São enganosas as postagens que circulam no Twitter que afirmam que a Rainha Elizabeth II estaria sendo tratada da covid-19 com ivermectina. As postagens usam um trecho de uma reportagem do programa australiano A Current Affair sobre a infecção da rainha em que aparece a embalagem do remédio Stromectol, que tem em sua composição a ivermectina.
O programa emitiu nota assumindo que a imagem foi inserida na reportagem por erro e o vídeo foi deletado. Além disso, em nenhum momento durante a exibição do programa é dito que a rainha estaria tomando ivermectina ou qualquer outro remédio para tratamento da covid-19. O médico entrevistado na matéria também negou que tenha insinuado que a rainha estivesse recebendo o remédio.
Dois perfis que publicaram o conteúdo foram procurados. A coordenadora do Movimento Advogados do Brasil e da Associação Mães do Brasil, Flávia Ferronato, respondeu que o post foi uma piada. “Não posso me responsabilizar pela falta de humor e de compreensão de algumas pessoas. Muitos entenderam a piada”, explicou. O outro perfil não retornou até o fechamento desta checagem.
Para o Comprova, é considerado enganoso o conteúdo que retira informações de seu contexto original e omite informações, de forma deliberada ou não, para provocar uma interpretação que difere da realidade dos fatos.
Como verificamos?
No vídeo que está sendo compartilhado no Twitter, é possível ler na parte inferior os dizeres A Current Affair. Uma pesquisa com a expressão no Google nos indicou que trata-se de um programa da emissora de televisão australiana Nine Network.
Ao consultar a página oficial do A Current Affair no Facebook, foi possível assistir à reportagem original completa, que foi postada na manhã da última segunda-feira (21). Horas depois, o conteúdo foi retirado do ar pela própria página do programa de TV, e, em seguida, a mesma reportagem foi postada novamente, porém sem a imagem da caixa do medicamento com ivermectina.
Pelo vídeo, foi possível também identificar que o médico que fala sobre possíveis tratamentos para a rainha Elizabeth chama-se Mukesh Hawikerwa e trabalha na Austrália. Uma pesquisa nos buscadores de internet com este nome nos levou ao perfil do Twitter do médico. Na bio da rede social, o médico mantém um link de uma clínica australiana, a Cirqit Health.
O Comprova tentou contato com a emissora de televisão Nine Network, pedindo esclarecimentos sobre a reportagem, mas não houve retorno até o fechamento da checagem. A clínica em que trabalha o médico australiano também foi procurada e não houve retorno.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 22 de fevereiro de 2022.
Verificação
Rainha usou ivermectina?
A Rainha Elizabeth II, monarca do Reino Unido e da Austrália, testou positivo para a covid-19 no domingo (20). O rumor de que a rainha estaria tomando ivermectina começou depois que o programa australiano A Current Affair, do canal Nine Network, fez uma reportagem sobre o diagnóstico da monarca.
O programa foi exibido na manhã de segunda-feira (21), no horário de Brasília. Durante a reportagem, é entrevistado o médico australiano Mukesh Hawikerwal que fala sobre remédios já aprovados contra a covid-19 e que poderiam ser usados no tratamento da rainha. Em nenhum momento, ele afirma que a monarca estaria tomando algum desses medicamentos e nem cita a ivermectina, que não tem aprovação para ser usada contra a covid-19.
Porém, na versão original da reportagem, enquanto ele fala sobre os medicamentos que poderiam ajudar no tratamento da rainha, é exibida a imagem da embalagem do Stromectol, antiparasitário que tem ivermectina em sua composição.
Após a repercussão do trecho da reportagem, o programa emitiu uma nota em que diz que a inserção da imagem na reportagem foi causada por um erro humano e que, em nenhum momento, houve a intenção de sugerir que a rainha estivesse fazendo uso do medicamento. A nota ainda acrescenta que o programa já fez diversas reportagens ressaltando que não há comprovação de eficácia da ivermectina contra a covid-19.
“Ontem à noite, a nossa reportagem sobre a rainha continha uma foto que não deveria ter sido incluída. A foto foi incluída por um erro humano. Estávamos destacando um medicamento de infusão aprovado chamado Sotrovimab e o relatório acidentalmente cortou para uma foto de Stromectol – um produto que contém ivermectina. Como programa, fizemos inúmeras histórias destacando as preocupações em relação ao uso de ivermectina como tratamento para o covid-19. Não pretendíamos sugerir que o Dr. Mukesh Hawikerwal endossou o Stromectol. Pedimos desculpas a ele esta manhã e ele aceitou esse pedido de desculpas. Não sugerimos que a rainha esteja usando ivermectina”, diz a nota. O vídeo original da reportagem foi excluído das redes sociais do canal.
