Dentre 6.931 hospitais brasileiros, duas instituições de Porto Alegre aparecem na lista das 10 que mais apresentaram mortes por coronavírus fora de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) entre janeiro e março deste ano: o Hospital Conceição, na Zona Norte, e o Hospital Vila Nova, na Zona Sul. A análise é de GZH sob dados do Ministério da Saúde.
As instituições dividem o ranking com quatro hospitais do Amazonas, dois de São Paulo, um de Roraima e um do Paraná, como mostra o gráfico a seguir.
O Hospital Conceição ficou em nono lugar, com 208 mortes por covid-19 e Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) não especificada fora de UTIs. Em março, a superlotação foi tão grande que a instituição chegou a fechar as portas da emergência, o que espantou a comunidade médica, dado que o Conceição é conhecido como um hospital que sempre recebia pacientes que buscavam atendimento.
Em 10º lugar, está o Hospital Vila Nova, com 175 óbitos fora das UTIs. A instituição foi uma das que receberam reforço de leitos clínicos em 2021, como parte das ações de enfrentamento da pandemia definidas pela prefeitura. Em um único dia, foram anunciadas 60 novas vagas apenas para pacientes com coronavírus.
Os óbitos ocorreram em leitos clínicos hospitalares, emergências, blocos cirúrgicos e unidades de pronto-atendimento (UPAs). Nem todos morreram na fila por uma UTI — alguns chegaram em estado tão grave que sequer tiveram tempo para aguardar um leito intensivo ou já estavam em estado tão debilitado que uma UTI não traria grandes benefícios.
Por que fizemos esta matéria?
Para dimensionar o contingente de pessoas que morreram de covid fora de UTI e verificar a relação entre sobrecarga do sistema e mortalidade no Estado. É um dado que ganha relevância num período em que as UTIs atingiram uma sobrecarga muito grande, a ponto de muitos pacientes não terem conseguido leito intensivo.
Como apuramos esta matéria?
Dados do Sivep-Gripe, sistema informatizado do Ministério da Saúde que contabiliza hospitalizações e mortes por coronavírus e Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) não especificada, com sintomas compatíveis para covid-19. Incluímos SRAG na análise seguindo orientação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que leva esse tipo de diagnóstico em consideração porque a maioria dos pacientes com essa classificação recebe o exame positivo para coronavírus dias depois da internação ou do óbito. Hoje, o SARS-COV-2 (vírus da covid) é o vírus respiratório que mais circula no Brasil. Embora não seja possível assegurar que todos os mais de 4 mil pacientes deveriam estar em atendimento em UTI, especialistas confirmam que grande parte deles morreu por não ter tido acesso ao tratamento intensivo.
GZH considerou pacientes mortos que foram diagnosticados com coronavírus e somou com aqueles que receberam o diagnóstico de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) não especificada, um indicador seguido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para analisar a pandemia.
Os sintomas de SRAG não especificada analisados foram tosse e febre, desconforto na garganta, desconforto respiratório, dispneia, perda de olfato ou perda de paladar. Os dados foram selecionados com base na data de ocorrência da morte do paciente e seguiram a metodologia da Fiocruz.
Embora nem todos os casos de SRAG não especificada sejam diagnosticados como coronavírus, a Fiocruz entende que essa estatística deve ser levada em conta porque a maior parte dos pacientes com essa classificação recebe, dias depois, resultado positivo para covid-19. O Sars-Cov 2, dizem infectologistas, é o vírus respiratório que mais circula neste momento no Brasil.
A Secretaria da Saúde de Porto Alegre (SMS) se manifestou por nota, na qual afirma que diversas áreas dos hospitais da cidade foram adaptadas para atuarem como UTI, tais como salas de recuperação, unidades de enfermaria e emergências hospitalares.
"Embora não sejam denominadas de UTIs nos sistemas do Ministério da Saúde, tais áreas desempenharam importante papel na mitigação da pressão assistencial com alocação específica de recursos humanos, equipamentos e adequação de rotinas de trabalho", finaliza o texto.
O colapso hospitalar no Rio Grande do Sul foi tamanho que, na segunda quinzena de março, auge da terceira onda, quatro dos 10 hospitais com mais mortes fora de UTI no Brasil eram gaúchos. Além do Vila Nova e do Conceição, entraram também o Hospital Dom João Becker, em Gravataí, e o Hospital de Alvorada.
