Uma pesquisa realizada no Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF), um hospital da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Rio de Janeiro, mostrou que fatores ligados à desigualdade social influenciaram a contaminação dos trabalhadores da unidade pelo coronavírus entre junho e julho de 2020.
Os resultados do estudo foram publicados na revista científica The Lancet Regional Health - Americas e mostram que o coronavírus infectou mais os trabalhadores que não são brancos, os que têm menor nível de escolaridade e de renda e os funcionários que não trabalham diretamente na assistência em saúde, como recepcionistas, guardas e agentes de limpeza. Foram analisados os testes sorológicos de 1.154 trabalhadores.
De acordo com o artigo, 30% dos trabalhadores do hospital tiveram anticorpos contra o vírus detectados em seus exames, percentual muito superior à taxa de contaminação da população em geral, que foi de 3% a 5%. O percentual médio de 30%, porém, esconde disparidades, que aparecem quando os dados são cruzados com informações como cor da pele, escolaridade, renda, área de atuação e forma de locomoção.
A pesquisa mostrou que 23,1% dos trabalhadores que se identificam como brancos tiveram resultado positivo no inquérito sorológico, enquanto entre os não brancos o percentual foi maior, chegando a 37,1%.
Técnicos de enfermagem, enfermeiros e médicos tiveram um percentual de positividade de 25%, enquanto para os cargos administrativos, recepcionistas, seguranças e agentes de limpeza essa proporção chega a 40,4%. O grupo que registrou a maior taxa de contaminação foi o dos profissionais da limpeza, com 47,5%.
A forma como os funcionários se deslocam de casa para o trabalho também teve influência sobre os percentuais de contaminação: os trabalhadores que usaram transporte coletivo como ônibus, metrô e trem tiveram resultados positivos com mais frequência do que aqueles que foram trabalhar caminhando, de carro, motocicleta ou táxi.
— Os achados deste trabalho não divergem da desigual contaminação da população brasileira e países afins, em especial os da América Latina. Apesar do IFF/Fiocruz ser uma instituição pública de vanguarda na atenção à saúde da população, também sofre inevitavelmente os reflexos da economia de seu país, o que afeta na contaminação pelo Sars-CoV-2 entre seus trabalhadores. É provável que a solidariedade seja o antídoto e precise urgentemente ser incorporada às políticas sociais, econômicas, de saúde, educação, ambientais e de afeto — afirma à Agência Fiocruz de Notícias a primeira autora do artigo, Roberta Fernandes Correia, doutoranda e fisioterapeuta do instituto.
A pesquisa foi orientada pela professora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) e do IFF/Fiocruz Elizabeth Artmann. A pesquisadora ressalta que o estudo reforça o papel de determinantes sociais nas taxas de contaminação em trabalhadores da saúde.
— Em um país com tanta desigualdade como o nosso, estes resultados são muito relevantes e mostram a importância de pesquisas que possam ancorar a tomada de decisões, neste caso, a priorização dos grupos mais vulneráveis — ressalta Artmann.