A dois dias do fim da campanha nacional de imunização contra a gripe, Porto Alegre está longe de atingir a meta de cobertura vacinal para os grupos prioritários. Dados do LocalizaSUS, painel do Ministério da Saúde, divulgados nesta quarta-feira (1º) pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) mostram que apenas 47,3% dessas pessoas já foram vacinadas. O índice é baixo em todos os públicos-alvo (veja abaixo) e gera preocupação em especialistas, principalmente devido à superlotação das emergências para adultos e crianças em hospitais da Capital.
- Crianças – 20.222 vacinadas (27,1%)
- Gestantes – 2,1 mil (17,8%)
- Idosos – 174.780 (57,4%)
- Povos indígenas – 411 (22,6%)
- Puérperas – 217 (11,2%)
- Trabalhadores da saúde – 39.558 (39%)
Benjamin Roitman, diretor adjunto da Vigilância em Saúde da SMS, aponta que a adesão à vacinação está muito menor do que em 2021 e que, agora, o município tem registrado bem mais casos de doenças respiratórias, com internações e emergências lotadas, sobretudo nas áreas pediátricas. O médico acredita que essa situação é reflexo dos questionamentos sobre eficácia e segurança das vacinas contra a covid-19 e do aumento do movimento antivacina:
— Acho que esse movimento ganhou mais adeptos e, por isso, tem mais gente resistente às vacinas e questionando não só as vacinas da covid, mas também vacinas que não se discutiam antes, como a da gripe.
Para Roitman, esses acontecimentos impactaram inclusive o grupo que mais aderia à vacina da gripe — os idosos. Ainda que 57,4% deles tenham se vacinado na campanha atual, restam 32,6% para atingir a meta de 90%. Antes da pandemia, na campanha de 2019, a Capital havia conseguido imunizar cerca de 79% dos grupos prioritários, o que representa uma diferença de mais de 30% do total obtido neste ano. Entre os idosos, a cobertura alcançada foi de 94% na época.
— É um ano atípico, mas, de qualquer forma, a campanha continua. As vacinas vão continuar disponíveis e a ideia, como sempre acontece, é depois disponibilizar para todos — afirma o diretor adjunto.
Questionado pela reportagem, o Ministério da Saúde informou que ainda está definindo se vai estender a campanha para os grupos prioritários ou ampliar para a população geral, como em anos anteriores.
Falta de conscientização
Na visão do presidente da Sociedade Gaúcha de Infectologia (SGI), Alessandro Pasqualotto, falta maior conscientização da população de que a gripe (aquela não causada pela covid-19) é uma causa importante de adoecimento e morte nos grupos de risco, o que já foi observado claramente em invernos anteriores à pandemia. Ele comenta que é comum que as emergências lotem nesse período, mas que é preocupante que isso ocorra agora porque a covid-19 segue afetando algumas pessoas.
— Ainda há pessoas indo à emergência com sintomas respiratórios e não se sabe mais quem tem gripe por covid ou por outra causa, pois, além do coronavírus e do influenza, existem vários vírus circulando. Então, o que pudermos diminuir, vacinando e evitando novos casos, resultará em menos indivíduos procurando o sistema de saúde, evitando essa sobrecarga — destaca o infectologista.
Para melhorar os números, que considera alarmantes, Pasqualotto defende campanhas mais fortes para convencer a população sobre o benefício e a importância das vacinas, reforçando que elas previnem doença e morte, assim como observado com a covid-19. O presidente da SGI acredita, entretanto, que neste momento as pessoas precisam retomar atenção para outros problemas de saúde, antes um pouco negligenciados em função da pandemia:
— As pessoas que sobreviveram à covid podem achar que doenças gripais são banais, porque às vezes costumam ser, mas para alguns grupos, são graves. Por isso, é preciso se vacinar. Temos que aproveitar o exemplo da vacinação contra a covid, que teve tanto sucesso, para usar também para a influenza, para que não tenhamos altos números de óbitos com a chegada do inverno.
Risco para as crianças
Os questionamentos e as notícias falsas sobre os imunizantes contra a covid-19 são apontados por Fabrizio Motta, supervisor médico do Controle de Infecção e Infectologia Pediátrica da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, como contribuintes para a redução da adesão às vacinas utilizadas há anos, como a da gripe, do sarampo e da poliomielite. Neste cenário, o especialista ressalta que é preciso voltar a proteger as crianças, levando-as para tomar as doses necessárias, a fim de evitar que elas se exponham às doenças respiratórias, que podem resultar em quadros graves.
Segundo Motta, a vacina da gripe é extremamente segura, com impacto importante na prevenção de doenças, e apresenta benefícios para crianças acima de seis meses. O vírus influenza, destaca, é um dos agentes responsáveis por lotação de emergências e casos de internação pediátrica em Unidade de Terapia Intensiva (UTI):
— Temos visto vários casos hospitalizados, não somente nas emergências, mas também de UTI causados pelo influenza A e pelo B, sendo que podemos vacinar as crianças acima de seis meses.
O especialista enfatiza que crianças menores de dois anos, mesmo sem nenhum problema de saúde prévio, têm risco de precisar de hospitalização pelo vírus da gripe. Já as que têm alguma comorbidade, apresentam um risco muito maior, que, em alguns casos, pode inclusive resultar em morte.
— Diante desses números (27,1% das crianças vacinadas), podemos dizer que 70% das crianças estão em risco de doença grave pela influenza. E isso envolve crianças da faixa etária, transplantadas, com cardiopatias, doenças pulmonares crônicas ou algum grau de imunodeficiência. Então, elas não estão protegidas e o vírus está circulando — alerta.