A perspectiva de envio de mais doses pelo Ministério da Saúde, a liberação para imunizar brasileiros com menos de 60 anos fora de grupos prioritários e a previsão de entrada em peso da vacina da Pfizer/BioNTech, agora em distribuição pelo interior do Brasil, podem levar o combate à covid-19 a adentrar um novo e animador capítulo em junho, após meses de campanha arrastada.
Nos últimos dias, gestores começaram a ventilar publicamente que é possível vacinar com duas doses 70% da população gaúcha até setembro, uma estimativa percentual necessária para atingir a imunidade de rebanho, controlar a pandemia e reaquecer a economia – a porcentagem é variável conforme as características da população e o tipo de imunizante aplicado.
Se os prognósticos forem mantidos, junho será o mês com mais vacinas contra a covid-19 até agora – o suficiente para atingir a população no geral com 50 anos e ainda realizar a primeira aplicação em todos os grupos prioritários em cidades gaúchas de pequeno e médio porte, segundo o Conselho das Secretarias Municipais da Saúde do Rio Grande do Sul (Cosems-RS).
As maiores cidades, como Porto Alegre e Caxias do Sul, devem seguir nos grupos prioritários para além de junho por terem grande número de pessoas nessa faixa – a prefeitura da capital gaúcha, por exemplo, espera começar a imunizar professores universitários este mês, além de prever que vá atingir a população no geral com 50 anos ou mais.
Ao mesmo tempo, a prefeitura de Porto Alegre, capital líder nacional na aplicação da segunda dose, também já prevê vacinar plenamente 70% da população, ou 1 milhão de pessoas, em setembro, afirma o diretor da Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), Fernando Ritter.
Ele diz que, se em quatro meses de lenta vacinação, do fim de janeiro a maio, foram cerca de 500 mil pessoas imunizadas, a cidade deverá chegar a 1 milhão de vacinados nos próximos três meses devido ao maior envio de doses.
— Recebemos 120 mil doses no melhor mês (maio). Se o Ministério da Saúde colocar mais em junho e avançar em agosto e setembro com ainda mais doses, dá pra atingir 1 milhão de porto-alegrenses vacinados em setembro, e devemos chegar aos 70% — afirma Ritter.
O Conselho das Secretarias Municipais da Saúde do Rio Grande do Sul e a Secretaria Estadual da Saúde (SES) são um pouco mais conservadores e preveem que, em setembro, a população devem chegar à “quase” imunidade de rebanho.
O receio em cravar o mês se dá porque muitas pessoas receberão apenas em julho e agosto a primeira dose das vacinas da AstraZeneca e da Pfizer – portanto, a segunda aplicação, com intervalo de três meses, ficará para outubro e novembro. Ainda assim, sabe-se que a primeira dose de ambos os imunizantes já confere boa proteção – há estudos apontando até 61% de proteção com a Pfizer e 73% com a AstraZeneca.
O cronograma do Ministério da Saúde prevê 176 milhões de novas vacinas entre julho e setembro. Caso as doses prometidas sejam entregues, o Brasil teria, até setembro, 322 milhões de doses. Para chegar a 70% de vacinados, são necessárias quase 300 milhões de vacinas, mas é preciso lembrar que uma parcela é reservada à segunda dose.
Ministério prevê vacinação total até dezembro
GZH contatou o Ministério da Saúde na tarde desta quarta-feira (2) para comentar sobre a perspectiva de atingir a imunidade de rebanho. A pasta respondeu que "não mede esforços para ampliar a vacinação em todo o país" e que "já enviou aos Estados mais de 100 milhões de doses de vacinas covid-19 e mais de 68 milhões de doses já foram aplicadas". Conforme o ministério, em maio foi batido o "recorde mensal no envio de imunizantes, superando a marca de 33 milhões de doses distribuídas", e em junho "estão previstas aproximadamente 40 milhões de doses".
