A possibilidade de realizar um transplante cardíaco em pacientes pediátricos vem mudando a vida de crianças e adolescentes há mais de três décadas no Brasil. A estudante gaúcha Laura Nathally Santanna da Silva, 15 anos, e o advogado mineiro Matheus de Melo Magalhães, 29, são exemplos de pessoas que ganharam uma nova chance graças ao procedimento.
Desde então, muitos aspectos evoluíram, mas ainda há pontos que precisam avançar, afirmam especialistas. Para Marcelo Biscegli Jatene, diretor da cirurgia cardíaca pediátrica do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a organização de todo o sistema foi uma das coisas que mais se desenvolveu nesses 30 anos, trazendo muito benefício para a realização dos transplantes:
— As estruturas de apoio e as estruturas de gestão, que são coordenadas pelas Secretarias de Saúde e pelo Ministério da Saúde, hoje em dia oferecem um trabalho de altíssima qualidade com relação à organização da lista de espera, por exemplo, que é um processo absolutamente transparente. Além disso, houve uma conscientização de todos os serviços para que possam cuidar da melhor forma possível dos doadores.
Leia aqui as outras partes desta reportagem:
Primeira parte: Transplantes pediátricos de coração representam vida nova para os pequenos pacientes
Segunda parte: Transplante pediátrico de coração tem avanços notáveis, mas características dificultam o procedimento
Outro ponto de evolução citado por Jatene e por Estela Azeka, cardiologista pediátrica e chefe clínica de transplante cardíaco, insuficiência cardíaca e ventrículo artificial em crianças e adultos com cardiopatia congênita do InCor, Aline Medeiros Botta, intensivista pediátrica responsável clínica pelo Programa de Transplante Cardíaco Pediátrico do Hospital da Criança Santo Antônio, e Sílvia Casonato, cardiologista responsável pela equipe pediátrica do Instituto de Cardiologia de Porto Alegre, são os medicamentos imunossupressores, que atualmente apresentam maior eficiência no controle de rejeição do órgão.
— As medicações imunossupressoras foram se tornando melhores. Com isso, conseguimos com que o paciente use a quantidade de drogas suficiente para não rejeitar o órgão, mas também suficiente para que ele tenha um pouco de imunidade para lutar contra as infecções da infância, por exemplo — aponta Aline, acrescentando que hoje também se consegue ter equipes mais organizadas para que uma busque o órgão enquanto a outra prepara o paciente.
Na visão de Estela, também houve uma transformação em relação ao cuidado do paciente que está esperando transplante, já que existem formas de possibilitar que essas pessoas não fiquem tão deterioradas por conta da insuficiência cardíaca.
E o que falta?
De acordo com Jatene, um dos grandes calcanhares de Aquiles do processo de transplante no Brasil é a logística de captação de órgãos:
— Somos um país de dimensões continentais, as distâncias são muito longas e não temos uma estrutura que cubra o país inteiro, que nos dê a possibilidade de organizar. Apesar disso, temos uma organização muito grande em nosso sistema, que procura se desdobrar para conseguir essa captação.
O problema da distância geográfica é reforçado por Aline, que afirma ter dificuldade para aceitar órgãos de Estados acima do Paraná ou de cidades que não contam com infraestrutura para aviões, já que o coração pode ficar no máximo quatro horas fora do corpo. Jatene acrescenta ainda que há dificuldade para conseguir aeronaves para buscar órgãos em longas distâncias, mesmo contando com a ajuda de órgãos de segurança ou de companhias aéreas.
— Existe uma rede no sentido de tentar estruturar cada vez melhor a logística de captação do transplante, mas isso ainda é uma coisa que precisa avançar e melhorar. Acho que as perspectivas são muito boas, mas precisamos continuar nos organizado no sentido de buscar esses caminhos — diz o especialista.
A indisponibilidade de dispositivos de assistência ventricular, que funcionam como corações artificiais, por meio do Sistema Único de Saúde, e a falta de financiamento para manter as equipes em dedicação exclusiva a esse tipo de serviço são outros dois aspectos citados pelos médicos. Já Silvia comenta que também é preciso evoluir em relação ao aumento da disponibilidade de órgãos, por meio de tecidos e órgãos artificiais para transplante, além de uma alternativa para ampliar o tempo de preservação dos órgãos.
— A conscientização sobre a doação de órgãos é outra coisa que tem que evoluir muito para que as pessoas possam ver isso com mais naturalidade — finaliza a médica do Instituto de Cardiologia.