O novo modelo estadual de enfrentamento à pandemia, a ser apresentado em 10 de maio, vai deixar de lado as complexas fórmulas matemáticas e estabelecer um novo sistema de gestão compartilhada com os prefeitos para definição dos protocolos sanitários. Segundo o governador Eduardo Leite, é “bem possível” que o sistema de bandeiras que caracterizou o primeiro ano de combate à pandemia seja substituído pela emissão de “alertas” sem definição por cor.
— É bem possível que nós migremos para um modelo em que não haja definição por bandeiras (...). Agora temos muito mais domínio dos dados sobre quando a pandemia está caindo ou crescendo (...). Estamos em nova situação que nos permite novas ferramentas de gestão e que talvez não seja o caso de manter a definição por bandeiras — afirma o governador Eduardo Leite.
O recente impasse judicial sobre a volta às aulas presenciais, impedidas por decisão liminar pelo fato de o Estado estar naquele momento sob a coloração preta, tem influência nessa intenção — que ainda não está oficializada.
— A própria decisão judicial demonstra o equívoco de interpretação que algumas pessoas fazem, inclusive o Judiciário, que se apegou à cor da bandeira para definir a sua própria lógica de distanciamento. Foi uma utilização equivocada do modelo (...). Queremos evitar, nesse novo formato, que se utilize a política de distanciamento para que se construam protocolos diversos do que o governo considera razoável, porque eventualmente alguém faz uma interpretação diferente e muda para cá ou para lá as regras do distanciamento. Queremos dar mais segurança e estabilidade a esse novo formato — explica Leite.
Os estudos em andamento para reformular o monitoramento e as medidas de restrição apontam para a adoção de um sistema em que o código de cores seria substituído por “alertas” destinados a cada região gaúcha. Além disso, as complexas fórmulas matemáticas vigentes hoje darão lugar a parâmetros mais simplificados e de entendimento mais fácil para determinar o grau de risco de cada zona.
Em entrevista a GZH na manhã desta terça-feira (4), o governador Eduardo Leite revelou que os detalhes do novo plano de gestão da pandemia ainda serão definidos, mas confirmou que, em linhas gerais, a ideia é ter critérios sem os atuais cálculos considerados bastante complexos para apurar o avanço da doença e a capacidade de atendimento hospitalar. Parte das informações que sustentariam as futuras análise já é publicada diariamente pelo governo em boletins epidemiológicos e incluem itens como número de novos casos, ocupação de leitos clínicos e de UTI, evolução dos óbitos, entre outros.
— Estamos nas diretrizes iniciais e vamos abrir a conversa a partir de hoje com entidades, como fizemos no início do distanciamento controlado. Um dos caminhos, talvez, seja o de sair das fórmulas matemáticas (...). Agora temos mais de um ano de acompanhamento da pandemia. Temos uma série de dados e informações que nos dão suporte para a tomada de decisão (...). Possivelmente, o que vamos encaminhar é um sistema de gestão do distanciamento, cujo nome também pode ser ajustado diante desse novo momento, que terá uma análise a partir dessa série de dados e informações, mas sem uma fórmula matemática. Olhando os dados desses gráficos e informações e emitindo alertas para cada uma das regiões.
Conforme apurado por GZH, uma das ideias em discussão entre alguns participantes do comitê de dados do governo é privilegiar indicadores que permitam prever com mais antecedência um eventual agravamento da pandemia, como o nível de ocupação de leitos clínicos, em vez de destacar índices mais tardios como a demanda por unidades de terapia intensiva (UTIs). Novos indicadores também poderiam ser incluídos.
A partir da análise desse novo conjunto de informações, segundo a intenção do Piratini, deverão ser apresentados protocolos mínimos para as regiões, mas os prefeitos ganhariam uma responsabilidade ainda mais significativa para ajustar o grau de restrições às atividades do que era permitido por meio da cogestão (que possibilitava a adoção de limitações compatíveis com uma cor de bandeira mais branda por meio de acordo).
— Além de (o modelo) não estar mais atrelado a uma fórmula matemática, mas a uma análise específica da situação de cada uma das regiões em função dos dados mais relevantes e emitindo alertas, vamos chamar uma gestão compartilhada com as gestões regionais, com os prefeitos, que já fazem isso através da cogestão. Mas vão ter um papel mais relevante a partir desses alertas para a definição dos protocolos específicos em cada uma das regiões — completa Leite.
A gestão compartilhada deverá dividir os protocolos sanitários: um conjunto mínimo de obrigações que deverão ser seguidas, e uma parte que poderá ser adaptada conforme o acordo costurado entre os prefeitos de uma determinada região. O Piratini poderá suspender essa flexibilidade quando indicadores apontarem agravamento da pandemia.