E complementou: "A pasta destaca, ainda, que já estão contratadas mais de 600 milhões de doses das vacinas covid-19 para serem entregues até o fim do ano. O quantitativo é suficiente para vacinar toda a população brasileira".
Gestores apontam que uma das razões para o avanço é a decisão do Ministério da Saúde de liberar a vacinação da população em geral por faixa etária. Como resultado, agora há duas filas simultâneas: uma dos grupos prioritários e outra dos brasileiros abaixo dos 60 anos. O presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass), Carlos Lula, estimou ao jornal O Globo que a mudança deve acelerar em 10% o ritmo da campanha. Isso porque muitos municípios não têm grande contingente nos grupos prioritários, além de professores. Muitas cidades, por exemplo, não têm bases militares ou quantidade relevante de operários da indústria e de motoristas de ônibus.
Outro fator que explica o avanço da campanha, afirmam gestores, é a entrada da vacina da Pfizer no jogo. De junho até o fim do ano, o imunizante, com 94% de eficácia, será o segundo mais aplicado Brasil, atrás da AstraZeneca e à frente da CoronaVac. A cereja do bolo foi a liberação para armazenar as doses da Pfizer em freezers comuns por até 31 dias, o que permite o uso no Interior, não apenas nas capitais.
— A vacina da Pfizer está relacionada ao avanço da vacinação no país. E isso de poder ficar 31 dias entre 2ºC e 8ºC graus é muito positivo. Se não fosse autorizada a conservação da Pfizer assim, não conseguiríamos atender a essa nova etapa porque nem todos os municípios tinham condições de armazenar no cenário anterior — afirma Maicon Lemos, presidente do Cosems-RS e secretário da Saúde de Canoas.
Retomada de atividades
Quando o Rio Grande do Sul chegar à imunidade de rebanho e controlar a pandemia, seja em setembro ou em outro mês, as mudanças serão gradativas e permitirão uma lenta retomada das atividades, mas a vida não voltará completamente ao normal, prevê Ana Costa, diretora de Atenção Primária e Políticas de Saúde da SES. A economia, ao menos, poderá respirar fora de aparelhos.
— Não vamos acordar e tudo vai estar resolvido. Será um processo até termos essa segurança, esse vírus é novo. Poderemos ter uma tranquilidade maior porque haverá circulação menor de vírus. Possivelmente as atividades econômicas se aproximem mais do normal, mas não poderemos reduzir as medidas não farmacológicas (uso de máscara, lavagem de mãos e distanciamento social) de maneira intensa. Não vai se aglomerar sem controle ou se deixar de usar máscara — diz Ana Costa.
Maicon Lemos sugere olhar para o Reino Unido, onde aglomerações são proibidas e a limitação de público em locais fechados segue firme. Mas ele prevê que o acessório possa ser deixado de lado ao ar livre.
— Sem percalços, devemos chegar a quase 70% da população vacinada em setembro. Teremos de forma clara menos pessoas em leitos de enfermaria e UTI covid, além de menos mortes. Mas vejo 2021 como um ano de uso da máscara e de se evitar aglomerações. Indústria, comércio e outros ambientes precisarão montar ambientes adequados a essa nova realidade de mundo. Talvez a máscara não será exigida em locais de circulação ao ar livre, mas será preciso fazer distanciamento em ambientes com coletividade. Uma reunião administrativa terá teto de 10 pessoas quando poderia caber 30, por exemplo. Ambientes deverão ser mais arejados para retomar com mais tranquilidade — reflete.
Fernando Ritter prevê que, com a imunidade de rebanho, comércios e restaurantes possam elevar a capacidade de ocupação.
— Poderíamos voltar a uma capacidade de ocupação dos espaços maior, retomar eventos. Não vai poder voltar na totalidade, mas talvez voltar todas as atividades econômicas, ao menos parcialmente — afirma o diretor da Vigilância em Saúde da prefeitura de Porto Alegre.