Gabriel Porto fazia natação e gostava de brincar ao ar livre. Com o isolamento social, parou de nadar, de ver os amigos e deixou de ir para a escola. Aulas, só online. O resultado pesou na balança: o menino de sete anos engordou oito quilos, reflexo da falta de atividades físicas que já afetava crianças e adolescentes e parece ter piorado na pandemia.
Antes de o coronavírus circular entre nós, a meta era que os pequenos e os jovens entre 11 e 17 anos praticassem pelo menos 60 minutos de exercícios por dia, recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS). O objetivo não é atingido pela maioria, segundo apontou a revista científica The Lancet. Aproveitando a realização das Olimpíadas em julho, a publicação lançou uma série de artigos focados na prática de atividades físicas. Os estudos alertam: 80% das crianças e adolescentes não movimentam o corpo pelo tempo ideal, e nenhum progresso foi feito para melhorar esse cenário nos últimos 15 anos.
Os dados foram coletados em inquéritos nacionais, realizados em 146 países com 1,6 milhões de estudantes. Não houve um recorte para avaliar o impacto da pandemia, mas, segundo um dos autores dos artigos, o professor de Educação Física e de Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Inácio Crochemore, é visível que a necessidade de ficar em casa tornou a rotina dos jovens ainda mais ociosa.
— Está difícil de estimar o quanto reduziu o nível de atividades físicas, mas que houve redução é notório. Temos poucos dados, mas é fato que houve uma queda muito grande devido às medidas de distanciamento social. Isso reflete no sobrepeso e obesidade dos jovens, mas também na saúde mental deles — observa o professor.
Há outras constatações da The Lancet que não serão difíceis de serem reconhecidas pelas famílias: 40% das crianças e adolescentes nunca vão a pé para a escola, e 25% dos jovens de 11 a 17 anos passam três horas ou mais do tempo livre sentados, em comportamento sedentário.
O passatempo de Gabriel, por exemplo, é assistir YouTube e Netflix. Com medo do coronavírus, os pais, o consultor de vendas Leandro Porto, 33 anos, e a professora Alessandra Brochado, 47, restringiram os passeios e só faziam exercícios com o menino na garagem de casa, no Partenon, em Porto Alegre. Houve maior liberação a partir da reabertura das escolas no Estado, em abril deste ano. Ele voltou a frequentar a sala de aula e a fazer educação física, em práticas individuais, com distância entre colegas. Eventualmente, a família vai para algum parque e se mexe ao ar livre. A ideia é que, em breve, o menino retome algum esporte ou atividade que não o deixe exposto ao vírus, mas que garanta maior movimento para o corpo.
Gabriel percebeu a mudança que a pandemia provocou na aparência.
— Ele diz: "Mãe, tô gordinho". E quando vejo ele tá pulando na minha frente e diz: "Vou emagrecer" — conta Alessandra.
Os próprios pais ganharam peso: quatro quilos ele, seis quilos ela. Professor da Pós-Graduação em Ciências da Saúde e do Esporte da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e doutorando em pediatria e saúde da criança, Adriano Detoni lembra que os pequenos não têm muita escolha: se moldam aos hábitos das famílias.
— A criança é um reflexo do pai e da mãe. Se os pais forem ativos, a tendência é que a criança também seja ativa. Se pai e mãe se alimentarem de forma saudável, a criança vai comer da mesma forma — diz.
No pátio ou no ginásio, com distanciamento
Com a vida limitada aos cômodos de casa, é nas escolas que crianças e adolescentes experimentam um dos poucos momentos de atividades físicas. É uma responsabilidade dupla dos colégios, já que a ida ao pátio ou ao ginásio não pode ser uma brecha para que os alunos peguem coronavírus.
A volta às salas de aula fez o Ministério da Educação lançar um guia reforçando a importância dos exercícios para o pleno desenvolvimento dos jovens e orientando a retomada segura dessas atividades. O indicado é que as escolas priorizem as práticas individuais, em duplas ou mesmo em pequenos grupos, com materiais higienizados antes e depois, mas sem compartilhá-los. Também é importante que os estudantes se movimentem em ambientes amplos e arejados, mantendo distância entre eles.
