Nas últimas semanas, a variante Delta do coronavírus ganhou terreno no Brasil. A cepa já soma 15% das amostras analisadas no Rio Grande do Sul, 23% na Grande São Paulo e 26% no Estado do Rio de Janeiro – índice que pula para 45% na capital fluminense.
Um dos riscos do avanço dessa mutação, que sugere ser mais transmissível em comparação a outras, é dificultar o atingimento da imunidade coletiva por meio da vacinação. Mas especialistas apontam que ainda não se pode garantir qual será o impacto e o poder de disseminação dessa nova forma do vírus no país.
O nível de adesão a medidas preventivas, como o uso de máscara, a “disputa” com a variante Gama (P.1), ainda predominante, e o ritmo da vacinação podem aliviar ou agravar os efeitos da cepa de origem indiana e definir o futuro da pandemia no Brasil.
Um dos prejuízos que o espalhamento da Delta pode provocar é alterar o patamar necessário para se alcançar a imunidade de rebanho. Até agora, se estimava que a imunização completa de 70% a 75% da população seria suficiente para cortar a cadeia de contaminação do vírus e permitir o retorno a uma maior normalidade.
— A provável disseminação da Delta, em função da sua maior transmissibilidade, implicará que brevemente assuma a liderança nos novos casos de infecções, sobretudo em indivíduos sem esquema vacinal completo. Nesse caso, percentuais maiores de pessoas vacinadas serão necessários: 100% das populações prioritárias, que são adultos e pessoas com doenças crônicas, e mais do que 70% a 75% da população em geral — avalia o epidemiologista do Hospital de Clínicas Ricardo Kuchenbecker.
Já há especialistas que consideram necessário vacinar por completo pelo menos 90% da população e quem até deixou de cogitar metas diante da dificuldade de enfrentar mutações cada vez mais transmissíveis. Defendem simplesmente imunizar o maior número de pessoas no prazo mais curto possível.
— São estimativas muito teóricas, e elas podem variar muito dependendo da eficácia das vacinas e do surgimento de novas variantes. A melhor mensagem que podemos passar é a de se vacinar o máximo possível, sem estabelecer nenhum percentual como meta — afirmou o pesquisador do King’s College de Londres José Jiménez em entrevista recente ao jornal espanhol El País.
Ainda é cedo para dizer se o Brasil vai seguir o mesmo caminho em comparação a outros países, como os EUA, onde a Delta vem provocando novos saltos da pandemia. Uma das diferenças é que ela avançou mais em locais onde a maior parte das restrições, como distanciamento social e uso de máscaras, já havia sido abandonada.
— Essa mutação chegou com força principalmente em populações que já haviam voltado a viver uma vida normal, sem máscara, participando de eventos. Nossa vantagem foi ter mantido o uso de máscara e o distanciamento. Por isso, pode ter força menor aqui — acredita a professora de Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Suzi Camey.
Outro fator a ser considerado, conforme o mestre em Saúde Pública pela Universidade de Harvard (EUA) Marcio Sommer Bittencourt, é a relação da Delta com a Gama, atual cepa mais comum no país.
— Se um vírus transmite mais, o limiar (da imunidade coletiva) sobe. Matematicamente, não tem dúvida. Mas não sei se a Delta é mais transmissível do que a P.1 (Gama) — avalia Bittencourt.
Na vida real, isso será demonstrado ao longo das próximas semanas. Se a mutação indiana tomar rapidamente o espaço da Gama, será um indício de que contamina mais rapidamente no contexto brasileiro. No México, foi isso que ocorreu: a Delta ganhou terreno sobre a mutação identificada originalmente no Amazonas. Por isso, é fundamental aumentar o máximo possível o ritmo de imunização, segundo Kuchenbecker:
— Quanto mais tempo o calendário vacinal demorar para atingir esses níveis (necessários para a imunidade coletiva), maior a probabilidade de que a Delta assuma a liderança das infecções no Brasil. Isso implica reforçar a necessidade de duas doses para todos e, talvez, até antecipar intervalos maiores de vacinação. Isso é diferente das demais variantes até aqui.
Ameaça aos avanços obtidos contra a pandemia
Outra questão que deverá ser respondida em um futuro próximo é se uma eventual nova onda impulsionada pela cepa recém-chegada colocará a perder o avanço conquistado até o momento contra a pandemia no Brasil. O virologista da Universidade Feevale Fernando Spilki afirma que a vacinação segue eficaz para evitar formas graves da doença e é capaz de conter boa parte dos possíveis estragos. Mas, para isso, é fundamental que a população complete o esquema vacinal.
— Como em outros momentos, vemos a dispersão da variante ocorrendo de forma assíncrona no país (maior em algumas regiões do que em outras). O que está segurando (novo aumento de contaminações e internações) até agora? Muito provavelmente, a vacinação parcial que temos, pois outras estratégias estão sustadas — sustenta Spilki.
A imunologista da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) Cristina Bonorino acredita que o alcance de percentuais intermediários, como algo ao redor de 50% da população integralmente imunizada, mesmo que não interrompa a cadeia de transmissão da pandemia, já será suficiente para fazer uma diferença “gigante” no impacto do coronavírus sobre os brasileiros, independentemente das variantes existentes hoje que predominem.
O maior risco, em sua avaliação, é de que falhas na cobertura vacinal permitam o surgimento contínuo de novas mutações até conseguirem driblar com maior eficiência os imunizantes disponíveis.