Vencida a etapa de conseguir vacinas suficientes para imunizar a população contra o coronavírus, os gaúchos enfrentam dificuldades diante de outro obstáculo: a falta de conclusão do esquema vacinal no prazo indicado.
A Secretaria Estadual da Saúde (SES) contabiliza 1,19 milhão de pessoas que ainda não buscaram a aplicação complementar ou não tiveram a segunda dose registrada no sistema informatizado de monitoramento no período adequado.
Esse número é bem maior do que o apurado em outros momentos da pandemia. Em julho, por exemplo, o Estado tinha 221 mil pessoas em alguma dessas situações. O quadro atual, também impulsionado pelo avanço das primeiras doses, é cinco vezes pior. O cenário desperta preocupação entre especialistas em saúde porque a aplicação única (fora os imunizantes previstos para funcionar assim, como da Janssen) não garante proteção adequada contra a covid-19.
— Isso nos preocupa demais. Apelamos aos municípios para que intensifiquem a busca ativa, indo na casa das pessoas, chamando pelas rádios locais e até abrindo as unidades de saúde até mais tarde. A Secretaria da Saúde disponibiliza aos municípios, diariamente, uma lista com os nomes das pessoas que já poderiam ter recebido a D2 e ainda não o fizeram justamente para facilitar as estratégias locais — afirma a secretária adjunta de Saúde do Estado, Ana Costa.
Até o começo da tarde desta segunda-feira, 8,69 milhões de gaúchos tomaram pelo menos a injeção inicial, 6,85 milhões receberam a complementar, e 302 mil foram contemplados com a versão única. Em termos percentuais, 79% da população começou o esquema vacinal no Estado, e 63% já o concluíram. Pouco mais de um milhão de pessoas representam cerca de 13,5% do universo populacional apto a ser vacinado até o momento e, se não aderirem por completo à campanha de combate à pandemia, podem dificultar a quebra da cadeia de transmissão do vírus.
Ana sugere que, no âmbito doméstico, familiares também verifiquem o status vacinal uns dos outros – principalmente no caso dos mais velhos – para evitar descuidos ou esquecimentos:
— É fundamental olhar a carteirinha dos familiares, especialmente dos idosos, para verificar um eventual esquecimento da segunda dose, ou então se já não é hora da dose de reforço. É um gesto de carinho e cuidado que precisa ser feito. A superação da pandemia só se dará se tivermos uma cobertura vacinal potente, e isso depende da mobilização das pessoas.
A cifra de 1.196.257 pessoas sem a notificação de segunda dose no prazo adequado se divide em 612,8 mil que tomaram Pfizer, 432,3 mil que receberam AstraZeneca e 151,1 mil contemplados com CoronaVac, conforme estatísticas oficiais atualizadas até o dia 4 de novembro.
Esse contingente pode incluir tanto quem realmente deixou de procurar um posto de saúde no prazo adequado quanto quem se vacinou, mas a notificação ainda não foi devidamente inserida no sistema informatizado de acompanhamento – o que também é um problema porque dificulta ações de controle e planejamento. Há indícios de que uma grande parte desse universo está mesmo em atraso.
Estamos com estoques disponíveis, mas as pessoas não estão aparecendo
MAICON LEMOS
Presidente do Cosems/RS
Um painel de monitoramento elaborado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) contabiliza apenas quem está há mais de 15 dias sem o registro de segunda dose, o que reduz o impacto da demora no processo de notificação na cifra total de imunizações sem confirmação de conclusão. Pelos critérios da Fiocruz, ainda assim haveria, no mínimo, 531 mil gaúchos com a imunização pendente. É a oitava maior cifra entre os Estados, embora o Rio Grande do Sul tenha a sexta maior população – o que indica se tratar de um problema grave em todo o país. A Fiocruz estima pelo menos 14 milhões de brasileiros com vacinação incompleta no momento.
— Essa situação preocupa porque, hoje, estamos praticamente com todos os estoques disponíveis (de diferentes imunizantes) aguardando que essas pessoas procurem as unidades básicas nos seus municípios. Estamos discutindo estratégias para poder atingir esse público porque há disponibilidade de doses, mas as pessoas não estão aparecendo. É uma pauta prioritária porque quem não faz a segunda dose pode se contaminar e pegar até a forma grave da doença — sustenta o presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Estado (Cosems/RS), Maicon Lemos.
Entre as razões apontadas por gestores e especialistas para a abstenção estão a sensação equivocada de que apenas uma aplicação garante segurança imunológica contra o coronavírus, temores provocados por alguma eventual reação à primeira injeção (que costuma ter sintomas leves e passageiros) e o simples esquecimento.
Porto Alegre pretende realizar “balada da vacina” para reduzir atrasos
O levantamento feito pela Fiocruz aponta que Porto Alegre tem pelo menos 62.350 pessoas com atraso superior a 15 dias na aplicação da segunda dose de vacina contra o coronavírus. É o maior contingente por município do Estado – o que já é esperado pelo fato de a Capital também contar com a população mais numerosa.
A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) informa que “vem realizando ações estratégicas com o objetivo de estimular a vacinação na Capital e regularizar o esquema vacinal de quem está com a imunização atrasada”.
Todos os domingos, por exemplo, a Unidade Móvel de Saúde se desloca até pontos distantes do Centro para facilitar o acesso à vacina. No dia 16 de outubro, foi realizada uma ação especial com a oferta de transporte gratuito em 15 linhas circulares, que foram até 19 unidades de saúde com vacinação contra a covid-19.
Uma das próximas ações para tentar reduzir o universo de pessoas com imunização incompleta será, ainda neste mês, a implementação de uma iniciativa chamada Balada da Vacina. Motoristas serão abordados por agentes da EPTC e, se estiverem com doses em atraso, terão a oportunidade de receber o imunizante.
A SMS sustenta que continua realizando busca ativa das pessoas que estão com o esquema vacinal em atraso. A prefeitura aponta ainda que, apesar da abstenção de parte da população, Porto Alegre figura entre as capitais que mais vacinam no país, com quase 99% da população elegível para se imunizar com a primeira dose, e 83% com o esquema vacinal completo.