Na sessão realizada nesta quarta-feira (2), a CPI da Covid ouviu a médica infectologista Luana Araújo, que chegou a ser anunciada pelo ministro da Saúde Marcelo Queiroga, no último dia 12, para o cargo de secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, mas saiu do governo em menos de 10 dias, sem sequer ser nomeada. A pasta não explicou o motivo da saída.
Em seu depoimento, Luana frisou mais de uma vez que não há tratamento precoce contra a covid-19 e disse que o Brasil ainda está na "vanguarda da estupidez" em vários aspectos do combate à pandemia.
Abaixo, confira os principais pontos do depoimento:
"Pleiteei autonomia, não insubordinação"
Sobre a escolha de seu nome para a Secretaria de Enfrentamento à Covid-19, ela relatou aos senadores ter dito a Queiroga que só aceitaria o convite se tivesse garantia de autonomia e se fossem respeitadas a cientificidade e a tecnicidade. Disse ainda que o ministro lhe apresentou um projeto sólido, baseado em evidências, "de superação desses obstáculos no contexto brasileiro".
— Pleiteei autonomia, não insubordinação ou anarquia. Precisaria ter autonomia necessária para agir, no que fui prontamente respondida pelo ministro de forma afirmativa e concreta — afirmou Luana.
À CPI, a médica afirmou não saber se os ataques que recebeu por criticar o "tratamento precoce" e defender o distanciamento social estão relacionados ao veto do seu nome para assumir como secretária. Ao comentar sobre o caso, o ministro da Saúde afirmou que além de "validação da técnica", era necessário "validação política" para nomeação.
— Se o veto ao meu nome foi por conta de minha posição científica, técnica e necessária para exercer essa posição, a mim só me resta lamentar. Não sei se foi, mas se foi, considero trágico — disse.
A CPI questionou ainda se Luana havia sido inquirida por alguma pessoa do suposto "gabinete paralelo" de aconselhamento ao presidente na pandemia. Ela negou qualquer contato e disse que ainda que não conheceu ninguém da família Bolsonaro.
"Não existe tratamento inicial da doença"
A infectologista afirmou à comissão que nunca conversou com Queiroga sobre tratamento precoce para a covid-19 enquanto esteve na pasta. Para ela, o Brasil ainda está na "vanguarda da estupidez" em vários aspectos do combate à pandemia, já que continua a discutir questões que não teriam "nenhum cabimento", como o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra o coronavírus.
— Ainda estamos discutindo de qual borda da Terra nós vamos pular — disse, referindo-se à teoria terraplanista.
Luana afirmou mais de uma vez durante seu depoimento que a ciência ainda não conseguiu encontrar um tratamento inicial para pacientes com covid-19. Segundo a infectologista, a comunidade científica tem feito testes, mas até o momento não houve resposta eficaz a um tratamento precoce.
— Não temos nenhuma ferramenta farmacológica para ser usada de forma inicial que impeça evolução da doença — enfatizou a infectologista.
Ela defendeu que o uso de máscaras e o distanciamento social para o combate à pandemia da covid-19 deveriam ter sido adotados desde o começo da disseminação do vírus no país. Ainda em resposta ao senador Marcos Rogério, a médica ainda explicou que medicamentos como a cloroquina não funcionam para tratar a covid-19.
— Não é que a gente não queira que as pessoas tenham acesso, pelo contrário, nossa vida seria mais fácil, perdi amigos, perdi colega de plantão da Fiocruz que era um gênio, morreu salvando a vida das pessoas. Se houvesse oportunidade a gente teria usado. Infelizmente, não tem — declarou a médica.
Segundo a médica, apesar de o Sistema Único de Saúde (SUS) não ter patrocinado a distribuição dos medicamentos do chamado "kit covid", ela aconteceu "fartamente" no território nacional. Para Luana, se os fármacos fossem úteis, o Brasil não teria os números que tem hoje.
Polarização
Durante o tempo em que trabalhou para o governo, a infectologista afirmou que convidou os profissionais mais talentosos de sua área para trabalhar na secretaria, mas que eles não aceitaram por conta da "polarização esdrúxula" e da "politização incabível" do momento. Falando sobre a necessidade de combater a pandemia com medidas técnicas e científicas, Luana afirmou ser "imperativo" que se deixe de lado o que "não presta mais".
— Ciência não tem lado, é bem ou mal feita. É ferramenta de produção de conhecimento pra servir a população. Essa distância ou oposição entre populações e ciência não existe. Ciência deve ser protegida. Vivência de crise sanitária complexa e gigantesca exige resposta multifatorial — disse a médica.
Em outro momento da fala aos senadores que compõem a CPI da Covid, Luana destacou que ciência não é opinião, e sim método. Em resposta ao senador Marcos do Val (Podemos-CE), disse que seus posicionamentos referentes à saúde, expostos durante seu depoimento, são técnicos e condizem com o dos maiores especialistas do mundo.
— Eu não estou aqui sozinha, eu represento uma classe enorme desse país de cientistas muito sérios — afirmou Luana.