A enfermeira aposentada Joy Milne, 72 anos, de Perth, na Escócia, tem hiperosmia hereditária, uma condição que garante um olfato mais apurado. Graças a isso, ela consegue identificar pelo "cheiro" o Parkinson em pessoas que têm a doença, mesmo que ainda não tenham sido diagnosticadas.
Ela fez essa descoberta quando passou a frequentar associações de apoio a pacientes com Parkinson após seu marido, Les Milne, ter recebido o diagnóstico. Nesse período, a escocesa percebeu que as pessoas apresentavam o mesmo odor que ela sentia no marido há 12 anos, muito antes dos primeiros sintomas dele se manifestarem. Les acabou morrendo em junho de 2015 devido ao avanço dos sintomas neurodegenerativos.
— Ele (Les) tinha um cheiro desagradável, especialmente nos ombros e no pescoço. O aspecto da pele dele também mudou — contou Joy à BBC.
Quando suspeitou que poderia perceber a doença pelo cheiro, Joy procurou um pesquisador do Reino Unido e começou a se envolver em estudos que testavam se sua condição genética poderia ser utilizada para identificar o Parkinson de forma precoce, o que ajudaria no tratamento.
A equipe envolvida na pesquisa descobriu que a aposentada sentia um odor mais forte nas costas dos pacientes porque era uma região que era lavada de forma menos frequente. Além disso, os pesquisadores perceberam que pessoas com Parkinson apresentam uma alteração na produção de sebo por um desequilíbrio das glândulas sebáceas, o que tornava as peles mais oleosas e com cheiro mais forte.
Após os testes, os estudiosos perceberam que o sebo poderia ser utilizado para identificar lipídios com grande massa molecular, que são mais ativos em pessoas com Parkinson, e que isso poderia ser aproveitado em exames para detecção da doença.
Atualmente, pesquisadores da Universidade de Manchester, no Reino Unido, já estão trabalhando no desenvolvimento de um teste cutâneo para diagnóstico de Parkinson cujo resultado pode ficar pronto em até três minutos. O trabalho foi inspirado no caso de Joy e foi publicado em 7 de setembro no periódico científico Journal of the American Chemical Society.
Como o estudo foi realizado
Na primeira etapa da pesquisa, os cientistas coletaram o sebo das costas de 150 voluntários com um swab (haste flexível com algodão na ponta). Nesse grupo, 79 pessoas tinham Parkinson e 71 eram saudáveis.
O sebo foi colocado em um filtro de papel e recebeu uma gota de solvente e voltagem elétrica, o que transferia seus componentes para o espectrômetro de massa. Utilizando essa técnica, os pesquisadores encontraram mais de 4 mil compostos únicos nas amostras. Desse total, 500 eram diferentes entre os dois grupos estudados.
O teste
Os resultados da pesquisa motivaram a equipe a criar, em parceria com a escocesa Joy, um teste para identificação de Parknison que consiste em esfregar a pele dos pacientes.
Segundo os pesquisadores envolvidos no trabalho, as análises prévias mostraram que o exame, em condições de laboratório, tem eficácia de 95% de precisão. De acordo com Perdita Barran, professora da Universidade de Manchester e líder do estudo, essa iniciativa é muito importante porque ainda não havia um teste químico para a doença.
"Este teste tem o potencial de melhorar de forma massiva o diagnóstico e o tratamento de pessoas com a doença de Parkinson", disse o coordenador clínico do estudo, Monty Silverdale, em um comunicado da Universidade de Manchester.
Atualmente, os cientistas estão trabalhando com colegas de laboratórios analíticos de hospitais para reproduzir a pesquisa e verificar se os testes funcionarão em um ambiente do NHS (sistema de saúde público britânico).
A expectativa dos estudiosos é que no máximo em dois anos o exame cutâneo esteja disponível em hospitais e unidades de saúde em Manchester. Além disso, a equipe pretende investigar se é possível identificar outras doenças a partir do sebo.
— Estamos tremendamente animados com esses resultados, que nos deixam mais perto de criar um teste de Parkinson que pode ser usado na prática clínica — disse Perdita Barran.
A doença
A doença de Parkinson é um distúrbio degenerativo do sistema nervoso central. Crônica e progressiva, ela ocorre quando há uma diminuição expressiva da produção de dopamina, substância neurotransmissora que ajuda as células do sistema nervoso a transportar mensagens entre elas.
A lentidão dos movimentos e o surgimento de tremores são os principais sintomas da doença. Eles podem se manifestar em um lado do corpo ou em ambos e, geralmente, cessam durante o sono.
Não existe cura para a doença. Apesar disso, há tratamento com medicamentos que podem retardar o avanço dos sintomas.
Segundo a Parkinson's UK, cerca de 145 mil pessoas no Reino Unido convivem com o distúrbio. Já, no Brasil, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 200 mil brasileiros têm Parkinson.
A OMS também estima que 1% da população mundial acima de 65 anos conviva com a doença. Atualmente, o diagnóstico é feito com base em análise clínica nos sintomas apresentados e no histórico do paciente. Exames de tomografia computadorizada e ressonância magnética podem ser realizados para diagnóstico diferencial, que exclui outras possibilidades de doenças.