Em vez de campeonatos de futebol, vôlei e basquete, onde há muito contato físico e suor, a saída é usar da criatividade e investir em jogos que promovam interatividade, mas sem se tocar. No La Salle São João, na zona norte de Porto Alegre, o professor de educação física Marcelo Peçanha Krause divide a turma do quinto ano do Ensino Fundamental em duas equipes. Todos ficam de máscara na quadra do ginásio. Cada um pega uma espécie de taco e precisa jogar a bola em direção ao gol - não pode botar a mão. O pé está permitido. Quando alguma criança perde o fôlego, é orientada a pegar um ar do lado de fora.
— Se precisar sair para pegar um ventinho, pode sair — diz o professor.
É normal que os alunos apresentem mais cansaço e menos desenvoltura do que antes. Assim que as escolas reabriram, Krause logo percebeu o efeito das aulas virtuais nas crianças, que retornam com diversas dificuldades motoras.
— Caminhar, correr, subir escada. Tem aluno que corre com as pernas duras, sem dobrar o joelho. Perderam o movimento. O que a gente está fazendo é restabelecer a habilidade de todos.
Ainda há os que estão estudando à distância, por opção dos pais. Para eles, são dados exercícios que podem ser adaptados ao lar. A jornalista Andreia Fantinel, 42 anos, está acostumada a ver Ivan Fantinel Tönniges, oito anos, fazendo polichinelos no meio da sala durante as sessões virtuais de educação física, ou mesmo as poses de ginástica artística que o filho passou a fazer de forma online na pandemia, quando decidiu tirá-lo da escolinha de futebol.
A mãe resiste à vida fora de casa. Anota em um calendário a quantidade de vezes que os dois foram para a rua: 29 saídas desde que deram início ao isolamento social. Garante que Ivan se exercita o suficiente e manda fotos e vídeos do menino plantando bananeira na cama.
— A minha preocupação é a volta, é a retomada. Agora está sendo muito tranquilo. Até me preocupa ele não querer voltar. Ele é caseiro, não gostava de ficar o dia todo na escola. Sente falta de jogar futebol com os amigos, mas não sente falta do ambiente da escola em si — diz Andreia.
Todos juntos
A preocupação da mãe é pertinente. Com visão de educador físico e epidemiologista, Inácio Crochemore considera que a prioridade, hoje, é reduzir a transmissão do coronavírus, e a necessidade de esportes não pode se tornar um risco para crianças, professores e familiares.
Diante dos dois desafios, é importante manter o equilíbrio: crianças precisam colocar a energia para fora, seja na segurança de casa ou sob os cuidados das escolas. Para chegar aos 60 minutos de exercícios diários recomendados pela ONU, que não são supridos somente com as aulas de educação física, não há outro jeito: as famílias terão de entrar na brincadeira também.
— Procurem um espaço mais amplo dentro de casa ou no pátio, onde não tenha objetos que possam quebrar, e participem das atividades com as crianças. O ideal é que os pais possam brincar juntos. Vai ajudar o próprio pai e mãe a fazer atividades físicas, vai estimular a criança, porque ela vai ver a família brincando junta — diz o professor Adriano Detoni.
Nessa missão doméstica, cabo de vassoura pode virar barra de academia, garrafas de plástico viram equipamentos de peso, meias se tornam bola de futebol e chinelos e sapatos se transformam em cones. Dá para fazer flexão, polichinelo, caminhada, corrida.
Estimular os jovens a se mexerem todos os dias é uma forma de investir em um futuro mais saudável.
— Adolescente ativos tendem a permanecer assim na vida adulta. Temos inúmeras evidências do quanto atividades físicas previnem doenças crônicas. Outro benefício é que isso influencia novas gerações, já que os adolescentes de hoje serão pais e mães da próxima década — diz Crochemore.