Será conduzida em Porto Alegre, graças a um financiamento internacional, uma pesquisa fundamental para entender o impacto da covid-19 no cérebro de diferentes populações. Com a verba de US$ 100 mil (quase R$ 500 mil) recebida da Academia Nacional de Neuropsicologia e da Associação do Alzheimer, ambas dos Estados Unidos, o farmacêutico Eduardo Zimmer conduzirá a investigação. Ele pretende avançar no entendimento de uma das questões mais urgentes da atualidade: a covid longa (sintomas persistentes em quem teve a doença) e o risco de indivíduos — em especial os mais vulneráveis — desenvolverem doenças neurodegenerativas como o Alzheimer.
Aos 37 anos, Zimmer é um nome respeitadíssimo no Brasil e no Exterior. Premiado e disputado por instituições de ensino e pesquisa e “caçado” por estudantes de pós-graduação que desejam conduzir estudos sob sua orientação, o professor do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Básicas da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade McGill, no Canadá, se abastece de inspiração e incentivo também dentro da família. Dos seis membros — pai, mãe e quatro filhos —, cinco optaram pela graduação em Farmácia. Eduardo e os irmãos Karine e Marcelo conquistaram, em diferentes edições, o Prêmio Capes de Tese, promovido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação do Ministério da Educação.
No estudo com previsão de se estender pelo período total de dois anos, Zimmer, também pesquisador do Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul (InsCer), estabeleceu uma parceria com a Misturaí, organização da sociedade civil sem fins lucrativos, para recrutar voluntários na Vila Planetário, no bairro Santana, na Capital. Em resumo, serão acompanhadas 120 pessoas divididas em quatro grupos, determinados pelo menor ou maior número de anos de educação formal e a experiência — ou não — de ter enfrentado um quadro de covid longa.
O professor destaca um número perturbador: até 50% dos pacientes têm manifestações neurológicas no pós-covid — sintomas como perda de olfato e paladar, por exemplo, estão incluídas aí.
— Tem muita gente que está experienciando apagões de memória: esquece coisas, como entregar uma tarefa por exemplo. Existem pessoas que ficam com essas disfunções neurológicas, o olfato não volta, têm dificuldade de memória, para desenvolver alguma atividade — relata Zimmer.
Também está comprovado que pacientes no período pós-covid apresentavam marcadores sanguíneos de injúria neuronal — ou seja, a sinalização, no organismo, de que teriam doença neurodegenerativa em algum momento da vida. Zimmer teve certeza da urgência de se aprofundar no tema.
— O que vai acontecer com esses pacientes a longo prazo? O cérebro está sofrendo. Estamos apavorados — inquieta-se o pesquisador. — Tem duas hipóteses: a covid age no cérebro de maneira periférica ou entra no cérebro e faz o estrago. O final é o mesmo: os pacientes têm manifestações neurológicas.
Os participantes recrutados terão entre 50 e 90 anos de idade. Estão previstas avaliações cognitivas e neurológicas, coleta de sangue para avaliação de biomarcadores de doenças neurodegenerativas e exames de imagem para observar função e volume cerebral.
— Vamos seguir essas pessoas por um ano e meio e entender se os marcadores continuam ou não, se foi uma coisa aguda pós-covid — explica Zimmer.
Fica assegurada, de antemão, a inegável importância do projeto:
— Provavelmente, será um dos primeiros estudos a trazer informações sobre populações vulneráveis estarem mais vulneráveis ou não a efeitos deletérios da covid-19. Já é difícil para famílias com condições cuidarem de doentes de Alzheimer, então imagina (essa situação) em populações vulneráveis. Precisamos ver se os efeitos da covid longa nesses indivíduos são maiores do que em pessoas mais resistentes.