A variante Delta já é transmitida localmente no Rio Grande do Sul e, em Porto Alegre, pode estar associada ao aumento nas hospitalizações por covid-19. Com a nova cepa circulando, médicos pedem que a população, inclusive vacinada, reforce os cuidados – até mesmo em ambientes ao ar livre.
As estatísticas em diferentes países mostram que imunizados com duas doses estão bem protegidos contra a Delta. Nos Estados Unidos, por exemplo, 99% dos mortos por coronavírus não receberam vacina.
No entanto, sabe-se que pessoas com esquema vacinal completo podem pegar covid-19 e, apesar de não adoecerem gravemente, ainda transmitem o vírus a quem recebeu apenas uma dose ou não foi vacinado – estes, sim, mais vulneráveis à Delta.
Analistas pedem, portanto, que quem recebeu duas doses se cuide para zelar pela vida de quem ainda não tem o esquema vacinal completo. No Rio Grande do Sul, mais de 70% da população não recebeu todas as doses necessárias. Em Porto Alegre, são 62,5% dos habitantes.
Quatro especialistas entrevistados por GZH afirmam, em consenso, que, assim como para outras cepas, ambientes abertos são sempre mais seguros do que locais fechados, desde que não haja multidão. Portanto, entre um encontro dentro de casa ou no ambiente interno de um bar ou restaurante, prefira permanecer ao ar livre.
Feita essa constatação, a alta transmissibilidade da Delta aumenta o risco de infecção até mesmo ao ar livre. Há estimativas de que a Delta seja 50% mais contagiosa do que a Alfa, do Reino Unido, e duas vezes superior à cepa original do início da pandemia.
Análise do Centro de Controle e Prevenção a Doenças (CDC) dos Estados Unidos aponta que a Delta é tão contagiosa quanto a catapora e mais letal do que qualquer cepa do Sars-CoV-2 até o momento.
Segundo o governo norte-americano, a Delta é também mais transmissível do que ebola, varíola e os vírus da gripe espanhola, do resfriado, da gripe comum e da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers).
— Se comparar o vírus ancestral com a nova variante, em ambientes abertos o vírus ancestral se transmitia com menor frequência do que a Delta. De qualquer forma, quanto mais pessoas no ambiente, mais fechado for o lugar e menor a circulação do ar, maior o risco de infecção — diz o médico Eduardo Sprinz, chefe da Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O médico infectologista Marcelo Simão, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), destaca que uma pessoa infectada com cepa original da covid-19 transmitia para entre duas a três pessoas. Agora, com a Delta, a transmissão é para cinco a oito indivíduos.
— A Delta é comparável à catapora, que, quando dava em uma escola, infectava quase todo mundo. A transmissibilidade é muito alta. O vacinado pode adquirir o vírus e transmitir a outras pessoas. Mas, se adoecer, o vacinado vai ter uma doença leve — diz Simão.
O infectologista aconselha a população a sempre optar por locais abertos de bares e restaurantes a partir de agora e evitar a aproximação com desconhecidos.
— Ao ar livre, há uma dificuldade maior de pegar, mas não é impossível. Se a pessoa está em um restaurante ao ar livre e uma pessoa próxima tossir ou espirrar, pode haver transmissão. Ambientes fechados já eram de risco na cepa original. Agora, o risco é ainda maior — acrescenta.
Para ilustrar a alta transmissibilidade da Delta, a médica infectologista Ana Luiza Gibertoni, funcionária do Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês) da Inglaterra e pesquisadora no Departamento de Saúde Populacional da Universidade de Oxford, destaca o relato de caso de infecção registrado dentro de um shopping na Austrália, onde o rastreamento de infecção é fortíssimo.
Em Sydney, uma pessoa foi contaminada após simplesmente cruzar com outra que estava com covid-19. Após o caso, o chefe da Secretaria de Saúde do Estado de Queensland afirmou que, se antes eram necessários 15 minutos de exposição para se infectar, com a Delta bastam de cinco a 10 segundos.
— As mutações contribuem para o vírus se conectar melhor à célula e se multiplicar. Além disso, a carga viral das pessoas infectadas nas vias aéreas é muito maior. As pessoas exalam muito mais partículas virais do que anteriormente. Por isso, contatos menos prolongados sem distanciamento adequado, mesmo ao ar livre, podem ter transmissão. As pessoas precisam ficar muito mais atentas mesmo ao ar livre. Precisa estar longe, também. O risco agora é maior — afirma a médica.
A biomédica Mellanie Fontes-Dutra, coordenadora da Rede Análise Covid-19 e integrante do Comitê Científico do Governo do Estado, destaca que, apesar da falsa sensação de segurança com o avanço da vacinação, a pandemia não está controlada e a transmissão ainda segue alta.
— Como ainda há muito suscetíveis que não tomaram duas doses, precisamos atentar ainda mais para uma variante mais transmissível para não expor pessoas ainda suscetíveis. Você quer almoçar em um restaurante no fim de semana? Opte por um horário menos movimentado, vá a um lugar arejado e tire a máscara só para comer.
Como se proteger?
As medidas de proteção são as mesmas de sempre: usar máscara, evitar aglomeração, preferir ambientes ao ar livre e tomar as duas doses da vacina. Ana Luiza Gibertoni, médica do NHS, destaca que a população deve sempre optar pelo uso de máscaras N95 ou, se não for possível, usar uma cirúrgica debaixo da de pano.
— A orientação é usar máscara certamente em ônibus, supermercado e consultório médico. Se você estiver ao ar livre, use máscara, seja na feira ou no concerto. E precisa ter ventilação no ambiente, janela e portas precisam ficar abertas. Higienização de mão tem impacto reduzido no controle da pandemia. A ênfase não deve ser nisso, mas em máscara, distanciamento e ventilação. Vai andar de carro com outras pessoas? Abra as janelas. Precisa ter corrente de ar — afirma.