Douglas Marques tem 36 anos, se alimenta bem, pratica exercícios físicos e não tem nenhuma comorbidade. Mesmo tendo todos os fatores a seu favor para enfrentar a covid-19, o empresário passou por maus bocados: permaneceu internado no Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre, por 53 dias, chegou a ser entubado e a se despedir da família duas vezes. Mas sobreviveu – e, agora, tem divulgado nas redes sociais a sua batalha diária na busca pela reabilitação do corpo.
Apesar de não ter nenhum fator de risco para a covid-19, Douglas seguia os protocolos sanitários recomendados desde o início da pandemia – dono de uma empresa de representação de vendas, mandou seus funcionários já em março de 2020 para o teletrabalho, mantém seus filhos estudando de forma remota e saía basicamente para ir ao supermercado. Em março de 2021, porém, teve pedra nos rins e precisou procurar atendimento na emergência do São Lucas. Acredita que foi nesta saída que se contaminou.
Os sintomas surgiram em 21 de março. No dia 31, descobriu por meio do oxímetro que a saturação de oxigênio no seu sangue estava baixa e voltou à emergência do hospital. Foi internado no mesmo dia, com 60% do pulmão comprometido. Dois dias depois, foi encaminhado para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Com 98% do pulmão comprometido, ficou entubado durante 16 dias. Dos 53 dias de internação, ficou cerca de 30 sedado.
Ao longo do tempo de UTI, não pôde receber visita. Para aliviar a saudade, a equipe do São Lucas colocou fotos da família do empresário em frente ao seu leito.
— Era naquilo que eu me abraçava, nas orações, olhando as fotos, e todo dia eu pedia para conseguir encontrar minha família de novo, ver meus filhos, minha esposa. A UTI te mostra desastres, eu vi pessoas morrerem perto de mim, é um cenário de guerra — lembra.
O desespero era amenizado pelo carinho dos profissionais da saúde:
— A atenção deles é ímpar. Eu só tenho a agradecer. Eles me alegravam, me motivavam, me colocavam para cima. São extremamente carinhosos no tratar, no medicamento. Uma pessoa de 36 anos, totalmente ativa, se ver numa cama com um tubo enfiado na garganta para poder respirar, de fralda, tendo que ser trocado… Eles tinham uma delicadeza nisso, tanto que eu não fiquei traumatizado em relação à UTI.
Divulgar para conscientizar
Desde que saiu do hospital, em 22 de maio, Douglas usa sua experiência de quase morte para conscientizar as pessoas pelo Instagram sobre o quanto a covid-19 pode ser perigosa mesmo para quem é mais jovem.
— Fiquei surpreso com a gravidade da doença em mim, que não estou dentro de nenhum fator de risco, e com o que veio depois, porque eu não fazia ideia do que acontece, caso tu sobrevivas ao tubo — destacou Douglas.
Com 21 quilos a menos do que antes de ser internado, Douglas perdeu muita massa muscular durante o período de entubação e, mesmo agora, precisa usar cadeira de rodas, cansa ao tomar banho ou escovar os dentes e não pode comer alguns alimentos, pois mastigar se tornou uma tarefa árdua.
— O básico se torna impossível. A fisioterapia te ajuda a sentar na cama, depois a ficar em pé, depois a dar os primeiros passos, mas tudo de forma gradual. Eu consigo caminhar um pouco, mas não muito. Não tenho força para abrir uma garrafinha d’água, preciso pedir para alguém abrir por mim — cita. E resume: — A reabilitação não é simplesmente fazer uma fisioterapia para que o teu músculo fique um pouco mais forte. Ela é muito dolorosa e requer paciência.
A estimativa é de que Douglas recupere a capacidade muscular em cerca de dois meses, mas a respiração ainda pode ficar prejudicada ao longo de mais seis a oito meses. Enquanto isso, quer seguir divulgando e tentando ajudar as pessoas com sua experiência.
Fisioterapia antes, durante e depois da internação
Um dos profissionais fundamentais para o tratamento das pessoas internadas por covid-19 é o fisioterapeuta. Ele atua desde a porta da emergência, buscando evitar que o paciente tenha perdas respiratórias e motoras. Caso o paciente seja entubado, a preocupação é mudá-lo de posição com frequência para evitar ferimentos. Depois, o esforço é para que a pessoa recupere a musculatura, treinando movimentos como sentar na cama, deitar e ficar em pé.
— É toda uma readaptação. Ele inicia no leito e vai evoluindo, diminuindo a medicação, passando por exercícios mais ativos. São coisas básicas para nós, mas que eles precisam recuperar. A atenção é tanto no treinamento de músculo geral, de força, equilíbrio e controle de tronco, como na musculatura respiratória — relata a fisioterapeuta Flávia Franz, gestora do Serviço de Fisioterapia do São Lucas.
Além de fisioterapeutas, a equipe é composta por profissionais como nutricionistas e fonoaudiólogos, estes fundamentais para que o paciente reaprenda a coordenar a respiração e a deglutição. Depois da alta, o paciente segue no processo de reabilitação, que pode levar até cinco anos. Além de ter um Centro de Reabilitação, o São Lucas possui um ambulatório pós-covid, que avalia as sequelas deixadas.
— Nosso propósito é transformar a função e ressignificar a vida. Choramos de alegria a cada vez que vemos histórias de superação como a do Douglas, e, graças a Deus, estão acontecendo cada vez mais — celebra Flávia.