Aprovada de forma excepcional na sexta-feira (4) pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a vacina indiana Covaxin poderá ser distribuída pelo país sob condições específicas e em quantidade limitada: 4 milhões de doses — o suficiente para 2 milhões de brasileiros.
Ainda não há data para a chegada deste primeiro lote, importado diretamente do laboratório Bharat Biotech, da Índia. Se for seguida a regra de distribuição que ocorre até agora, o Rio Grande do Sul receberá cerca de 120 mil doses para 60 mil gaúchos.
As 4 milhões de doses da Covaxin fazem parte das 20 milhões de doses compradas pelo Ministério da Saúde para este ano. Mas a distribuição em massa das outras 16 milhões segue em aberto.
A autorização da Anvisa de sexta-feira é apenas parcial, referente às 4 milhões de doses, e não configura aprovação para uso emergencial nem definitivo, o que permitiria o uso disseminado.
Para aprovar o uso das outras 16 milhões de doses, a Anvisa precisa aprovar o uso emergencial das doses compradas pelo governo federal, algo que a agência reguladora ainda não fez. Isso envolve receber mais informações e “analisar os dados de monitoramento do uso da vacina para poder avaliar os próximos quantitativos a serem importados”, informou a agência reguladora em nota.
A Covaxin já havia tido solicitação de uso emergencial negada em março pela Anvisa, mas o órgão alegou, à época, falta de dados e ausência de certificado de boas práticas na fabricação.
Segundo a agência reguladora, as condições de produção melhoraram, conforme atestou visita de inspetores no laboratório na Índia, o que ajudou na liberação parcial das 4 milhões de doses. Contou a favor, também, a liberação para que a Bharat Biotech conduza estudo de fase 3 no Brasil — o que ocorrerá em São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Bahia.
Ainda assim, a Anvisa fez uma série de ressalvas, como a exigência de que os lotes a serem enviados passem pelo controle de qualidade brasileiro. O órgão ainda afirma que a responsabilidade pela eficácia e segurança será compartilhada com a fabricante e o Ministério da Saúde, responsável pela compra.
Caso o uso emergencial seja negado ou se houver parecer contrário da Organização Mundial da Saúde (OMS), a aplicação das 4 milhões de doses pode ser suspensa.
Uso restrito
Neste primeiro momento, o uso será focado em adultos saudáveis, entre 18 e 60 anos. Ficarão de fora gestantes, puérperas (mulheres em até 45 dias após o parto), lactantes e mulheres em idade fértil que planejem engravidar nos próximos meses e pessoas com comorbidades graves ou não controladas.
Também não receberão a Covaxin pessoas que receberam outra vacina contra a covid-19, pessoas com HIV, hepatite B ou C, quem tomou alguma vacina quatro semanas antes, quem recebeu imunoglobina ou imunoderivados três meses antes e quem realizou tratamento com imunossupressores, citotóxicos, quimioterapia ou radiação 36 meses antes.
— Não estamos atestando qualidade, segurança e eficácia dessas vacinas. Existem pendências técnicas que precisam ser resolvidas. Contudo, a Lei 14.124/2021, que abre espaço para importação excepcional existe e foi pensada no contexto da pandemia, por isso há recomendação de que esse uso seja controlado — afirmou, na sexta-feira, o gerente-geral de medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes.
Mais de 12 países utilizam a Covaxin, aplicada em quase 25 milhões de pessoas, segundo afirma o laboratório Precisa Medicamentos, representante do Instituto Bharat Biotech no Brasil baseado em Barueri, interior de São Paulo.
A Covaxin usa o coronavírus inativado, assim como a CoronaVac, e já se mostrou efetiva contra a variante britânica. A eficácia e a segurança foram testadas em grande estudo feito na Índia.
Os resultados de segurança foram publicados em revista de prestígio, mas a imunologista Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e integrante do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), estranha a aprovação parcial por parte da Anvisa.
— Acho estranho a Anvisa ter liberado sem a empresa ter completado os requisitos básicos para a liberação. Existem dados de que é segura. Agora, quem decide se a fabricação está nos padrões aceitáveis do Brasil é a Anvisa. E isso a Anvisa ainda não fez. Ela parece ter sofrido pressão forte para aprovar — diz Cristina.
A biomédica Mellanie Fontes-Dutra, doutora em Neurociências e coordenadora da Rede Análise Covid-19, avalia que as condições levantadas pela Anvisa garantem segurança no processo.
Ela reconhece que a aprovação parcial pode levantar dúvidas, mas destaca que a pandemia é uma situação excepcional e que o uso das 4 milhões de doses deste primeiro lote será acompanhado.
— Uma vez que, neste momento, não foi feita a análise de segurança e eficácia, as condicionantes devem ser atendidas, somadas a um monitoramento pela agência e pela assinatura de termos de compromissos pelas farmacêuticas para garantir um processo seguro. A aprovação é para esse lote em específico, o qual será monitorado e pode ser suspenso na menor intercorrência. As condicionantes vão nos auxiliar para que, nessa situação, possamos colher o melhor custo-benefício enquanto a aprovação para uso emergencial tramita — diz Fontes-Dutra.
Questionado por GZH, o Ministério da Saúde não informou quando as doses da Covaxin poderão ser entregues. A pasta afirmou, por meio de nota, que está em contato com o laboratório fabricante “para agilizar a importação e o cronograma de recebimento das doses”.
O governo ressalta que a Covaxin e a Sputnik V “são seguras e eficazes, no entanto, esses imunizantes serão usados de forma mais restrita e monitorados, seguindo as recomendações da Anvisa”.
O Ministério da Saúde também se colocou à disposição dos Estados para elaborar estudos de efetividade e acompanhar as pessoas que receberem esses dois imunizantes. “Em breve, a pasta fará uma reunião com os gestores estaduais para discutir os próximos passos para aplicação da Sputnik”, diz o texto. A Secretaria da Saúde (SES) do Rio Grande do Sul não respondeu aos questionamentos de GZH.
A Precisa Medicamentos enviou nota à reportagem na qual afirma que as 4 milhões de doses autorizadas pela Anvisa estão prontas para sair da Índia e embarcarem para o Brasil, “assim que os trâmites de importação, que incluem a emissão da Licença de Importação, estiverem concluídos”.
Ficha técnica da Covaxin
- Número de doses: 2
- Intervalo entre as doses: 28 dias
- Taxa de eficácia: 78%
- Laboratório produtor: Bharat Biotech (Índia) e Precisa Medicamentos (Brasil)
- Tipo de tecnologia: vírus inativado
- Países em que foi aprovada: Índia, Filipinas, Mongólia, Mianmar, Bahrein, Mongólia, Sri Lanka, Omã, Ilhas Maldivas e Ilhas Maurício
- Quantas doses o Brasil contratou: 20 milhões
- Temperatura de armazenamento: entre 2ºC e 8ºC (freezers comuns em postos de saúde)
- Capacidade de produção do laboratório: 560 milhões de doses por ano
- Estágio de aprovação: lotes específicos liberados, em análise para uso emergencial
- Público-alvo: adultos saudáveis entre 18 e 60 anos