A máscara deve continuar no rosto dos brasileiros mesmo que o país esteja avançando na vacinação contra a covid-19. Para especialistas, o Brasil ainda não vive um cenário tranquilo na pandemia, com poucos casos de contágio e muitas pessoas imunizadas, como os Estados Unidos, onde a obrigatoriedade do acessório foi retirada, conforme deseja fazer o presidente Jair Bolsonaro.
Em cerimônia nesta quinta-feira (10), Bolsonaro informou que pediu ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para assinar um parecer desobrigando a máscara para quem se vacinou ou já foi contaminado pelo coronavírus. Em ambos os casos, segundo a médica epidemiologista Jeruza Lavanholi Neyeloff, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, o acessório ainda é importante, pois o Brasil segue registrando uma alta taxa de contágio. Nos Estados Unidos, a obrigatoriedade caiu em maio para algumas situações, depois de os americanos virem a incidência de casos despencar.
— Os Estados Unidos têm registrado menos de 50 casos a cada milhão de pessoas por dia. Baixou muito. Isso dá liberdade para tirar medidas de proteção. Nós, no Brasil, temos uma incidência maior de casos. Temos cerca de 300 novos casos por milhão de habitantes por dia. É cinco vezes mais casos por dia do que os Estados Unidos. Ainda precisamos de todas as medidas de proteção e ainda não é o momento de liberar — pontua.
Bolsonaro nunca escondeu sua contrariedade com a máscara. Diversas vezes foi criticado por circular sem o acessório mesmo em eventos públicos, com aglomeração. Em julho do ano passado, no entanto, sancionou, com vetos, uma lei que tornou o item obrigatório em ruas e lugares públicos, inclusive no transporte coletivo.
Se usada corretamente, a máscara reduz em 87% a chance de contaminação pelo Sars-CoV-2, segundo um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre (SMS).
Médica epidemiologista que participou dos testes, a professora e reitora da UFCSPA Lucia Pellanda diz que o acessório ainda é fundamental porque as infecções estão em um patamar elevado e não temos um número alto de imunizados. No Brasil, 23,3 mil pessoas já tomaram as duas doses da vacina contra o coronavírus, ou seja, 11,1% da população. Nos Estados Unidos, são 43%.
Lucia gosta de fazer uma certa analogia para explicar como a vacina contra a covid-19 funciona em um momento em que a pandemia ainda não foi controlada:
— Se tu vais comprar uma camiseta que custa R$ 10 e o desconto é de 50%, a camiseta vai custar R$ 5. Agora, se tu comprares uma camiseta de R$ 1 mil com o mesmo desconto de 50%, mesmo assim ela vai ficar muito cara. Uma camiseta caríssima mesmo com um superdesconto. A vacina é como um desconto, ela reduz o risco. Só que a gente está num preço muito alto, em que, mesmo com o desconto, temos um risco grande de contágio.
Símbolo de proteção de uma doença que mudou o mundo no último ano, a máscara só deve ser deixada de lado quando houver um equilíbrio entre muitos indicadores.
— Para não usar máscara, precisamos ter menos incidência de casos, menos pessoas internadas. A gente precisa ter a pandemia controlada. Não tem como prometer para a população que será com tal número de vacinados. A gente tem que olhar para os dados. Reduziu casos, número de internados, temos leitos nos hospitais? Vamos começar a levantar restrições para ver se conseguimos manter a pandemia sob controle, e não ao contrário, levantar as restrições e torcer para os casos não subirem — frisa Jeruza.
Vacinados podem circular sem máscara? E quem já pegou coronavírus?
Quem já tomou as duas doses da vacina precisa seguir usando a máscara porque ainda tem chance de se contaminar e de passar o vírus adiante, mesmo que o risco seja baixo, lembra Jeruza:
— O risco dessa pessoa se contaminar é muito menor com a vacina porque a vacina funciona. Só que, como temos muitos casos circulando ainda, muitos infectados, mesmo que essa pessoa tenha risco reduzido, ainda não é zero.
Achar que vai se livrar do vírus porque já se contaminou uma vez é uma ilusão, dizem as duas médicas. A máscara, para o grupo dos que já pegaram a doença mas não se vacinaram, é ainda mais importante do que para quem já tomou as duas doses.
— Segura, barata e protege muito. Por que não usar? Tem culturas, principalmente na Ásia, em que qualquer pessoa com sintoma de doença já põe a máscara para proteger os outros. É um hábito de saúde importante — reflete Lucia.