Após surtos em hospitais, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre confirmou na manhã desta quinta-feira (19) que a capital gaúcha registra transmissão comunitária da variante Delta do coronavírus. Você pode estar se perguntando: e agora?
Isso significa que moradores e trabalhadores de Porto Alegre já transmitem o vírus entre si, e não mais a partir do contato com pessoas de outros Estados e países. Na prática, a Delta ganhou espaço na cidade, o que pode provocar, nas próximas semanas, aumento de casos, hospitalizações e mortes – o risco é maior para quem não está vacinado ou recebeu apenas uma dose. Como resultado, torna-se ainda mais necessário usar máscaras, álcool gel, evitar aglomerações e preferir ambientes ao ar livre.
— Você pode esperar que quem te vende pão na padaria ou o cobrador do ônibus, pessoas que não viajaram para outro lugar, podem te transmitir a Delta — sintetiza o microbiologista Afonso Barth, coordenador do Laboratório de Biologia Molecular do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Em 23 de julho, o Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs) do Palácio Piratini já havia emitido alerta de transmissão comunitária da Delta no Rio Grande do Sul. Na nota, destacou que vacinados, apesar do menor risco de adoecerem gravemente, podem se infectar e passar o vírus adiante.
O Estado ainda destacou que a transmissão comunitária da Delta justifica que “os cuidados pessoais em relação ao uso de máscara de forma correta, cobrindo o nariz e a boca, assim como lavagem frequente de mãos e evitar permanecer em locais fechados ou com alta concentração de pessoas, são medidas que devem ser adotadas pela população com o propósito de evitar o aumento de pessoas contaminadas”.
— Uma vez que temos essa variante mais transmissível aqui, o risco de termos um aumento expressivo de novos casos preocupa bastante — comenta Richard Salvato, responsável pela vigilância genômica do Centro Estadual de Vigilância em Saúde.
Em outros países onde a vacinação estava mais avançada do que no Brasil, a Delta causou aumento de infecções, internações e óbitos – mas as grandes vítimas são os não vacinados ou quem recebeu apenas uma dose.
Nos Estados Unidos, o conselheiro da Casa Branca para a pandemia, Anthony Fauci, afirmou em julho que 99% das vítimas da covid-19 eram não imunizados. O problema é que quem recebeu duas doses, apesar de estar protegido, pode se infectar e passar o vírus adiante.
Por conta disso, especialistas pedem que quem completou o esquema vacinal evite aglomerações para zelar pela vida de quem ainda não teve a oportunidade de receber as duas injeções.
No entanto, analistas comentam que, dada a atual cobertura vacinal, uma eventual piora da pandemia não deve se assemelhar à chegada da variante Gama em solo gaúcho, em fevereiro, quando hospitais colapsaram — logo no início da campanha de imunização. Hoje, 64,2% dos porto-alegrenses tomaram a primeira dose da vacina e 39,4% tomaram duas doses ou a vacina de dose única, segundo dados da Secretaria Municipal da Saúde.
— Dá para esperar que teremos aumento de casos. Não sei se abrupto, como na Gama em fevereiro, ou mais devagar. Talvez seja mais devagar pela vacinação. Se for mais devagar, teremos condições de identificar as pessoas, separá-las e talvez não tenhamos o problema que tivemos em fevereiro, de sobrecarregar rapidamente os serviços de saúde — acrescenta o microbiologista Afonso Barth.
Análises genômicas da Secretaria de Estado da Saúde (SES-RS) apontam que a cepa representa quase 18% de todos os casos analisados no Rio Grande do Sul – seis vezes mais do que quando a variante foi identificada, cinco semanas atrás. No entanto, algumas regiões têm predominância maior, aponta sequenciamento feito pela Universidade Feevale. Em Novo Hamburgo e Garibaldi, por exemplo, a Delta representou 50% dos casos sequenciados.
Para além disso, o ritmo de avanço da Delta no RS está abaixo do registrado em países como Israel, Estados Unidos e Reino Unido. A hipótese mais forte é de que a cepa está disputando espaço com a Gama, originária de Manaus e também bastante transmissível.
Agora, especialistas afirmam que dois cenários podem ocorrer: 1) a Delta e a Gama conviverem lado a lado e o cenário se mantém parecido ao atual ou 2) a Delta irá predominar, com risco de elevação de casos, hospitalizações e óbitos.
— É a virada que a gente conhece ao longo do tempo, que vivenciamos com outras variantes. A partir deste momento, precisa ser muito bem monitorado o número de casos para aí elevar o nível de preocupação — observa o virologista Fernando Spilki, coordenador da Rede Corona-Ômica do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação.
No Estado do Rio de Janeiro, a Delta representa hoje cerca de 60% dos casos sequenciados. A pandemia está piorando por lá e, na capital carioca, a ocupação das Unidades de Terapia Intensiva (UTI) voltou aos 95%. A prefeitura chegou a reconhecer que a cidade é o epicentro da Delta no Brasil.
— Nos locais em que a Delta passou a ser predominante, como Rio de Janeiro e Distrito Federal, vemos flutuações que apontam para possível elevação em número de casos e ocupação de leitos, particularmente no Rio de Janeiro. A partir do momento em que a Delta cresce e se torna hegemônica, veremos se ela vai aumentar o número de casos por aqui — acrescenta Spilki.