No mês em que as internações por covid-19 dispararam e ampliaram ainda mais a carga de trabalho dos profissionais da saúde, os hospitais do interior do Rio Grande do Sul também passaram a se deparar com a falta de medicamentos básicos para procedimentos de entubação de pacientes. Um dos casos emblemáticos é o do Hospital de Caridade de Ijuí (HCI), no Noroeste, que está com estoque limitado de sedativos a serem administrados na unidade de terapia intensiva (UTI).
Com oito medicamentos utilizados na UTI fora de estoque na semana passada, a instituição de referência na região, que atende 120 municípios, passou a acionar o chamado "protocolo de catástrofe", que estabelece procedimentos alternativos diante da falta de insumos. É o último estágio antes do colapso total.
Atualmente, todos os 40 leitos de UTI adulto do hospital filantrópico estão ocupados, sendo que 38 com pacientes de covid-19. Outros 21 pacientes com coronavírus são atendidos em leitos clínicos. Os 40 respiradores disponíveis estão sendo utilizados no momento.
A instituição emitiu uma circular ao Ministério Público e às autoridades municipais e estaduais comunicando a situação de catástrofe. A chegada de remessas pontuais de medicamentos atenuou a situação de alguns itens nos últimos dias, mas novamente há sedativos perto de acabar.
O cenário no hospital é de estoques esvaziados e, com a demanda aquecida no mercado, há dificuldade em encontrar produtos. Mesmo com pagamento à vista, o HCI não consegue repor sedativos junto aos fornecedores na velocidade considerada ideal para a atual demanda.
Assim, geladeiras que deveriam estar repletas de ampolas estão praticamente vazias. Alguns itens têm disponibilidade para menos de 24 horas, outros conseguirão ser administrados para 10 a 20 dias, no máximo.
O caso mais crítico é o do brometo de rocurônio, um bloqueador neuromuscular crucial nos procedimentos de entubação. Nesta terça-feira (30), as últimas 67 ampolas deverão se esgotar. A demanda mensal chega a 4 mil ampolas.
Diante do cenário, o médico intensivista e presidente do hospital, Douglas Uggeri, aponta que a saída tem sido racionar o uso do remédio quando possível ou substituí-lo por outros sedativos. Entre as alternativas utilizadas estão opioides, como xilocaína, e clonidina.
Na semana passada, o hospital investiu R$ 370 mil para importar 10 mil ampolas de brometo de rocurônio dos Estados Unidos, em meio à falta de opções no Brasil. No entanto, a carga só deve chegar em duas semanas.
— Em vários pacientes estamos usando tratamentos alternativos. Não é o ideal, mas a gente faz o que tem. O ideal seria o plano A, mas, se não tem, faz o B. E se também não tem, faz o C. Mas está começando a não ter nenhum, de tanto que usamos (os sedativos) — diz Uggeri, ressaltando que, sem sedativos, o trabalho na UTI é inviável.
Não é o ideal, mas a gente faz o que tem.
DOUGLAS UGGERI
Presidente do hospital
Diariamente na linha de frente do combate à covid-19, Uggeri assumiu o comando do hospital no início de março, após o então presidente falecer em decorrência do coronavírus. No momento, um dos membros da diretoria também está entre os entubados na instituição.
O presidente do HCI ressalta que, apesar das dificuldades, nenhum paciente está desassistido. O risco de falta de ventiladores, que pairava nos últimos dias, foi contornado com a chegada de dois novos equipamentos.
Além da escassez de produtos, a farmacêutica coordenadora do HCI, Marga Karlinski, relata que outra dificuldade é conseguir os medicamentos com valores acessíveis. Os preços praticados pelos fornecedores estão subindo rapidamente, devido à elevada procura. Há casos de sedativos que passaram a custar de R$ 9 a R$ 150 por ampola, entre janeiro e março.