Aos sete anos, Helena Souza Gomes ainda não decidiu o que quer ser: cabeleireira, maquiadora ou policial. Na manhã desta sexta-feira (30), pôde testar suas habilidades com um desses sonhos, manuseando tesoura e cabelos de verdade, durante o Trote Solidário promovido pelo Hospital da Criança Santo Antônio e pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
A menina, diagnosticada com um tumor renal em fevereiro, perdeu o cabelo em função do tratamento. Ela foi a primeira a se aventurar pelas cabeças dos voluntários — universitários que estão no primeiro semestre de cursos da área da saúde. Orientada pelo barbeiro Cael Cristian Dias Albrecht, Helena empunhou a máquina e tosou os cachos de Laura Teixeira, 18 anos, caloura de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Voluntários da ONG Doutorzinhos animaram o salão de beleza improvisado no ambulatório, com música e gritos de incentivo.
— Acho que é um momento legal para as crianças — disse Laura, que aprovou a mudança radical numa rápida espiada na câmera de um celular.
Camila Voos Soares, oncologista pediátrica do hospital, explica que o tratamento contra câncer costuma ser prolongado e, infelizmente, inclui procedimentos invasivos. Atividades lúdicas como o Trote Solidário representam um alívio na rotina tão limitada pela doença.
— São interações sociais que melhoram a autoestima, o aspecto psicológico. E o evento desmistifica um pouquinho as carecas — comenta Camila.
A dona de casa Catiane da Silveira Souza, 45 anos, mãe de Helena, recorda como a mudança na fisionomia abalou a filha. O processo foi conduzido em etapas.
— Olha só que legal essa boneca diferente! — anunciou Catiane ao presentear Helena com uma Barbie careca.
Quando os cachos louros começaram a cair, optou-se por um corte na altura dos ombros. Helena questionou a mãe:
— Foi por isso que tu me deu a Barbie, né?
Isadora Roliano Miranda da Silva, 10 anos, trata um osteossarcoma (tumor ósseo) desde novembro do ano passado. Chegou ao Trote Solidário exibindo experiência: costuma cortar o cabelo da mãe, a dona de casa Daniela Roliano Faleiro, 40 anos. Quando a família foi abalada pela notícia da doença, todos rasparam a cabeça.
— Enquanto tu não tiver cabelinho, eu também não vou ter — disse Daniela à caçula, encorajando-a nas saídas em público, quando a garota pensa que todos a estão observando.
As mechas coletadas durante o evento serão encaminhadas à ONG Cabelaço, que confecciona perucas para crianças e jovens com câncer. O Trote Solidário, interrompido durante a pandemia e retomado agora, também contou com o apoio da Liga Feminina de Combate ao Câncer.