Aprovado na quarta-feira na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 2.564/2020, que institui piso salarial com remuneração mínima inicial de R$ 4.750 para a enfermagem, vai agora para sanção presidencial, mas, para isso, há um desafio no caminho: definir de onde virão os recursos.
O piso deverá ser pago tanto por hospitais públicos quanto privados em todo o Brasil. Técnicos de enfermagem devem ganhar 70% desse valor, e auxiliares e parteiras, 50%. O PL também prevê que os salários serão corrigidos todos os anos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
A crítica da Confederação Nacional de Municípios (CNM) é que não há caixa disponível nas prefeituras para bancar esse piso. Segundo estudo da entidade, o impacto anual no orçamento das administrações municipais do país será de R$ 9,4 bilhões - no do Rio Grande do Sul, R$ 244,2 milhões.
Relatora da proposta e coordenadora de um grupo de trabalho na Câmara que analisa os impactos financeiros da medida, a deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC) informou, durante a votação, que o PL só irá para sanção quando as fontes para o custeio forem garantidas. Em entrevista a GZH, diz que algumas alternativas já foram apresentadas, como o PL 442/91, que regulamenta os jogos de azar no Brasil - se aprovado, poderia cobrir os gastos necessários para garantir a remuneração dos enfermeiros:
— Agora nós temos a tarefa de garantir as fontes de financiamento desse PL. Algumas já foram apresentadas, como o PL 442/91. Isso está sendo trabalhado. Vamos indicar fontes de financiamento para ajudar os hospitais filantrópicos e os municípios onde o impacto financeiro do piso pode ser significativo.
Presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNF), Paulo Ziulkoski afirma que os prefeitos não são contra os enfermeiros terem um piso salarial, mas que há um entendimento geral de que é necessário indicar de onde virão os recursos para isso, caso contrário, avalia, o projeto de lei será vetado quando for para sanção presidencial.
— Os prefeitos entendem que os enfermeiros, auxiliares e parteiras têm, sim, que ter valorização. Não somos contra o piso. Mas esse piso pode gerar impacto nas finanças. Precisamos de uma fonte de financiamento, com participação dos municípios, estados e União. Se mandarem para sanção do jeito que está, o presidente terá que vetar, porque é um projeto inconstitucional.
Na avaliação do presidente do Sindicato dos Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do Rio Grande do Sul, Ricardo Englert, a dificuldade para pagar o piso para os enfermeiros não será somente dos municípios e das Santas Casas, mas até da rede privada. Ele também entende que a União precisa garantir uma parte dos custeios.
— Sempre nos posicionamos publicamente a favor de uma remuneração melhor para a categoria, mas insistimos na necessidade de mecanismos de financiamento para isso. O governo federal precisa se envolver, os municípios não têm condições. Nossa expectativa é que, nos próximos 30 dias, indiquem uma fonte de recursos para pagar — diz.
Valorização
Para a categoria, o piso salarial é uma luta histórica que pode corrigir grandes disparidades na remuneração. Segundo o enfermeiro Daniel Menezes de Souza, integrante do Conselho Federal de Enfermagem e do Fórum Nacional de Enfermagem, há diferenças significativas entre os salários de enfermeiros em um país do tamanho do Brasil - regiões mais desenvolvidas, como Sul e Sudeste, pagam melhor do que o restante.
— O piso, ao garantir um valor mínimo, não deixará que ninguém receba menos. Queremos corrigir distorções dos baixíssimos salários que algumas regiões pagam. Temos que acabar com essa injustiça histórica, com profissionais trabalhando com salários miseráveis — diz.
Segundo a presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul (Sergs), Cláudia Franco, mesmo no Estado há uma grande diferença na remuneração de enfermeiros. Ela diz que em Porto Alegre há hospitais que pagam até mais do que o piso proposto pelo PL 2.564/2020, enquanto outros pagam menos. Pelo interior, a discrepância é ainda maior, com municípios pagando cerca de R$ 2 mil:
— Entre os municípios gaúchos, somente Porto Alegre paga salários acima de R$ 5 mil, enquanto nas outras cidades os enfermeiros ganham muito menos. Por isso temos essa luta histórica de um piso, em que o enfermeiro poderá trabalhar até 44 horas semanais ganhando R$ 4.750.
Na avaliação de Cláudia, enfermeira há 16 anos e atualmente trabalhando no Centro Obstétrico do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, um piso salarial vai permitir que a categoria negocie melhores condições de salário, e, por consequência, que seja valorizada.
— Somos uma das poucas profissões que não têm piso. O médico tem piso, odontólogo tem piso. A pandemia sensibilizou nossa profissão, mostrou para a sociedade quem está lá ao lado do paciente. Quem aplica vacina nos postos de saúde? A gente sempre diz: a enfermagem é uma profissão que não tem como ser feita sem um contato próximo com a população — diz.