosticar doenças, prescrever tratamentos e dar alta terapêutica”, é mais um capítulo de um debate iniciado há duas décadas, e que pode parar na Suprema Corte brasileira.
A discussão envolve entidades representativas de médicos e fisioterapeutas/terapeutas ocupacionais. O entendimento do STJ de 25 de novembro, é contrário à conclusão anterior do próprio colegiado, que havia decidido, também neste ano, que caberia exclusivamente ao médico a tarefa de diagnosticar, prescrever tratamentos e avaliar resultados, enquanto o fisioterapeuta e o terapeuta ocupacional ficariam responsáveis apenas pela execução das técnicas e dos métodos prescritos. Portanto, o último entendimento do tribunal é favorável aos fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais.
A discussão na Justiça teve início em 2002, quando o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) ajuizou uma ação que contestava resoluções e outros atos do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito) que, supostamente, teriam invadido a esfera privativa dos médicos, o que colocaria em risco a saúde e a vida das pessoas, na avaliação da entidade médica.
Um dos pontos de debate do processo está relacionado ao diagnóstico dos pacientes. Para o Simers, o correto é que seja tarefa do médico diagnosticar, prescrever tratamentos e avaliar resultados. Isso tem como base a chamada lei do ato médico, que regulamenta o exercício da Medicina no Brasil. Entre outros pontos, ela determina que são atividades privativas do médico o diagnóstico nosológico, ou seja, a determinação da doença que acomete uma pessoa.
— A lei do ato médico diz que o diagnóstico nosológico ou de patologia é prerrogativa exclusiva do médico. Vamos recorrer até o final na defesa dessa ideia. Não nos insurgimos contra nenhuma profissão. Dentro das suas atribuições, eles (fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais) têm toda a liberdade de trabalhar. Nós só garantimos que diagnósticos e conduta terapêutica, genericamente, são atos médicos e devem ser preservados pelo médico — diz Marcos Rovinski, presidente do Simers.
Segundo Rovinski, as entidades médicas aguardam a publicação do acórdão (a decisão dos juízes do STJ) do julgamento para adotar um posicionamento oficial sobre a decisão judicial: com isso, será decidido se o Simers continuará na Justiça em busca de um entendimento legal favorável à categoria.
— Não há decisão definitiva. Não conhecemos o conteúdo final do acórdão, por isso não sabemos se a decisão vai contra essa ideia ou não. Se for, vamos recorrer com nossos argumentos, mostrando que acreditamos na lei do ato médico. Queremos o que é melhor para o nosso paciente e manter nossas prerrogativas — pontua.
Jadir Lemos, presidente do Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Crefito) da 5ª Região, explica que é importante ter atenção quanto ao entendimento do diagnóstico que é feito pelos profissionais, que, segundo ele, não é o mesmo conduzido por médicos.
— Não fizemos diagnóstico de doença (nosológico). O fisioterapeuta faz o diagnóstico cinesiológico ou cinético-funcional e o terapeuta faz o diagnóstico terapêutico ou ocupacional, cada um na sua linha de atuação. A partir disso é que nós vamos prescrever nossas condutas. Não é ato médico fazer diagnóstico funcional — pontua.
O presidente do Crefito diz apoiar esse entendimento em leis que regulamentam a atuação dos profissionais no país, e que, em nenhum momento, essas normas são contrárias às atividades médicas, mas reconhecimento do trabalho de terapeutas e fisioterapeutas no país.
— O tribunal apenas reconhece a nossa autonomia, não muda nada com essa decisão (do STJ). Continuamos sendo profissionais autônomos, com capacidade de avaliar, prescrever e conduzir os nossos tratamentos, até a alta terapêutica, sem precisar de nenhum outro profissional para fazer o nosso serviço. O STJ reconheceu uma autonomia que já era estabelecida — completa.
Próximos passos na Justiça
O debate iniciado há 20 anos deverá ter outros episódios, diz Gabriel Joner, advogado e professor de Direito da Universidade Feevale. Ao analisar o andamento do processo, Joner identificou que ambas as partes interpuseram recursos especiais para o STJ e recursos extraordinários ao Supremo Tribunal Federal (STF). Essa situação, portanto, deverá levar o debate para a Suprema Corte após a finalização processual no STJ. Ainda assim, a decisão do último dia 25 deverá ser adotada em processos na primeira instância da Justiça brasileira, explica o professor da Feevale:
— O que se percebe é que mesmo nos recursos que não têm caráter vinculante (ou seja, não tem aplicação obrigatória para juízes de primeiro grau), os juízes acabam seguindo a orientação do STJ. Na primeira instância, eles podem decidir em sentido contrário, pois não é uma decisão com caráter vinculante, mas é improvável, difícil, que se tome uma decisão contrária a uma corte superior. Não faz sentido decidir contra o STJ e STF — explica.