Mais de um mês após ataques hackers ao Ministério da Saúde, boa parte do Brasil não tem ideia de como está a cobertura vacinal contra a covid-19. Ao menos 14 Estados contornam o problema e atualizam diariamente as estatísticas por terem investido em sistema próprio - todavia, as outras unidades da Federação, incluindo o Rio Grande do Sul, seguem no escuro.
Deter números atualizados de vacinação é importante para entender se a cobertura avança ou se estagnou em meio à alta de casos da Ômicron, destaca o médico Alessandro Pasqualotto, chefe da Infectologia da Santa Casa de Porto Alegre e presidente da Sociedade Sul-Riograndense de Infectologia.
Também é essencial para avançar ou retroceder em restrições: o governo Eduardo Leite permitiu que prefeituras deixassem de exigir passaporte vacinal quando o município atingisse 90% dos adultos com duas doses. Na União Europeia, o passaporte vacinal para viagens entre países expira nove meses após a segunda dose — depois, é preciso receber a terceira aplicação.
— Inicialmente, focávamos na porcentagem de pessoas com uma dose. Depois, duas doses. Agora, se fala sobre três doses, porque não adianta ter 70% de pessoas com duas doses e só 20% com terceira, já que a segunda dose perde efeito depois de um tempo. A meta agora é ter toda a população com três doses. Tem gente que diz: para que se vacinar se a Ômicron gera doença leve? Bem, ela gera doença leve porque as pessoas estão vacinadas — diz Pasqualotto.
Hoje, Mato Grosso do Sul, Pará, Pernambuco, Sergipe, Distrito Federal, Amazonas, Rio Grande do Norte, Piauí, Espírito Santo, Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Maranhão e Ceará informam o número de vacinados do dia e a cobertura vacinal atualizada, segundo o consórcio de veículos de imprensa, que realiza levantamentos sobre o assunto. Já o Rio Grande do Sul não informa há mais de um mês as estatísticas de aplicação de doses — até então, os números apontavam 80% de pessoas com uma dose e 70% com duas.
O Conselho Nacional de Secretarias Estaduais da Saúde (Conass) afirmou a GZH que Estados com estatísticas de vacinação atualizadas detêm sistemas próprios de informática ou compilam diretamente os números com municípios, em formulários eletrônicos.
Levantamentos próprios servem de retaguarda enquanto o Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI), mantido pelo Ministério da Saúde, segue instável após a invasão cibernética. O programa permite inserir dados de novos vacinados, mas impede o download para consolidar os números.
A pasta afirmou que o programa voltara a funcionar, mas reconheceu na quarta-feira (12) que isso não ocorreu. O secretário executivo do Ministério da Saúde, Rodrigo Cruz, promete que a instabilidade terminará até sexta-feira (14) e que os dados não serão perdidos porque há cópia em outro servidor.
Como os sistemas funcionam
Em São Paulo, há sistema próprio desenvolvido pela Prodesp, a empresa de tecnologia estadual. O programa é abastecido pelos 645 municípios paulistas, que inserem os dados de registros das doses aplicadas. “Desde o ataque hacker ao Conecte SUS, o VaciVida (sistema próprio do governo estadual) funciona normalmente, realizando a submissão rotineira e integral ao banco de dados federal”, diz a Prodesp, por nota, a GZH.
O Amazonas, com 62 municípios, não tem sistema próprio, mas compila os dados de vacinação diariamente com as prefeituras e os informa à população. Em exemplo de transparência, informa três tipos de estatísticas: número de doses aplicadas diariamente repassadas “artesanalmente” por municípios; número de doses aplicadas até o sistema federal cair, no mês passado; e quantas doses precisarão ser inseridas no programa federal quando for reestabelecido.
Em Estados com programa próprio, não havia retrabalho na digitação de dados: funcionários inseriam no sistema estadual os dados de quem recebeu dose e, ao fim do dia, o governo simplesmente enviava as estatísticas consolidadas para o Ministério da Saúde, explica o cientista de dados Isaac Schrarstzhaupt, coordenador da Rede Análise.
Estados sem sistema próprio, como o Rio Grande do Sul, faziam de outro jeito: registravam dados diretamente no sistema do Ministério da Saúde para, ao fim do dia, realizar o download das estatísticas no sistema federal e atualizar painéis e boletins epidemiológicas estaduais.
O problema é que, com a queda do sistema federal, Estados sem sistema próprio ficaram impossibilitados de realizar o download dos próprios dados. Schrarstzhaupt defende que, a partir de agora, governos estaduais invistam em sistemas próprios para evitar futuros apagões com ataques ao Ministério da Saúde.
— O sistema federal precisa existir. Mas, se tem sistema dos Estados, caso um caia, o outro segue de pé. Esses dados são sensíveis, incluem o CPF da pessoa. Precisa ser uma base de dados segura, com uma estrutura na nuvem, equipe de gerenciamento constante desse sistema e treinamento — acrescenta o cientista de dados.
O que diz o governo do Rio Grande do Sul
Veja as perguntas de GZH e as respostas da Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul (SES-RS), por meio de sua assessoria de imprensa:
Por que os dados de vacinação contra a covid ainda não foram normalizados no Estado?
SES-RS – O acesso ao banco de dados fornecido pelo Ministério da Saúde através da Rede Nacional de Dados em Saúde ainda não foi liberado desde o ataque cibernético ocorrido no mês de dezembro.
Quando a SES prevê normalizar o acompanhamento da cobertura vacinal no Estado? O que falta para que isso aconteça?
SES-RS – Tão logo o acesso seja restabelecido, os dados devem começar a ser disponibilizados. Contudo, por tratar-se de uma grande carga de dados, pode levar alguns dias para que estejam disponíveis na sua totalidade. Segundo informações do Ministério da Saúde, os dados devem estar acessíveis nesta semana.
Há risco de os dados serem perdidos?
SES-RS – Não existe erro de perda, uma vez que os dados são inseridos diretamente dentro do Sistema do Ministério da Saúde – SI-PNI. Haveria risco se fosse necessária a intercambialidade entre sistemas.
Por que a Secretaria Estadual da Saúde não desenvolveu sistema próprio de vacinação para acompanhamento de estatísticas, a exemplo de outros 14 Estados, como São Paulo, Minas Gerais e Espírito do Santo?
SES-RS – O Ministério da Saúde prevê que a inserção dos dados de vacinação sejam inseridos diretamente no Sistema do órgão federal. Em nenhum outro momento houve um problema dessa magnitude nos sistemas de registro de vacinas do Ministério. Tão logo se tomou as proporções do que ocorreu, a equipe de Tecnologia de Informação da SES buscou soluções, mas as mesmas levam tempo para implementação – como a construção de sistema próprio.
A secretária Arita Bergmann declarou à Rádio Gaúcha que a Secretaria Estadual da Saúde pensa em criar, no futuro, uma base de dados própria que seja interligada ao SI-PNI (sistema do Ministério da Saúde). Essa base de dados seria mantida pelo governo do Estado ou contratada de uma empresa privada? Quando entraria em funcionamento?
SES-RS – A base de dados seria mantida pelo Estado, garantindo a gestão completa e a interligação com o SI-PNI. O desenvolvimento seria para o ano de 2022.