Nesta quarta-feira, 10 de março, faz um ano a confirmação do primeiro caso de coronavírus no Rio Grande do Sul. No meio dos incontáveis números e histórias do ano que passou, GZH selecionou personagens marcantes retratados ao longo de 2020. Agora, eles nos contam como estão um ano depois, o que mudou nas suas vidas e como eles enxergam o período atual de crise na saúde. Conheça a história do intensivista Luciano Marini, 49 anos, o voluntário da vacina CoronaVac que recebeu a primeira dose em Porto Alegre.
Oito de agosto de 2020. Diante de uma dezena de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas, o médico intensivista Luciano Marini, 49 anos, recebia, no braço direito, a primeira aplicação de uma substância que fazia parte do estudo que avaliou a segurança e a eficácia da vacina contra a covid-19 desenvolvida pela chinesa Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo. Como foi um trabalho duplo-cego, nenhuma das partes envolvidas — voluntário e aplicador — sabia qual o conteúdo estava sendo administrado, se placebo ou imunizante. Pouco mais de cinco meses depois dessa data, Marini foi comunicado sobre o conteúdo da injeção.
— Recebi a notícia de que realmente tinha sido vacinado no dia em que abriram o cegamento do estudo, em 20 de janeiro de 2021, no centro de pesquisa do Hospital São Lucas da PUCRS — comemora o, então, primeiro vacinado com a CoronaVac do Estado.
— Foi um sentimento de muita alegria e, ao mesmo tempo, de gratidão a todos os cientistas e toda equipe de pesquisa que trabalhou de modo incansável para que tivéssemos uma vacina segura, eficaz e em tempo recorde — completa.
Na época em que inaugurou o estudo no Estado, a situação da pandemia era outra. Para se ter uma ideia, só em Porto Alegre, o número de leitos de UTIs ocupados por casos confirmados de coronavírus era de 324. Nesta terça-feira (9), havia 726. Ainda que o cenário fosse diferente, Marini contou à Rádio Gaúcha que um dos motivos pelo qual decidiu ser voluntário foi ver o sofrimento dos pacientes infectados longe de suas famílias.
Hoje, com a explosão no número de casos, esse afastamento castiga ainda mais os profissionais da saúde, familiares e pacientes com covid-19.
— Acho que o mais difícil mesmo continua sendo lidar com o sofrimento dos pacientes. Quando estão lúcidos, começam a deteriorar rapidamente e precisamos entubá-los. Explicamos que ficarão sedados por alguns dias até o pulmão melhorar, mas eles sabem que estão muito ruins e que estamos usando o último recurso disponível. Então, muitos escrevem cartas para a família e, sempre que possível, fazemos uma chamada de vídeo antes deles serem entubados, o que leva todo mundo às lágrimas. Muitas vezes é a despedida de uma trajetória juntos. É muito triste mesmo — lamenta.
Dividido entre as UTIs do Pronto-Socorro e do São Lucas, e mais alguns plantões noturnos, os poucos dias de folga são valorizados ao máximo. Quando pode, Marini busca refúgio na casa de praia, no entanto, conta, não consegue se desligar por completo. Sempre tem em mente o sofrimento dos pacientes e a sobrecarga dos colegas.
Nesse um ano de covid-19, os momentos difíceis se acumulam. Mas gestos simples ainda mantêm o fôlego do médico, voluntário e vacinado.
— O mais difícil é aceitar a morte de tantos pacientes. Fomos treinados para salvar vidas e deparamos com uma doença totalmente desconhecida, sem nenhum tratamento eficaz e com uma mortalidade altíssima. Difícil aceitar que, mesmo com os hospitais lotados, profissionais da saúde esgotados física e mentalmente, ainda existam pessoas que neguem a doença e continuem se aglomerando, sem seguir as orientações recomendadas de isolamento, higienização das mãos e o uso de máscara — sentencia.
— Contudo, o mais gratificante é quando um paciente que ficou na UTI retorna para nos visitar com um sorriso no rosto. Essa homenagem de carinho, gratidão e reconhecimento não tem preço — conclui.