No Brasil, multiplicam-se notificações de hospitais que registram falta de medicamentos usados durante o período de entubação de pacientes com covid-19 em unidades de terapia intensiva (UTI). No Rio Grande do Sul, o cenário requer muita atenção, mas não é de escassez total. Em instituições de 10 municípios gaúchos contatados por GZH, não há falta de fármacos, mas a grande maioria relatou algum tipo de problema de fornecimento e/ou forte redução de estoque.
A queixa dos gestores de hospitais vem na esteira de uma série de sinalizações do setor sobre o perigo de carência desses remédios, que são cruciais para manter o conforto daqueles que estão entubados. Na última semana, a Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp) divulgou uma carta assinada por 118 instituições em que solicitava ao Ministério da Saúde a urgente adoção de medidas frente ao risco de falta de remédios do chamado kit entubação.
Na terça-feira (23), GZH noticiou que a Santa Casa de São Gabriel, na Fronteira Oeste, e a Associação de Caridade de Ijuí, no Noroeste, chegaram ao limite e não sabiam até quando conseguiriam manter os pacientes de UTI entubados. Nesta quarta, A Associação de Caridade de Ijuí seguia enfrentando a falta de sedativos, e tem utilizado medicamentos alternativos para manter os pacientes com o mínimo de conforto possível para seguir com a entubação. O presidente do hospital, Douglas Uggeri, revelou que a demanda dos pacientes com coronavírus é superior àqueles que não estão com a doença.
— Para manter um paciente com a covid recebendo oxigênio, precisamos dos sedativos para fazer a entubação. A demanda desses pacientes pelos medicamentos e por oxigênio chega a ser 10 vezes superior ao que víamos anteriormente — afirmou o presidente.
Veja a situação nos municípios consultados:
Porto Alegre
Na comparação com outros hospitais, especialmente do Interior, o estoque de sedativos para entubação no Grupo Hospitalar Conceição (GHC), em Porto Alegre, tem folga, com duração entre 15 a 30 dias, conforme o produto. Francisco Paz, diretor técnico do GHC, ressalta, porém, que é preciso manter a atenção e as medidas da fase 4 de contingenciamento (saiba mais sobre este assunto abaixo) já tomadas.
— O vírus está fora de controle. E isso nos obrigou a colocar, aproximadamente, 90% da nossa estrutura voltada para o atendimento de casos suspeitos e confirmados de covid. Suspendemos atendimentos ambulatoriais, cirurgias eletivas, entre outros. Essa alta demanda de pacientes requer o uso de sedativos porque muitos pacientes ficam muitas semanas entubados. Nosso estoque está, razoavelmente, bom. Entretanto, estamos buscando alternativas, caso venha a faltar um ou outro medicamento — pondera.
Para tentar evitar a falta de fármacos, o GHC fez um acordo internacional de aquisição de remédios, compra por meio de recursos próprios e solicitou medicamentos via Ministério da Saúde e Secretaria Estadual da Saúde.
— Muitos hospitais do Interior estão em alerta máximo. Estamos atentos a esse problema porque temos um indicativo de escassez em função da demora dos fornecedores. Em relação a fármacos usados para entubação, temos estoque para 30 dias para a maioria deles e alguns para os próximos 15 dias — diz o diretor-técnico do GHC.
A Santa Casa de Misericórdia informou que "assim como todos os hospitais, está atenta à questão e neste momento dispõe de uma condição mínima necessária destes recursos, a fim de garantir o atendimento adequado aos seus pacientes".
Alvorada
A prefeitura de Alvorada, na Região Metropolitana, informa que a unidade de saúde da região "ainda não teve falta de medicação do kit entubação, mas está com dificuldades de reposição em função da alta nos valores dos medicamentos. São eles os sedativos Midazolam e Fentanil".
Canoas
De acordo com o secretário municipal da Saúde, Maicon Lemos, Canoas ainda não registra falta de medicamentos do kit entubação, mas a situação é de alerta. Por isso, a prefeitura encaminhou dois ofícios, este mês, ao Ministério da Saúde para solicitar equipamentos e insumos para os três hospitais da cidade.
