Após causar explosão de casos e de mortes na Índia e em países com vacinação mais avançada, como Estados Unidos, Reino Unido e Israel, governantes brasileiros e profissionais da linha de frente do combate à pandemia temiam que a variante Delta do coronavírus causasse forte impacto e piora da pandemia no Brasil. No entanto, quatro meses após o primeiro registro em território nacional, as estatísticas apontam que a covid-19 segue em tendência de queda no país.
Em consenso, cinco especialistas entrevistados por GZH citam que a manutenção das restrições, de cuidados pessoais e, sobretudo, do uso de máscaras, estão impedindo que a Delta provoque aumento em casos e mortes por coronavírus.
Soma-se a isso o avanço da vacinação e o histórico de pessoas já infectadas - portanto, com grau de imunidade de curta duração. Ao mesmo tempo, pontuam que é preciso manter os cuidados até a cobertura vacinal no país crescer.
— A questão não é tanto se a Delta é transmissível. A culpa não é tanto do vírus, mas das pessoas. Qualquer vírus, se ver um monte de gente perto, vai ser transmitido. Ainda que haja adesão insuficiente ao uso de mascara e heterogeneidade no país, quem conteve a Delta foi a vacinação e uso de máscara. A vacinação, onde foi feita rapidamente, transformou a covid de uma doença de UTI para uma doença de manejo em casa — resume o virologista Paulo Brandão, professor da Universidade de São Paulo (USP).
Depois de brigar com a variante Gama, originária de Manaus, a Delta venceu e já predomina no Brasil, diz o virologista Fernando Spilki, coordenador da Rede Corona-Ômica, iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) que investiga quais cepas circulam no país. Apesar do desfecho, duas falhas no controle da pandemia acabaram, ironicamente, reduzindo os impactos da vitória da Delta em solo brasileiro.
— Tivemos surto de Gama com pico muito alto por semanas a fio em um grande contingente de pessoas, o que gerou imunidade natural na população, ainda que não seja muito duradoura. E outro auxílio foi o atraso na chegada das vacinas: muitas pessoas receberam a segunda dose quando a Delta chegou, então a imunidade está muito recente — diz Spilki.
O grande número de infectados entre fevereiro e abril, período em que o Rio Grande do Sul vivenciou colapso hospitalar, contribuem, diz Spilki, porque os níveis de cobertura vacinal brasileira não explicam sozinhos o cenário atual. Afinal, a proporção de imunizados é próxima ou até menor do que a registrada em outras nações que enfrentaram piora da epidemia quando da chegada da Delta.
Hoje, 67% dos brasileiros de todas as idades receberam a primeira dose e quase 40%, duas. No Rio Grande do Sul, a cobertura é maior: 73% de todos os gaúchos receberam a primeira aplicação e 45% estão com o esquema completo.
Quando Israel liberou o uso de máscara e passou a permitir maior circulação de pessoas, mais da metade da população ganhara duas doses. Nos Estados Unidos, a mesma medida ocorreu quando 46% dos habitantes haviam tomado a primeira dose e 35%, a segunda.
— No Brasil, a Delta veio, mas a população manteve cuidados e uso de máscara que, se não eram exemplares, foram suficientes. Por esse motivo, a variante não causou estragos previstos. Mas, se tivermos Carnaval na semana que vem, por exemplo, a aceleração no número de casos pode crescer muito — diz o médico Alessandro Pasqualotto, professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), citando ainda que a redução do intervalo entre as doses da AstraZeneca e da Pfizer pode ter contribuído para proteger mais a população.
No Rio Grande do Sul, a Delta é predominante, afirma Richard Salvato, responsável pela Vigilância Genômica da Secretaria de Estado da Saúde (SES-RS). Entre 76 amostras de agosto analisadas pela Universidade Feevale e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), 84% eram Delta.
— A imunidade adquirida após infecção dura até cinco ou seis meses. Em conjunto com a parcela de vacinados, há parcela importante da população com resposta imune. Temos, então, um número menor da população suscetível. Mas essa imunidade causada pela infecção tende a decair, o que seria um cenário para a Delta causar um estrago — afirma Salvato.
Outro fator a ser levado em conta é que, em nações ricas onde a variante provocou recrudescimento da epidemia, há bolsões de não vacinados - o caso mais notável é dos Estados Unidos. No Brasil, onde o movimento antivacina é mais incipiente, a boa-vontade da população com imunizantes gera menor espaço para a Delta circular. Em Porto Alegre, por exemplo, 92% dos habitantes acima dos 12 anos já foram atrás da primeira dose.
Para Cezar Riche, médico infectologista no Hospital Mãe de Deus, locais com alta cobertura vacinal, como Rio Grande do Sul, estão mais protegidos contra novas ondas geradas pela Delta. O alto índice de imunizados em Porto Alegre, capital com alta densidade urbana e, portanto, com maior risco, também traz benefícios.
— A Delta aumentou o numero de surtos em hospitais, colégios e ILPIs (instituições de longa permanência, ou asilos) do Estado, mas em impacto muito menor do que o Rio de Janeiro, por exemplo, onde havia uma política de flexibilização maior. Estamos expandindo a vacinação a menores de idade e, depois de começar a ver idosos se infectarem, estamos voltando a vaciná-los. Temos estratégias de barreira para tolerar não só a Delta, como qualquer outra variante que possa vir — diz o infectologista.
Cuidados ainda são necessários
A despeito do cenário positivo, analistas afirmam que a preocupação com a Delta ainda não é página do passado. Flexibilizações exageradas, grandes aglomerações e liberação do uso de máscara podem permitir que a variante — assim como outra que eventualmente surgir — causem nova piora da epidemia, ainda que em patamares menos perigosos.
— De forma alguma a gente pode deixar de lado a preocupação. Se nossa teoria de que estaríamos em momento mais tranquilo como resultado do numero de contaminações pela Gama em março, essa imunidade não dura para sempre. Além disso, vírus continua se mutando. Já há sublinhagens da Delta, e elas podem trazer consequências prejudiciais ao controle da circulação do vírus — observa Richard Salvato, da Vigilância Genômica do governo do Rio Grande do Sul.