Porto Alegre viveu, entre fevereiro e abril de 2021, os meses mais duros da pandemia, com o colapso de seus hospitais. Para reduzir o impacto, o prefeito Sebastião Melo (MDB) anunciou que abriria novos leitos públicos e buscaria até reabrir instituições fechadas. O número de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) dobrou, a quantidade de leitos clínicos cresceu em 25% e algumas vagas ficarão de herança para a cidade – mas algumas ideias não se concretizaram.
Em um esforço jamais visto antes, Porto Alegre abriu 556 novos leitos de UTI para pacientes com coronavírus ao longo da pandemia. Isso elevou para 1.168 o número de vagas públicas e privadas na cidade — um dos maiores índices de oferta per capita entre capitais brasileiras — entre março e abril de 2021, no auge da expansão. A abertura foi com recursos federais, do Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, a Capital conta com cerca de 850 leitos de UTI liberados, sendo que cerca de 40 são ocupados por pessoas com coronavírus.
No pior momento, quando a cobertura vacinal era baixíssima, 903 desses 1.168 leitos eram ocupados por pessoas com casos gravíssimos de covid-19 — ou seja, a cidade parou apenas para lidar com a onda gerada pela variante Gama, identificada em Manaus.
Leitos de UTI públicos foram abertos nos hospitais Conceição, de Clínicas, Santa Casa de Misericórdia, São Lucas da PUCRS, Beneficência Portuguesa, Pronto-Socorro, Restinga, Independência, Vila Nova, Porto Alegre, Cristo Redentor e no Instituto de Cardiologia.
Ainda foram abertos 705 leitos clínicos pelo SUS, dedicados a pacientes graves, mas de menor complexidade – elevando para 2.848 o total de vagas públicas de enfermaria na capital gaúcha. Uma das maiores expansões foi no Hospital Vila Nova, que abriu 120 novas vagas, segundo a instituição.
Dado o momento de gravidade, até hospitais privados foram requisitados pela prefeitura a fornecer atendimento pelo SUS. O Hospital Porto Alegre, até então sem uso, passou a oferecer 70 leitos pagos com recursos públicos. O Beneficência Portuguesa passou a oferecer 15 leitos de UTI e mais de 40 vagas clínicas.
— Houve várias conversões de leitos que eram para convênio ou privado e que foram transformados em leitos do SUS. Além disso, leitos de Emergência foram operacionalizados para funcionar em moldes de UTI durante aquele momento — explica Vinícius de Castro Greff, diretor de contratos da Secretaria Municipal da Saúde (SMS).
O Hospital Sanatório Partenon, dedicado a casos de saúde mental, ganhou 50 vagas clínicas para pacientes com coronavírus. Após relutar, a prefeitura ainda montou 20 leitos clínicos em um hospital de campanha, administrado pelo Restinga em parceria com o Exército.
A mobilização exigiu contratação de novos trabalhadores, compra de equipamentos, realocação de profissionais de outras áreas para infectologia e UTI, mesmo que sem experiência, cancelamento de férias, trabalho em turnos dobrados e montagem de leitos em locais excepcionais e improvisados — como salas de recuperação, de Emergência e blocos cirúrgicos. À época, profissionais descreviam o cenário como "de guerra".
O esforço resultou na maior expansão de hospitais da história da cidade. As ações salvaram vidas, mas abrir vagas não resolveu a situação. Entre as 3.917 vítimas do coronavírus em 2021, só em Porto Alegre, 2,5 mil (mais de 60%) morreram apenas entre fevereiro e abril de 2021. Além disso, como mostrou GZH, entre 6.931 hospitais brasileiros, duas instituições de Porto Alegre (Conceição e Vila Nova) apareceram na lista das 10 que mais apresentaram mortes por covid-19 fora de leitos intensivos no início de 2021.
Reabertura de instituições fechadas não saiu do papel
Sebastião Melo ainda anunciou que buscaria abrir dois hospitais fechados de Porto Alegre. Uma ideia era utilizar o Hospital Álvaro Alvim, localizado no bairro Rio Branco e cedido pela União por um ano à prefeitura. O outro era o Hospital Parque Belém, fechado desde 2017, onde se esperava abrir 25 leitos de UTI e 160 de enfermaria.
Ambos, todavia, permanecem fechados. A prefeitura visitou as duas instituições, mas desistiu de usá-las por entender que seria necessário investir muito dinheiro em prédios, praticamente abandonados, sem que as obras ficassem concluídas a tempo de serem usadas no momento agudo da epidemia.
— Não havia segurança de uso do Álvaro Alvim por causa da pedreira nas costas do hospital. Só para começar a deixar o hospital em condição de uso, levaria mais tempo do que o necessário para o momento de urgência — diz o médico intensivista João Marcelo Lopes Fonseca, assessor de planejamento da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) de Porto Alegre.
No Parque Belém, na Zona Sul, a situação era pior: respiradores, camas de UTI, aparelhos de raio-X e desfibriladores haviam sido retirados em 2020 para fortalecer o atendimento no Hospital Conceição.
— O Parque Belém estava muito inativo e precisaria de um tremendo esforço para colocar em operação. Hospital não é só cama para o paciente deitar, é equipe especializada, laboratório, sala de recuperação. Foi mais racional ampliar as estruturas já em operação em outros hospitais do que montar tudo no Parque Belém — acrescenta Fonseca.
O médico Luiz Augusto Pereira, presidente da mantenedora do Parque Belém, exime a gestão Melo e culpa o ex-prefeito Nelson Marchezan pelo fechamento do Parque Belém na pandemia.
— O principal motivo de o hospital ficar fechado não é Melo, mas Marchezan, que retirou os equipamentos e tornou mais distante a abertura do Parque Belém. Isso não quer dizer que o hospital não possa ser reaberto. Nós queremos atender à população. Estamos abertos a um diálogo estratégico com auxílio financeiro federal ou estadual — afirma Pereira.
Com o avanço da vacinação, a covid-19 passou a ser controlada. Se 903 pessoas já estiveram em UTIs pela doença, na terça-feira (11) eram 40 pacientes.
O que diz a gestão do ex-prefeito Nelson Marchezan
Contatado por GZH, o ex-prefeito Nelson Marchezan afirmou que se afastou dos debates públicos locais e indicou que a reportagem falasse com o médico de família e ex-secretário da Saúde de Porto Alegre, Pablo Stürmer.
Por sua vez, Stürmer afirma que o Hospital Parque Belém exigia grande intervenção em obras e em contratação de pessoal para ser reaberto - e que a transferência de equipamentos para o Hospital Conceição era a medida mais adequada.
— Se o problema para reabrir o Parque Belém é a retirada de equipamentos para transferir ao Hospital Conceição, isso se resolve facilmente, basta requisitar ao Conceição, se o gestor municipal assim o quiser. Um hospital não é feito só de macas ou respiradores, embora houvesse algo que pudesse ser aproveitado. Precisa de profissionais, banco de sangue, lavanderia, rede elétrica com subestação adequada — diz Stürmer.
O titular da Saúde na gestão de Marchezan cita ainda que, em 2017, o Parque Belém havia informado que precisaria de R$ 3 milhões em reformas para voltar a funcionar, não bastando apenas colocar as camas para reabrir a instituição.
— Não eram coisas pequenas para fazer para o hospital funcionar. Além de abrir, tem que ter gente pra trabalhar. Durante a pandemia, se viu que às vezes não faltava leito, mas profissional. Nós organizamos a rede hospitalar para auxiliar a população. Desafogamos a rede hospitalar de alta complexidade — acrescenta.