Com a chegada do outono, as emergências pediátricas de Porto Alegre registram uma grande procura pelo atendimento a crianças com síndromes respiratórias. É algo esperado nesta época do ano, mas dois fatores tornam o cenário mais crítico: a volta às aulas presenciais após dois anos de ensino remoto e a diminuição desse tipo de serviço nos hospitais da Capital.
De acordo com médicos à frente das principais emergências pediátricas de Porto Alegre, os dois anos de pandemia dificultaram que as crianças, isoladas em casa, entrassem em contato com os vírus respiratórios. Com a reabertura das escolas em fevereiro, além da retomada do convívio entre familiares e amigos, essa exposição vem acontecendo de forma intensa.
Agora, são registrados mais casos de crianças com bronquiolite, asma e pneumonia, problemas que, tradicionalmente, aumentam conforme baixam as temperaturas.
— A casa é uma redoma. Essas crianças não estavam expostas aos vírus e muito menos aos vírus das outras crianças das creches, das escolas. É o que chamamos de baixo fator imunológico. Se o inverno no Rio Grande do Sul for rigoroso, as crianças vão sofrer muito — diz o pediatra José Roberto Saraiva, chefe da emergência pediátrica do Hospital da Criança Conceição, do Grupo Hospitalar Conceição (GHC).
A situação se torna mais preocupante porque houve uma redução das emergências pediátricas em Porto Alegre nos últimos dois anos. Referência no atendimento tanto pelo Sistema Único de Saúde (SUS) quanto particular e convênio, o Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católicas do Rio Grande do Sul (PUCRS) encerrou o atendimento materno-infantil em 2020.
Já o Hospital da Criança Santo Antônio, da Santa Casa de Misericórdia, limitou os serviços. Desde 2020, pacientes pelo SUS não podem mais chegar por conta própria. Questionada pela reportagem, a instituição informou que não recebe novos pacientes, nem quem paga consulta particular ou conta com plano de saúde, e justificou que o problema é resultado de escassez de pediatras no mercado. Também informou que está "equacionando uma solução com a maior brevidade, agilizando a contratação de novos profissionais".
Essas lacunas têm sobrecarregado outros hospitais que mantêm o atendimento a crianças. Na segunda-feira (4), o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) emitiu comunicado pedindo atenção para o problema. A entidade diz que o "fechamento/redução dos serviços de pediatria, assim como a redução de leitos em UTI em instituições de saúde do Estado, modificaram as necessidades assistenciais da população. O arrefecimento da pandemia vem expondo a situação, que se agrava com a restrição de atendimentos de algumas emergências pediátricas. A justificativa de falta de profissionais em seus quadros precisa ser avaliada e discutida publicamente".
Segundo o diretor do Simers, o cirurgião pediátrico Guilherme Peterson, várias queixas começaram a circular nas últimas duas semanas entre os profissionais da pediatria. Em sua avaliação, o risco é de os hospitais enfrentarem um inverno com falta de leitos para crianças.
— Se nada for resolvido, se o Poder Público não abrir novas vagas para internação pediátrica, teremos falta de leitos tanto para convênios quanto para o SUS. Vai ser um inverno complicado para a pediatria — alerta Peterson.
A Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre (SMS) confirmou a diminuição na oferta de leitos pediátricos pelo SUS causada, principalmente, pelo fechamento do setor materno-infantil do São Lucas da PUCRS. Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) apontam que, em fevereiro de 2018, eram 389 leitos clínicos pediátricos e 105 leitos de UTI pediátrica na Capital. Dois anos depois, em fevereiro de 2022, as vagas caíram para 293 e 84, respectivamente.
A SMS também informou que está em tratativas com a Santa Casa de Misericórdia para tentar retomar o volume de internações pediátricas no Hospital Santo Antônio. Além disso, disse que planeja a abertura de uma emergência pediátrica no Hospital Vila Nova, com previsão de funcionamento para o mês de maio.
Se a criança está tranquila, brincando, teve apenas um pico de febre, sem falta de ar, essa criança deve ir no seu pediatra ou na unidade básica de saúde.
PATRÍCIA MIRANDA LAGO
Chefe do Serviço de Emergência e Medicina Pediátrica do HCPA
Emergências pediátricas "a mil"
Um dos hospitais de Porto Alegre que mais absorveram os atendimentos a crianças pelo SUS foi o Hospital da Criança Conceição. Em fevereiro, quando ainda não havia o impacto da virada da estação e da volta às aulas presenciais, a emergência pediátrica realizou 3.558 atendimentos, sendo 680 por problemas respiratórios. Em março, a quantidade de atendimentos totais pulou para 5.965, sendo que o número de crianças com queixas respiratórias subiu para 1.869, um aumento de 174,8%.