O primeiro documento foi enviado em 10 de março e solicitava habilitação de leitos de UTI covid, concessão de respiradores e bombas de infusão e fornecimento de medicamentos sedativos e neurobloqueadores, entre eles atracúrio, cetamina, fentalina, midazolam, morfina, noradrenalina, propofol e rocurônio.
O segundo, encaminhado em 17 de março, alertava sobre a dificuldade na aquisição de sedativos e neurobloqueadores do kit entubação.
— Os estoques estão se encaminhando para um nível de atenção — ressalta.
Na terça-feira (23), o governo do Estado distribuiu, com o apoio do Exército, um lote de medicamentos para dois hospitais do município. Foram disponibilizados 2,4 mil frascos de Fentalina 10 ml para o Hospital Universitário, enquanto o Hospital de Pronto Socorro recebeu 1,9 mil doses.
Venâncio Aires
O Hospital São Sebastião Mártir, em Venâncio Aires, no Vale do Rio Pardo, não registra falta de sedativos, contudo o estoque está baixo. Dos oito medicamentos listados pela instituição e que estão com estoque crítico, somente dois têm previsão de reposição. Da lista, dois fármacos apresentam reserva para somente mais um dia.
Fernando Siqueira, diretor do hospital, afirma que a entidade adaptou os protocolos e combina dois ou três medicamentos para substituir o que falta:
— Então isso alivia, às vezes, o estoque. Isso tem acontecido todos os dias, nós temos um desabastecimento muito importante nesses medicamentos e temos buscado alternativas das maneiras mais variadas possíveis, com a esperança de que elas não se esgotem. Não é o caso de os pacientes estarem tendo algum tipo de sofrimento pela falta desses medicamentos, mas nós não estamos trabalhando no padrão ouro desses pacientes.
Além da falta de insumos, há preocupação com a estrutura das instituições. Para Siqueira, não será possível manter a dimensão dos atendimentos que ocorreram atualmente.
— Nossos equipamentos estão funcionando 24 horas, sem qualquer possibilidade de manutenção, a tubulação do hospital nunca havia sido tão exigida como agora. Meu medo, além da falta de insumos, é que nós não consigamos manter esse nível de atendimento por mais duas ou até três semanas — desabafa.
Santa Rosa
O Hospital Vida e Saúde, em Santa Rosa, no Norte do Estado, apresenta estoque limitado desses remédios. Segundo o hospital, para tentar contornar a situação “os protocolos foram alterados, buscando a substituição de alguns medicamentos, sem prejudicar o tratamento ao paciente”. No comunicado, a instituição diz ainda que busca viabilizar a aquisição dos fármacos por rotas alternativas, mas que estão “muito preocupados com o aumento do consumo em função do número de pacientes com ventilação mecânica nas UTIs, e também nos preocupa muito o aumento substancial do custo dos medicamentos neste momento”.
Erechim
Em Erechim, também no Norte, de acordo com a prefeitura, o Hospital Santa Terezinha e o Hospital de Caridade “por enquanto, não apresentam falta de medicamentos”.
Lajeado
A prefeitura de Lajeado, no Vale do Taquari, informou que “não há falta de medicamentos nos hospitais do município neste momento, mas a situação é preocupante”.
Passo Fundo
O Hospital de Clínicas de Passo Fundo enviou nota afirmando que "no momento não há falta de nenhum medicamento, porém estamos sem previsões de entrega de Midazolam, Propofol e todos os relaxantes musculares centrais, como Atracúrio, Rocurônio, entre outros". A instituição destaca que esses medicamentos "não estão disponíveis no mercado há mais de duas semanas e a requisição feita pelo Ministério da Saúde impossibilitou a entrega de pedidos que estavam em andamento". E completa: "A falta desses medicamentos pode comprometer a assistência ideal aos pacientes, mas cabe ressaltar que nesse momento estamos realizando todas as rotatividades de drogas possíveis para aguentar esse período crítico de fornecimento".