A médica epidemiologista Ivana Varella, do Hospital Conceição, afirma que a instituição é uma das que mais receberam pacientes no Rio Grande do Sul no primeiro trimestre e, por isso, a proporção de óbitos fica maior. Apesar de registrar 140 mortes fora de UTI, atendeu a 2.015 pacientes com SRAG no primeiro trimestre.
Ela ainda pontua que, das 140 mortes registradas no primeiro trimestre, 24 não ocorreram dentro do hospital, mas na UPA Moacyr Scliar, que é administrada pelo Grupo Hospitalar Conceição (GHC).
A epidemiologista diz que a emergência do hospital se transformou em uma grande UTI, oferecendo ventilação invasiva, e que outros espaços se tornaram UTIs semi-intensivas, com ventilação não invasiva, cateter nasal de alto fluxo, monitorização hemodinâmica não invasiva e aplicação de drogas endovenosas.
— A gente tem que ver os números em relação ao total de hospitalizados. Se o Conceição tem um número elevado de hospitalizados, o número de óbitos também se eleva. Oferecemos atendimento semi-intensivo nas emergências e enfermarias, e não tivemos nenhum caso de paciente sem ventilação mecânica havendo a indicação. Além disso, nossa UTI tem uma taxa de letalidade por covid de 50%, inferior à média do Rio Grande do Sul, de 60%. Isso fala sobre o bom desempenho do nosso hospital no tratamento da covid — afirma Ivana.
O Hospital Vila Nova afirmou, em nota, que a instituição registrou 87 mortes fora de UTI no primeiro trimestre, mas atendeu a 618 pacientes com coronavírus. Ressalta que, de 24 de fevereiro a 28 de março, disponibilizou 240 leitos clínicos para a prefeitura de Porto Alegre e recebeu 46% do total de internações da cidade por covid-19.
De todas as vítimas, quase 30% morreram em menos de 48 horas, sendo que, destas, quase 20% morreram em menos de 24 horas, "demonstrando a gravidade dos pacientes que chegaram à instituição", diz o Vila Nova. "Além disso, 42,5% dos óbitos ocorreram em leitos da emergência, onde são recebidos cuidados de unidades intensivas e semi-intensivas".
O hospital também diz que quase 17% dos pacientes mortos na enfermaria estavam em cuidados paliativos, "ou seja, recebendo os cuidados adequados para um processo de terminalidade digno". "Diante de todos estes dados, percebe-se que o momento que vivemos foi realmente crítico e que todos os profissionais da saúde trabalharam e seguem atuando com empenho e dedicação para fornecer uma assistência digna aos usuários do SUS", finaliza.
O Hospital de Alvorada não retornou ao pedido de posicionamento da reportagem. O Hospital Dom João Becker, localizado em Gravataí, afirmou que as estatísticas não levam em conta a estrutura do Hospital de Campanha de Gravataí, administrado pela prefeitura com profissionais da saúde fornecidos pelo Dom João Becker e que, embora não seja reconhecido oficialmente como UTI, é compatível com unidade de terapia intensiva.
"Ali, contamos com respiradores pulmonares e demais equipamentos e insumos utilizados em espaços destinados ao cuidado de pacientes graves. Infelizmente, os óbitos ocorridos decorrem da agressividade de um vírus que em curto espaço de tempo acaba por minar a resposta imunológica do paciente, mesmo com toda a estrutura de profissionais de saúde, acomodações, equipamentos e medicamentos disponíveis. Hoje, temos 99 leitos disponíveis para o tratamento de pacientes com coronavírus, ou seja, triplicamos o número de leitos COVID-19 que tínhamos até o final de fevereiro".
Wagner Nedel, presidente da Sociedade de Terapia Intensiva do Rio Grande do Sul, afirma que pacientes em emergências receberam algum nível de atendimento intensivo, mas observa que o ideal seria o atendimento em UTI. Ele ressalva que a estrutura de cada hospital pode influenciar no desfecho do paciente:
— Depende da característica de cada hospital. Há hospitais com mais e menos recursos tecnológicos e assistenciais — diz o médico intensivista.
* Colaborou Luiz Nonenmacher