Ao longo de um ano de existência, o modelo de distanciamento controlado implantado no Rio Grande do Sul mudou tanto quanto a pandemia a que se destina combater.
Se o vírus ganhou variantes e mudou seus padrões de ação, o plano estadual sofreu 11 revisões que também alteraram sua forma de determinar os níveis de gravidade e os protocolos de segurança frente à covid-19 — em média, praticamente uma correção de rumos por mês. No dia 10 de maio, o sistema será substituído de vez por um novo plano que deverá ter critérios de análise mais simples e gestão compartilhada com as prefeituras.
Parte dos ajustes foi justificada pela necessidade de adaptar índices e formas de cálculo a diferentes estágios da pandemia. Quando houve estabilização de internações, por exemplo, foi tolerada uma redução na quantidade de leitos disponíveis com o objetivo de facilitar o atendimento de casos represados de outras patologias.
Quando o descuido com medidas de prevenção e a chegada da variante P.1 sobrecarregaram os hospitais, foi preciso recorrer a salvaguardas que impunham bandeiras preta ou vermelha a todo o Estado se a proporção de leitos livres estivesse muito baixa.
Outras modificações, mais polêmicas, procuraram acomodar pressões de setores políticos ou econômicos, como a possibilidade de prefeituras recorrerem da cor atribuída à sua região ou adotarem restrições mais brandas do que às previstas pela cor indicativa de risco por meio do sistema chamado de cogestão.
A professora de Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do grupo que ajudou a formular o sistema de distanciamento controlado Suzy Camey afirma que a intenção sempre foi contar com um modelo flexível e capaz se de adequar à evolução da doença.
— Lá em maio do ano passado, entendíamos que deveríamos ter um conjunto de indicadores que pudesse sofrer alterações ao longo do tempo em razão do desconhecimento que tínhamos sobre a pandemia, e pelo reconhecimento de que ela tem uma dinâmica complexa. Se tivéssemos um conjunto fixo (de critérios) para todo esse tempo, não funcionaria — argumenta Suzy.
O infectologista Alexandre Zavascki, porém, acredita que muitas mudanças acabaram sendo necessárias por problemas internos do modelo.
— O Rio Grande do Sul abriu mão de pensar para depender de uma fórmula matemática que tem falhas. Por isso tiveram de ser criadas travas para garantir bandeiras vermelha ou preta em situações de alta demanda hospitalar — exemplifica Zavascki.
Para o presidente da Federação das Associações de Municípios do Estado (Famurs) e prefeito de Taquari, Maneco Hassen, as constantes alterações acabaram contribuindo para a perda de credibilidade das regras:
— O modelo foi se modificando e ficando cada vez mais complexo. Não há argumento para essa quantidade de mudanças.
Veja, a seguir, um resumo dos principais ajustes no plano estadual de combate à pandemia ao longo de seu primeiro ano.
2020
Maio
Dia 10 — Lançamento
O governo institui por meio do decreto 5.240 o sistema de distanciamento controlado, com base em indicadores que apontam níveis de risco e sujeitam a diferentes graus de restrições às atividades por região.
Dia 25 — Primeira revisão: novo cálculo para casos confirmados
A forma de mensurar os casos confirmados é revisada. Em vez de monitorar os exames positivos, o que penalizava municípios que faziam mais testes e poderia levar a um desestímulo à testagem, o critério passou a ser a quantidade de hospitalizações por covid-19.
Junho
Dia 15 — Segunda revisão: mudança em indicadores e travas
Mudança no ponto de corte de sete indicadores e em critérios de cálculo para o modelo indicar com mais antecedência o risco de sobrecarga na saúde, como inclusão do número de pacientes em UTIs para projetar o número de óbitos. Também aumentaram as restrições para redução da bandeira: se uma região tivesse cor vermelha ou preta por dois períodos em 21 dias, precisaria ficar pelo menos duas semanas em patamar de bandeira menos grave para voltar a uma cor mais branda.
Dia 20 — Terceira revisão: possibilidade de recurso
Foi criada a possibilidade de os municípios contestarem a cor da bandeira após a divulgação dos resultados preliminares com base em eventuais erros ou em uma análise ampliada sobre o cenário da pandemia na região.
Agosto
Dia 3 — Quarta revisão: ajustes de contagem e pontos de corte
Na contagem dos pacientes em UTI, passou a ser considerado o local de residência do doente e não o de atendimento, para não penalizar locais que recebem transferências. Além disso, três indicadores de velocidade da pandemia foram ajustados para ficarem mais sensíveis a variações, porque já não havia tanto espaço para aumento de hospitalizações como antes, e outros quatro foram flexibilizados em razão do ritmo de avanço da pandemia ter ficado mais lento.
Dia 7 — Quinta revisão: criação de nova Região Covid
Foram desmembrados da área de Porto Alegre 19 municípios das regiões Carbonífera e da Costa Doce. Passaram a formar a 21ª Região Covid, sob o nome da cidade de Guaíba, com a intenção de melhorar a gestão do sistema.
Dia 31 — Sexta revisão: alterações em arredondamentos e travas
Mudança no critério de arredondamento e classificação para que regiões com média equidistante entre duas bandeiras fique com a cor mais branda em vez da mais rigorosa. Também foram eliminadas as travas que exigiam duas semanas em bandeira menos grave para sair das cores preta ou vermelha.
Setembro
Dia 11 — Sétima revisão: alteração nos pontos de corte
Ajuste em ponto de corte para tolerar uma pequena redução de leitos livres, em momento de estabilização de hospitalizações, para permitir um maior atendimento de casos represados não covid. Para ficar em bandeira amarela, por exemplo, era preciso aumentar a quantidade de vagas disponíveis em UTI em uma semana. Pela mudança, passou a ser admitida redução de até 10%.
2021
Janeiro
Dia 1º — Oitava revisão: criação da salvaguarda regional
Imposição de bandeira vermelha ou preta se o indicador regional de hospitalizações por 100 mil habitantes e o de proporção de leitos livres sobre leitos ocupados por covid na macrorregião estiverem muito elevados. A mudança foi necessária porque, quando a capacidade hospitalar está próxima do limite, indicadores de velocidade do avanço da doença e da variação na capacidade de atendimento deixam de medir adequadamente o aumento de demanda.
Fevereiro
Dia 26 — Nona revisão: criação da salvaguarda estadual
Garantia de bandeira preta em todas as regiões do Estado quando a razão de leitos livres por leitos ocupados por covid-19, no Estado como um todo, estiver menor ou igual a 0,35 (ou seja, houver uma grande pressão de atendimento pela pandemia)
Março
Dia 19 — 10ª revisão: inclusão dos testes rápidos
Incluiu os testes rápidos para covid-19, além dos chamados RT-PCR, para confirmar casos da doença, a fim de aumentar a sensibilidade dos indicadores e o conhecimento sobre a circulação do vírus no Estado.
Abril
Dia 27 — 11ª revisão: mudança nas salvaguardas e suspensão da cogestão
A salvaguarda estadual para bandeira preta passou a ser aplicada somente quando há tendência de aumento de internações em duas semanas, e a trava regional foi extinta para esse nível. A cogestão foi suspensa, com decisão de manter a bandeira vermelha até 10 de maio, quando deverá ser apresentado um novo modelo de gestão da pandemia. As alterações permitiram o retorno das aulas presencias — até então impedidas por decisão da Justiça.