Pelotas
O cenário preocupante também é visto na Santa Casa de Pelotas e no Hospital Beneficência Portuguesa. O Hospital São Francisco de Paula está com estoque dentro da normalidade.
Rio Grande
Na Santa Casa de Rio Grande, a situação também é considerada preocupante. O Hospital Universidade Dr. Miguel Riet não respondeu à reportagem até a publicação desta matéria.
O que diz entidade representativa dos hospitais do RS
A Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde do Rio Grande do Sul (Fehosul) aponta, por meio de nota, que os hospitais gaúchos que têm UTI covid “seguem com os seus estoques do chamado kit entubação em estado crítico”. Além disso, a entidade pontua que determinados hospitais “apresentam margem de abastecimento para até cinco dias, outros para sete e, um pequeno grupo, para até 10-12 dias”.
A Fehosul assinala que, além da falta de medicamentos, outro fator de preocupação é a alta nos valores dos fármacos. “O aumento dos preços também é uma preocupação geral do setor hospitalar. Há relatos de aumento dos preços em mais de 1.000%.”
GZH indagou quais instituições apresentam estoques nesta situação, mas foi informada de que a direção da entidade não tem autorização para revelar os nomes dos hospitais.
O que é a fase 4 de contingenciamento
Em função do exponencial aumento da ocupação dos leitos de UTI no Rio Grande do Sul, hospitais gaúchos vivem, desde 25 de fevereiro, o mais severo grau de contingenciamento das suas atividades, a fase 4. Ao se entrar nesta etapa, é decretada a suspensão imediata das cirurgias eletivas – as de urgência ou que representem risco para o paciente são mantidas –, é exigido que sejam instalados leitos emergenciais em salas de recuperação e em UTIs intermediárias, entre outras medidas. Ou seja, é demandado que qualquer espaço para atendimento nas instituições seja voltado para tratamento da covid-19. Portanto, não é somente a escassez de fármacos nas unidades de saúde que faz essa etapa ser deflagrada. A falta de sedativos é consequência da alta de internações.
Francisco Paz, diretor técnico do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), explica que a escassez de medicamentos é um dos elementos que compõem a ida para o estágio 4 de contingenciamento:
— Por exemplo, agora, no GHC, estamos com irregularidade de entrega de alguns fármacos. A questão é que o medicamento não é o ponto central para determinar a deflagração da fase 4. Pode-se ter os medicamentos e, mesmo assim, se estar nessa fase, porque ela diz respeito a uma série de fatores, principalmente, a demanda de internação.
Paz pontua ainda que as diretrizes estaduais servem de guia para que os hospitais formulem seus próprios planos de contingenciamento. O GHC, por exemplo, criou suas regras e também já se encontra na etapa 4 do plano. Assim como previsto pelo regulamento estadual, o conglomerado de hospitais dedica praticamente todos seus esforços para atender pessoas com coronavírus.
O que diz o Ministério da Saúde, por meio de nota:
"O Ministério da Saúde começa a entregar, a partir desta terça-feira (23/03), mais de 2,8 milhões de unidades de medicamentos de intubação orotraqueal (IOT) para todo o Brasil, em parceria com três empresas fabricantes. As entregas foram firmadas após reuniões entre a pasta e representantes dos laboratórios fornecedores dos medicamentos nesta segunda (22/03) e terça-feira (23/03).
A empresa Cristália comprometeu-se a fornecer 1.260.000 unidades de medicamentos — as entregas já começaram nesta terça e devem continuar ao longo dos próximos sete dias. A empresa Eurofarma entregará, a partir da data de hoje, 212 mil ampolas em todo território nacional. A empresa União Química também enviará, até o dia 30 de março, 1.400.000 unidades de medicamentos.
A logística híbrida com a integração pública e privada permitirá que os medicamentos estejam nos estabelecimentos de saúde em menos de 72 horas.
O cronograma de entregas é feito pelo Ministério da Saúde com base no monitoramento realizado nos estados e municípios, em parceria com Conass, Conasems e Anvisa."