— Já está o caos e ainda nem começou o inverno. Estamos realmente lotados. Como não há restrições de atendimento aqui, a demanda é muito grande — diz o pediatra Milton Luis Wainberg, que atende na emergência pediátrica do Conceição.
A realidade é a mesma no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, que só atende pelo SUS. Em fevereiro, a emergência pediátrica da instituição registrou 865 atendimentos, sendo 40% deles por problemas respiratórios. Em março, o número de atendimentos totais de crianças pulou para 1.480, e mais da metade, em torno de 60%, eram queixas respiratórias.
O Hospital Moinhos de Vento, cuja emergência pediátrica atende por convênio e particular, também vem recebendo dezenas de crianças por dia. Foram 2.541 atendimentos em fevereiro, sendo 1.199 crianças com problemas respiratórios. Em março, os atendimentos totais pularam para 3.737 — desses, 1.904 eram questões respiratórias.
De acordo com o chefe do Serviço de Pediatria do Moinhos, João Ronaldo Krauzer, os leitos de internação infantil já estão lotados:
— Não temos nenhum leito vago, incluindo os de UTI. Já aumentamos o número de médicos em todos os horários na pediatria, já aumentamos número de funcionários .
Acionar o pediatra
Boa parte das crianças que chegam às emergências não tem sintomas graves, alertam os profissionais ouvidos pela reportagem. São casos leves, que poderiam ser resolvidos com pequenos cuidados em casa ou mesmo com uma consulta com o médico de referência.
Segundo o pediatra João Ronaldo Krauzer, do Moinhos de Vento, é importante que as famílias saibam identificar quando a criança deve ir para a emergência. Se essa distinção for feita, não só ajuda a desafogar os hospitais, como protege os pequenos de uma exposição desnecessária aos vírus.
— Às vezes, as crianças vêm com sintomas leves e ficam duas horas esperando uma consulta. Nisso, acabando ficando expostas. A família deve, primeiro, observar a criança, dar um remédio para a febre, fazer uma limpeza nasal com soro fisiológico e passar algumas horas observando — orienta o médico.
A recomendação é reforçada pela pediatra Patrícia Miranda Lago, chefe do Serviço de Emergência e Medicina Intensiva Pediátrica do Hospital de Clínicas.
Segundo Patrícia, criança com febre, mas que come e brinca sem maiores problemas, não tem necessidade de ir para o hospital. Se a preocupação dos pais for grande, o indicado é acionar o pediatra, ou levar no posto de saúde mais perto de casa.
— Se a criança está tranquila, brincando, teve apenas um pico de febre, sem falta de ar, essa criança deve ir no seu pediatra ou na unidade básica de saúde. Crianças com infecção respiratória leve não devem ir para a emergência. Temos que restringir as emergências pediátricas para crianças que precisam de oxigênio, de raio x ou tomar antibiótico na veia — destaca a médica.
Um puxão de orelha tem a ver com a adesão à vacinação contra a gripe, que ficou abaixo do esperado em 2021, atingindo apenas 72,1% do público-alvo.
— Com o fim da pandemia, muitos pais não vacinados contra a gripe começaram a retomar os seus contatos e, com a mudança de temperatura, se resfriaram e passaram para as crianças — observa o pediatra José Roberto Saraiva, do Conceição.
Embora a campanha de vacinação contra a gripe só vá abrir para crianças menores de cinco anos a partir do dia 3 de maio no Rio Grande do Sul, é importante que as famílias lembrem que os pequenos precisam dessa proteção, observa a pediatra Patrícia, do Clínicas.
— As crianças têm que se vacinar. A vacina da gripe protege principalmente contra esses vírus que levam às internações.
Para as crianças maiores, com mais de cinco anos, também já está disponível a vacina contra a covid-19. Nesta semana, a prefeitura da Capital emitiu comunicado de alerta. Mais de 30 mil crianças de cinco a 11 anos estão com a segunda dose em atraso. Lembrando que a CoronaVac tem intervalo de 28 dias entre as injeções e Pfizer pediátrica, de oito semanas.
Veja emergências pediátricas ou ambulatórios pediátricos funcionando em Porto Alegre
Sistema Único de Saúde (SUS)
- Hospital da Criança Conceição, do Grupo Hospitalar Conceição - atendimento 24 horas
- Hospital de Clínicas de Porto Alegre - atendimento 24 horas
- Hospital Materno Infantil Presidente Vargas - atendimento 24 horas
Convênio e particular
- Hospital Moinhos de Vento - atendimento 24 horas
- Ambulatório da Unimed Porto Alegre no Shopping Total - das 8h às 22h de segunda sexta; e das 8h às 20h no sábado, domingo e feriados