— O Estado apresenta protocolos mínimos, mas que são depois ajustados e terão uma parte adaptável, flexível na gestão das próprias regiões, com monitoramento constante do Estado. A qualquer tempo, diante de qualquer tipo de situação, avocar responsabilidades e fazer qualquer tipo de protocolo para o Estado todo ou para uma região em função do que se está observando (...). Prefeitos terão autonomia, mas com necessidade de definição conjunta na região — revela Leite.
Embora esteja prevista a manutenção de uma rotina de avaliação do Estado, como era feito semanalmente pelo distanciamento controlado, a pandemia seria monitorada diariamente e, segundo o governador, a qualquer momento poderia ser determinada uma mudança no nível de alerta.
— Independentemente da rotina que analise e dê alertas, como a emissão de um boletim semanal com a análises e recomendações para as regiões, teremos todos os dias, como já temos, a emissão de boletins que podem fazer com que, a qualquer momento, seja convocada uma região para definir protocolos especificamente.
Especialistas temem que gestão compartilhada perca base científica
Epidemiologista e professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pedro Hallal acredita que a principal regra a ser seguida pelo próximo formato do plano gaúcho é a “despolitização”, ou seja, evitar que avaliações políticas ou com fundo econômico interfiram nas decisões de caráter científico.
Nesse sentido, em um primeiro momento, não viu com otimismo o anúncio de que o novo sistema terá uma “gestão compartilhada” com prefeitos — semelhante à cogestão, que permitia a adoção de regras mais brandas em determinadas regiões.
— Me parece um modelo mais politizado do que o anterior acabou se tornando — crê Hallal.
A professora de Epidemiologia e reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Lucia Pellanda, avalia que a divisão de responsabilidades pode ser positiva por levar em conta as características de cada região, mas recomenda cuidado:
— Um nível de controle central é muito importante porque somos todos interligados.
Sobre as mudanças nas métricas, Lucia avalia que existe sempre um “contrabalanço” entre simplificação e qualidade da decisão baseada em informações.
— Simplificar é bom do ponto de vista da comunicação, mas tenho medo de que as pessoas interpretem como “acabou a pandemia”. Uma parte da população se relacionava muito bem e entendia o modelo de cores como necessidade de cuidados, e isso precisa ser preservado com uma comunicação bem feita para promover engajamento.
O infectologista Alexandre Zavascki afirma que vê com “muito bons olhos” a substituição dos indicadores obtidos por fórmula matemática pela observação de dados mais concretos como ocupação hospitalar:
— Pelo que vi, a ideia é justamente trabalhar com indicadores mais sensíveis e que realmente refletem a evolução das infecções, a velocidade de disseminação (da pandemia), e que não sejam meramente medições da capacidade hospitalar. Fórmulas matemáticas não podem substituir especialistas para avaliar quantitativamente e qualitativamente os indicadores e tendências.
Mas a retirada das fórmulas para o cálculo de bandeiras, na opinião do professor do Departamento de Matemática Aplicada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Álvaro Krüger Ramos compromete a base científica que o distanciamento controlado tinha até hoje.
— Quando o modelo foi lançado, um ano atrás, ele tinha um trunfo: ser objetivo. Discutimos os parâmetros utilizados, os métodos de cálculo, mas ele era objetivo. Dizia o que precisava ser feito quando certas condições fossem atendidas. Antes do modelo, prefeituras fechavam e abriam por pressões políticas de empresários, sem um regramento. O modelo não pode ser subjetivo e sujeito a pressões políticas. O que parece é que a intenção do governador é deixar mais subjetivo, o que seria uma derrota muito grande para o combate à pandemia. Se o governo quer fugir de fórmulas matemáticas, como quer dar critérios técnicos? — diz o matemático.
Parte dos integrantes do comitê científico, grupo de cientistas independentes que aconselha o governo na condução da pandemia, se sentiu desmotivada com as mudanças e avalia que o governador Eduardo Leite ficou isolado ao impor normas duras depois que o então prefeito de Porto Alegre Nelson Marchezan, mais aberto a adotar restrições, foi substituído por Sebastião Melo, que fez campanha prometendo evitar o fechamento da economia.
— O Melo mudou muito o equilíbrio de forças. Empresários começaram a elogiar muito ele — diz. — Hoje, a polarização é tanta que posturas "conciliadoras" acabam sendo isoladas — afirma a fonte.
*Colaborou Marcel Hartmann