O desafio proposto já na largada desta reportagem é o de que o leitor tente encontrar maior concentração de farmacêuticos por núcleo familiar do que entre os Zimmer: dos seis membros — pai, mãe e quatro filhos —, cinco optaram por essa graduação. Com o diploma, quatro enveredaram pelo caminho da pesquisa científica e da docência. Três, e aqui está o grande motivador deste texto, foram agraciados com uma das mais cobiçadas honrarias acadêmicas do Brasil: o Prêmio Capes de Tese, promovido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), uma fundação do Ministério da Educação.
Marcelo Rigon Zimmer, 31 anos, pós-doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas: Bioquímica do Departamento de Bioquímica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é o mais recente vencedor. Na edição 2020, conquistou o prêmio na categoria Ciências Biológicas 2, com o trabalho “O papel dos neurônios Agrp em comportamentos não relacionados à ingestão alimentar e sua ontogenia funcional em camundongos”.
Em 2016, na mesma categoria, Eduardo, 35 anos, professor do Departamento de Farmacologia da UFRGS, ganhou com “O envolvimento da proteína fosfatase 2A e do sistema glutamatérgico em processos neurodegenerativos relacionados à Doença de Alzheimer: Mecanismos e biomarcadores de imagem”.
Precursora dos irmãos na conquista da distinção conferida pelo governo federal, Karine, 40 anos, professora do Departamento de Ciências Básicas da Saúde da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), recebeu menção honrosa em 2013, em Ciências Biológicas 1, por “Atividade antibiofilme e antibiótica da cera dos ovos e de metabólitos produzidos por bactérias associadas ao carrapato Rhipicephalus (Boophilus) microplu”. Aline, 42 anos, a primogênita do quarteto, que também tem título de doutora, atua como professora da Faculdade de Farmácia da UFRGS.
A inspiração a guiar trajetórias tão convergentes remonta à infância, em Santo Ângelo, nas Missões. Formado em Química, Nelson Antonio Zimmer, hoje com 72 anos, tentou ingressar na pós-graduação, no Rio de Janeiro e depois no interior de São Paulo, mas o fator financeiro determinou sua desistência nas duas vezes — não obteve bolsa de estudos na primeira, e o auxílio oferecido na segunda cobriria apenas o aluguel.
Com a gravidez da esposa, a professora Arlete Maria Rigon Zimmer, 65 anos, ele renunciou ao sonho acadêmico em nome das prioridades do casal. Em certo ponto, Nelson, também docente, trocou as aulas em escolas e no cursinho pré-vestibular que fundou pelo setor do comércio, abrindo uma farmácia.
As crianças cresceram brincando no caixa e atendendo atrás do balcão.
— Boa tarde! Posso te ajudar? — questionavam os pequenos aprendizes aos clientes.
Eduardo recorda o interesse pelas explicações sobre a indicação e a ação dos mais variados medicamentos — tema comum até hoje à mesa das refeições, quando há chance de todos se reunirem.
— Essa nossa vivência meio que eliminou qualquer outra opção. Dá para entender um pouquinho o fascínio da família por farmácia — diverte-se Eduardo, destacando que todos foram alertados, pelo pai, sobre o fato de a remuneração da carreira não ser das mais atrativas.
Nelson ingressou na graduação em Farmácia há 20 anos, tornando-se um “bixo” tardio na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí) e compartilhando a experiência universitária com parte da prole. Os filhos se mudaram para a Capital à medida em que ingressavam no Ensino Superior, dividindo-se entre a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e a UFRGS. A turma é unânime ao destacar o esforço permanente do pai e da mãe para que os quatro filhos compreendessem a importância de se dedicarem aos livros.
— A única coisa que não tiram de vocês é o estudo — repetia Nelson.
Modesto, o patriarca divide os créditos com a companheira, que, segundo ele, deixou de avançar na carreira como professora de português no Ensino Fundamental para priorizar a atenção às crianças. E, claro, aplaude os esforços individuais:
— É mérito deles. Eu sou, apenas, quem sabe, uma pessoa que incentivou.
O que me motiva a ser cientista são três pontos: tenho uma curiosidade imensa por tudo, a importância do conhecimento, ensinada pelos meus pais, e a possibilidade de ajudar a sociedade.
MARCELO RIGON ZIMMER
Farmacêutico
A relação dos vencedores do Prêmio Capes de Tese — Edição 2020 foi publicada no Diário Oficial da União em 1º de outubro. No grupo de WhatsApp da família, Marcelo, que confessa que o processo de "cair a ficha" tomou-lhe mais de um dia, comunicou a novidade compartilhando a reprodução do e-mail que recebera da Capes.
"Mais um da família", escreveu abaixo da imagem.
"Não acredito!!! Que máximo!!!", digitou Aline, depois de abreviar um palavrão. "Show, Ma. Parabéns por todo o teu enorme trabalho, agora devidamente reconhecido", acrescentou.
"Baaaaah!!! Que notícia é estaaaaaa??? Muito, muito, muito merecido! Que orgulho", emendou Karine.
O mais recente laureado dos Zimmer conta que os mais velhos são como um espelho. Os quatro irmãos configuram um exemplo raro, segundo ele, também por outra peculiaridade: são tão unidos que quase nunca brigaram. Para Marcelo, o prêmio representa, além do reconhecimento a quem colaborou com sua formação, esperança para a pesquisa no Brasil, onde inúmeros obstáculos inviabilizam projetos.
— O que me motiva a ser cientista são três pontos: tenho uma curiosidade imensa por tudo, a importância do conhecimento, ensinada pelos meus pais, e a possibilidade de ajudar a sociedade — resume Marcelo.