Uma pesquisa desenvolvida pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) mostrou que o uso de canabidiol, substância derivada da Cannabis sativa, é capaz de resolver um problema que afeta muitas mulheres: o déficit de memória associado à menopausa. Iniciada geralmente a partir dos 50 anos, quando os ovários reduzem a produção dos hormônios, a menopausa traz diferentes sintomas que afetam a saúde e a qualidade de vida. Entre as queixas recorrentes, está a perda de memória — fato que deu origem ao estudo coordenado pela professora do Departamento de Fisiologia Nadja Schröder.
Com atuação no Instituto Nacional de Pesquisa Translacional em Medicina (INCT-TM), a docente estuda o uso do canabidiol em tratamentos de doenças neurodegenerativas, especialmente relacionadas à perda de memória, como o Alzheimer, há mais de uma década. Ela conta que vem se dedicando à pesquisa com o modelo da menopausa nos últimos anos porque estudos mostram que existe uma relação entre a diminuição do hormônio estrogênio com o início de problemas de memória.
— O estrogênio é um hormônio com propriedades neuroprotetoras, que age em diferentes partes do corpo, incluindo o cérebro. Um exemplo disso é que a incidência de Alzheimer em homens e mulheres é praticamente a mesma quando elas ainda não passaram pela menopausa. Mas, se compararmos homens e mulheres de 70 anos, quando já estão na menopausa, a porcentagem de Alzheimer entre elas será maior — afirma Nadja.
Para obter os resultados atuais, o grupo de pesquisa realizou testes com ratas adultas que haviam passado por uma cirurgia de remoção dos ovários — o que induz o início da menopausa, já que são esses órgãos que produzem o estrogênio. De acordo com a professora, foi necessário aguardar três semanas até que os animais se recuperassem do procedimento e perdessem qualquer vestígio do hormônio que ainda pudesse existir no organismo.
Após o período, foi iniciado um tratamento farmacológico com a substância derivada da Cannabis sativa, que foi administrada uma vez por dia durante duas semanas. Em seguida, foram realizados testes de memória com as ratas. Nadja relata que o estudo observou quatro grupos: um com animais que não passaram por cirurgia ou receberam canabidiol; um com animais que apenas receberam a substância; um com animais que fizeram a cirurgia, mas não receberam o tratamento; e um com animais que passaram pela cirurgia e usaram canabidiol.
— Comparamos a memória desses quatro grupos e, assim, comprovamos que, ao retirar os ovários e induzir a menopausa, as ratas tiveram prejuízos de memória. Depois, mostramos que o tratamento com canabidiol recuperou a memória dessas ratas, que ficaram iguais àquelas que não fizeram a cirurgia e muito melhores em relação ao grupo que retirou os ovários, mas não recebeu o tratamento — comenta a professora.
Como funciona o teste
Para os testes, os pesquisadores utilizam caixas com objetos, onde as ratas são colocadas. O primeiro reconhecimento do ambiente é filmado e, depois de 24 horas, é possível analisar e medir o nível de memória desses animais, esclarece Nadja:
— Colocamos o rato em uma caixa com objetos que ele nunca viu, para que ele possa explorar, e cronometramos o tempo que ele passa fazendo isso. No dia seguinte, colocamos um objeto diferente e, se o rato se lembrar dos objetos que conheceu no dia anterior, passará muito mais tempo explorando o objeto novo.
Próximos passos
Segundo a professora, os resultados positivos obtidos com o canabidiol no decorrer de 10 anos fazem com que ela se mantenha confiante sobre o potencial terapêutico da substância. Ela ressalta que, neste período, foram desenvolvidos diferentes trabalhos e com diferentes alunos, o que sinaliza que as respostas positivas não são um acaso.
— Realmente tenho um sentimento bem forte de que o canabidiol é promissor. E os resultados são tão positivos que me fazem acreditar que os próximos estudos precisam ser feitos com mulheres que estejam na menopausa — diz Nadja.
Enquanto isso não acontece, o grupo de pesquisa dará continuidade ao trabalho pré-clínico, que é a fase com os animais. O próximo objetivo, informa a pesquisadora, é aprofundar a investigação sobre as interações entre o sistema endocanabinoide (onde agem canabinoides, como o canabidiol) e o sistema do estrogênio, para obter subsídios que comprovem como ocorre a melhora da memória a partir do uso da substância.