De repente, o mundo de Benício, de 2 anos e meio, mudou. As visitas às casas de parentes e de outros bebês deram lugar a um só passeio: ir com a mãe ao supermercado, de carro. O menino parou de falar e voltou a usar mamadeira, enquanto os pais, com medo do vírus e do desemprego, tentavam lidar com um mundo assustador. Como Benício, não foi pequeno o número de crianças que, na pandemia, voltaram a ter comportamentos de quando eram mais novas: chorar mais, falar menos, fazer xixi na roupa.
Regressões no comportamento são sinais de que a criança está sob estresse e é uma forma que encontram de pedir aconchego. Estudo da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV) indicou que 27% das crianças de 0 a 3 anos voltaram a ter comportamentos de quando eram mais novas. A pesquisa, divulgada este mês, indica que regressões geralmente são transitórias, mas devem ser observadas com cuidado pelas famílias.
– Notei que ele deixou de tentar falar. Começou a só apontar – conta a mãe de Benício, a arte educadora Heloisa Trigo, de 41 anos.
Com a regressão na fala, o menino também voltou algumas casas na alimentação: se recusou a comer alimentos sólidos e reativou a mamadeira.
A pesquisa da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal ouviu 1.036 famílias de todas as classes sociais. Embora a ciência já saiba que as crianças pequenas são menos atingidas de forma grave pela covid-19, pesquisadores em todo o mundo ainda tentam estimar os impactos emocionais e cognitivos do longo tempo de isolamento decorrente da pandemia e do estresse dentro das famílias.
– Parte das regressões está relacionada a não conseguir manter o ambiente dentro de casa em função de variáveis externas que transbordam – explica Mariana Luz, CEO da FMCSV.
Em meio a uma situação sem precedentes, todas as famílias enfrentaram dificuldades, mas, segundo o estudo, pais da classe D se veem mais sobrecarregados e tristes.
– Foram muitos lutos, a ameaça do desemprego, de não conseguir prover o sustento. Depois a falta de esperança, sem ver uma luz no fim do túnel. Benício também sinalizou que estava difícil para ele – lembra Heloisa.
O marido perdeu parentes e o emprego. Trabalhando de casa, Heloisa se sobrecarregou com rituais de limpeza que não acabavam mais para tentar se defender do vírus. De volta à escola, o menino voltou a comer, começa a se arriscar mais na fala e a mãe vê avanços.
Na casa de Tatiane Zanholo, de 36 anos, o vírus assustou o casal de dentistas, que teve medo de voltar ao consultório. Com duas crianças pequenas e sem ajuda de parentes ou babá, as tarefas se avolumavam. Murilo, hoje com 4 anos, respondeu com uma gagueira que nunca havia manifestado, piora na dermatite e um "choro interminável", nas palavras da mãe.
– No começo não sentia tanto, mas fomos ficando cansados – relata.
Alívio
Embora aflijam os pais, as regressões não devem ser vistas com desespero nem são sinais de que a criança terá defasagens no desenvolvimento. Muito mais do que adultos, crianças novas têm maior plasticidade cerebral - ou seja, se recuperam rapidamente quando são estimuladas e se sentem seguras. As mães dos "bebês da pandemia" comprovam que as mudanças não demoram.
– Em uma semana virou outra criança –, diz a dentista Vanessa Junqueira, de 41 anos, sobre a ida do filho Rhian, de 1 ano e 4 meses, à escola após o isolamento.
O menino passou os 11 primeiros meses de vida sem contato externo. Qualquer um que não fosse mãe ou pai parecia um monstro para ele e Rhian não parava de chorar.
– Só queria ficar comigo o tempo todo, muito apegado. Agora, está bem mais sociável –, lembra a mãe.
Para Lino de Macedo, psicólogo e integrante do Comitê Científico do Núcleo Ciência Pela Infância, regressões ou atrasos no desenvolvimento devem ser observados pela família. O acolhimento com afeto e estímulos positivos, como as brincadeiras, cria segurança e favorece o desenvolvimento. Se as regressões são duradouras ou há atrasos na fala, as famílias devem procurar um especialista, que pode ser o pediatra da criança.
– Em boa parte dos casos, um pai mais próximo, amoroso, paciente e receptivo ajuda – diz o especialista.
Dicas para lidar com a situação
- Acolher: Regressões no comportamento são comuns em situações de estresse e uma forma de expressão das crianças. Os pais devem observar e acolher a criança. Também devem entender que a regressão tem a ver com o contexto.
- Estar junto: O contato dos adultos com as crianças deve ser aprofundado. Embora os pais estejam mais tempo em casa, nem sempre isso significa proximidade e acolhimento.
- Brincar: As brincadeiras podem começar desde o primeiro ano de vida, com atividades como cantar.
- Bater papo: A conversa com a criança deve ser estimulada, mesmo que ela ainda não entenda tudo ou saiba falar.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.