Em seguida, a mesma reportagem foi novamente postada na página do Facebook do A Current Affair, porém, agora sem a imagem do medicamento com ivermectina. O trecho foi substituído por imagens da embalagem do Sotrovimab.
O Sotrovimab está entre os medicamentos recentemente aprovados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o tratamento da covid-19. O remédio tem sido indicado para evitar que casos moderados da doença evoluam para quadros mais graves, e vem sendo utilizado em países como o Reino Unido. Reportagem publicada pela BBC Brasil sobre o medicamento afirma que especialistas definem o Sotrovimab como “anticorpo monoclonal que é administrado como transfusão para receptores de transplantes, pacientes com câncer e outros grupos de alto risco”. Ainda segundo reportagem da BBC, o medicamento deve ser administrado em pacientes que apresentem comorbidades como diabetes ou problemas respiratórios, e que podem ser mais gravemente afetados pelo coronavírus.
O médico Mukesh Hawikerwal também negou que tivesse falado que a rainha estaria usando ivermectina contra a covid-19. Pelo Twitter, ele compartilhou a lista de medicamentos aprovados na Austrália contra a covid-19, que não inclui a ivermectina, e ressaltou a importância da vacinação. “Aviso que a imagem no @Channel9 @ACurrentAffair9 está sendo atualizada. Agradeço pela diligência e vigilância de boas pessoas que alertaram para isso quando acordamos. A #CovidVaccine [vacina contra a covid] reduz drasticamente a gravidade da doença. Infusões em pessoas elegíveis melhoram os resultados”, destacou.
Em matéria desta terça-feira (22) do jornal The Guardian sobre o erro da emissora australiana, Hawikerwal também afirmou que a “ivermectina não foi mencionada na entrevista” e que ele jamais recomendaria ivermectina para tratamento da covid-19.
Em nota, o Palácio de Buckingham informou que a rainha estava com sintomas leves de resfriado e que ela está sendo acompanhada por uma equipe médica. O comunicado não informa se a monarca está fazendo uso de algum medicamento. “A rainha testou hoje positivo para covid. Sua Majestade está com sintomas leves de resfriado, mas espera continuar com tarefas leves em Windsor na próxima semana. Ela continuará recebendo atendimento médico e seguirá todas as orientações apropriadas”, diz a nota divulgada à imprensa no domingo.
Ivermectina não funciona contra a covid-19
Desde o início da pandemia, várias pesquisas já foram feitas com a ivermectina para saber se o antiparasitário funciona contra a covid-19. Porém, até o momento não há evidências da eficácia do remédio contra a doença.
Um estudo publicado em junho do ano passado na revista científica EClinical Medicine, publicação que faz parte da The Lancet, mostrou que não houve diferença na redução da carga viral entre os grupos que utilizaram a ivermectina e os que não.
A orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que o remédio só seja usado em estudos clínicos. A Agência de Medicamentos Europeia (EMA), a Agência de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não recomendam o uso do medicamento para tratamento da doença. As agências ressaltam que não há estudos que comprovem a eficácia do medicamento e que altas dosagens podem fazer mal à saúde.
Desde o ano passado, a Administração de Produtos Terapêuticos (TGA, na sigla em inglês), equivalente à Anvisa na Austrália, passou a orientar que médicos só podem prescrever a ivermectina para os casos especificados na bula. “A ivermectina não está aprovada para uso contra a covid-19 na Austrália ou em outros países desenvolvidos, e seu uso pelo público em geral para covid-19 é atualmente fortemente desencorajado pela National COVID Clinical Evidence Taskforce, a Organização Mundial da Saúde e pela Agência de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos”, diz o comunicado.
O laboratório Merck, fabricante do remédio nos Estados Unidos, disse em fevereiro de 2021 que analisou os estudos disponíveis sobre o remédio e que, até o momento, não há base científica que aponte um efeito terapêutico do uso da ivermectina contra a covid-19.
Por que investigamos?
O Comprova verifica informações suspeitas com grande circulação nas redes sociais ou aplicativos de mensagem sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e as eleições presidenciais de 2022. O conteúdo que foi objeto desta verificação foi compartilhado em diversos perfis do Twitter e, somados, os posts acumulavam mais de 80 mil interações até o dia 22 de fevereiro de 2022.
Não há estudos que comprovem a eficácia de tratamentos como o uso da ivermectina para combater a covid-19. A própria farmacêutica que produz o medicamento nos Estados Unidos também admitiu que não há comprovação da eficácia do medicamento para combater o novo coronavírus.
O mesmo conteúdo aqui checado também foi marcado como falso pelo Fato ou Fake do G1 e pelo UOL Confere.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.