Após o surgimento de variantes mais transmissíveis e letais do Sars-Cov-2, 2021 registrou mais do que o dobro de casos e mortes por coronavírus do que no primeiro ano da pandemia no planeta, no Brasil e no Rio Grande do Sul, mostram estatísticas.
A aceleração da campanha de vacinação a partir da metade do ano reduziu a força da doença, mas o surgimento da variante Ômicron, a cobertura desigual no planeta e a revacinação serão desafios para 2022, apontam especialistas entrevistados por GZH.
Somente em 2021, mais de 3,5 milhões de pessoas morreram por coronavírus, de acordo com estatísticas do Our World in Data. No Brasil, foram cerca de 423 mil e, no Rio Grande do Sul, mais de 27,5 mil vidas perdidas. No primeiro ano da pandemia, haviam sido, respectivamente, 1,8 milhão, 195 mil e 8,8 mil de vítimas.
Entre janeiro e abril de 2021, quando a cobertura vacinal ainda era baixíssima, o Brasil já testemunhara mais óbitos do que em todo o ano anterior. Foi apenas com o avanço da vacinação, a partir de maio, que o coronavírus perdeu força. Estatísticas de dezembro estão subnotificadas devido ao apagão de dados enfrentado após os ataques hackers aos sistemas do Ministério da Saúde - os números, portanto, devem crescer.
O aparecimento das variantes Gama, responsável pelo pico da covid-19 no Brasil, e da Delta explicam o maior número de vítimas em 2021 na comparação com 2020 no mundo e por aqui, esclarece Ricardo Kuchenbecker, médico epidemiologista no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e professor na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Não houvesse imunizantes, 2021 teria sido ainda mais trágico.
— A Delta trouxe mais virulência. Com a Ômicron, temos mais infectividade e menos virulência, mas o resultado líquido é o mesmo: muitos casos leves geram aumento de casos graves. Mas não foram só as características do vírus, há também o que fizemos ou deixamos de fazer: distanciamento social, uso de máscara, álcool em gel e evitar aglomerações interferem nas oportunidades do vírus — diz.
Para o médico Alessandro Pasqualotto, chefe da Infectologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e presidente da Sociedade Sul-Riograndense de Infectologia (SRGI), o cansaço da população em manter isolamento também contribuiu para um saldo maior de vítimas no ano que ficou para trás.
— O vírus se transmite mais onde há maior aglomeração. 2020 foi um ano em que as pessoas tinham muito medo da covid e houve bastante lockdown. Em 2021, houve maior liberação, as pessoas ficaram cansadas e passaram a se aglomerar mais, aí houve uma explosão de casos e mortes no mundo que não respeitou fronteira — observa o infectologista.
O que esperar de 2022
O aumento da cobertura vacinal deverá reduzir a força da pandemia em 2022 e provocar menos mortes do que em 2021, dizem os médicos. A perspectiva é de que a covid-19 se torne endêmica e passe a provocar casos graves em menos pessoas. Especula-se que a doença se transforme em uma espécie de gripe para quem tomar segunda, terceira e eventualmente quarta dose, quando for necessário. O risco segue alto para quem não se vacina ou fica com dose atrasada.
A inclusão de crianças na campanha contribuirá para reduzir a transmissão – o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou à GloboNews que a aplicação começará na segunda quinzena de janeiro. Dados de vacinação estão desatualizados após ataques hackers aos sistemas do Ministério da Saúde. Estatísticas do portal coronavirusbra1.github.io, que compila números das Secretarias Estaduais de Saúde, mostram que ao menos 75,6% dos brasileiros tomaram a primeira dose, 67,2% a segunda e 12,4%, a terceira.
Mas o aumento da cobertura vacinal não quer dizer que 2022 será um ano completamente tranquilo. Países europeus como Alemanha, França e Holanda, onde a cobertura de duas doses é maior do que no Brasil, já enfrentam novamente aumento de internações. Por aqui, a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) já aponta aumento nos resultados positivos em instituições conveniadas.
O infectologista Pasqualotto alerta que uma nova onda de casos já está presente: no laboratório de diagnóstico da Santa Casa de Porto Alegre, o número de casos positivos para coronavírus na última semana de dezembro foi cinco vezes maior do que nas semanas anteriores de dezembro. Para quem está com a dose atrasada, o risco é maior.
— É muito provável que ocorram ondas de aumento de casos. Teremos muitos eventos de aglomeração agora e no Carnaval. Mas, considerando o elevado percentual de vacinados, não acho que isso repercutirá tanto em mortes. Ainda assim, a onda de contaminação tenderá a ser de moderada a grande. Muita gente não tem terceira dose, muitas nem tem segunda, crianças não estão vacinadas, precisamos melhorar a cobertura — diz Pasqualotto.
Em entrevista a GZH, o médico intensivista e assessor de planejamento da Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre (SMS), João Marcelo Lopes Fonseca, afirmou que a prefeitura espera maior demanda de leitos por pessoas com coronavírus, mas menor do que o registrado em ondas anteriores.
— A Ômicron certamente vai causar mudança no número de casos e, eventualmente, em internados. A gente acompanha isso diariamente, mas temos segurança de que o grande percentual de vacinados em Porto Alegre fará termos uma pressão hospitalar menor — prevê Fonseca.
A Ômicron de fato pode trazer surpresas, assim como o aparecimento de novas variantes em locais com baixa cobertura vacinal de duas doses, sobretudo em países africanos, acrescenta o médico epidemiologista Ricardo Kuchenbecker.
Ele cita estudo realizado na República Dominicana e na Universidade de Yale, divulgado no fim de dezembro, mostrando que pessoas com duas doses de CoronaVac podem precisar de mais duas doses de reforço da Pfizer, e não uma, a fim de ter boa proteção contra a Ômicron - o que exigiria maior esforço das autoridades.
— A perspectiva para 2022 é otimista. Tendemos a ter menos casos graves e óbitos. Mas temos incertezas em relação ao duplo desafio de ampliar a cobertura vacinal e assegurar que essa cobertura possa impactar no desenvolvimento de novas variantes — diz Kuchenbecker.
Os números
No mundo
2020
- 82.957.110 casos
- 1.876.922 mortes
2021
- 204.666.009 casos
- 3.535.298 mortes
Brasil
2020
- 7.675.973 casos
- 194.949 mortes
2021
- 14.543.504 casos
- 422.999 mortes
Rio Grande do Sul
2020
- 449.674 casos
- 8.872 mortes
2021
- 1.050.363 casos
- 27.505 mortes
Fonte: Our World in Data e Ministério da Saúde