No próximo mês, um medicamento que pode ser o primeiro capaz de retardar a progressão da doença de Alzheimer será avaliado pela Food and Drug Administration (FDA), agência que regula os medicamentos nos EUA. Em caso de aprovação, o aducanumabe, das farmacêuticas Biogen e Eisai, abrirá uma nova era a 35 milhões de pessoas já identificadas com a enfermidade. Só no Brasil, o Ministério da Saúde estima a existência de 1,2 milhão de casos, muitos sem diagnóstico. Para conscientizar a população, Alzheimer, lúpus e fibromialgia são doenças lembradas pela campanha Fevereiro Roxo.
A última aprovação de um tratamento contra Alzheimer ocorreu em 2003, quando foi lançada a memantina, que alivia os sintomas nas fases moderada e grave. Desde então, mais de 240 moléculas diferentes foram testadas e consideradas sem eficácia. Hoje, as quatro medicações disponíveis ajudam apenas no controle dos sintomas e reduzem a velocidade de sua progressão, mas são ineficazes nos casos avançados. Em caso de aprovação do aducanumabe, o medicamento poderia chegar ao Brasil em 2022, pelas previsões dos fabricantes.
Identificado pela perda de funções cognitivas (memória, orientação, atenção e linguagem), o Alzheimer é degenerativo e considerado um dos tipos de demência mais comuns. Segundo o neurologista Lucas Schilling, pesquisador do Instituto do Cérebro do Estado (Inscer) e coordenador do Ambulatório de Neurologia Cognitiva do Hospital São Lucas da PUCRS, um dos principais fatores de risco é a idade.
– A doença tem um impacto gradual na perda de autonomia e memória. Isso é causado por um processo biológico, que se dá pelo acúmulo de duas proteínas no cérebro, a Tau e a Beta-amiloide. Inicialmente, elas se instalam nas regiões que têm como função a formação de memórias recentes. Com o tempo, se espalham pelo cérebro. A pessoa começa com um esquecimento sutil, que vai aumentando – explica o especialista.
O diagnóstico é feito a partir do histórico das manifestações do paciente, do relato dele e de familiares. Também são realizados testes cognitivos, laboratoriais e de neuroimagem. Em estudos sobre a doença, relata Schilling, os pesquisadores usam biomarcadores, exames que avaliam o acúmulo das proteínas e a severidade do Alzheimer.
Uma maneira de retardar a doença é por meio da estimulação cognitiva – e isso desde a infância. De acordo com a Associação Brasileira de Alzheimer, pessoas com histórico de complexa atividade intelectual tendem a desenvolver os sintomas da doença somente no estágio mais avançado. Isso porque, quanto maior o estímulo cerebral, maiores são as conexões entre as células nervosas (os neurônios) e ampliam-se as chances de contornar as lesões.
O neurologista e professor da UFRGS Raphael Castilhos enfatiza que os estudos usando a abordagem multimodal, com o objetivo de antecipar o aparecimento de demência, estão ganhando espaço. É uma associação do enfrentamento da doença por meio do tratamento rigoroso de fatores de risco vasculares (como hipertensão, diabetes e tabagismo), ao aumento da atividade física, ao acompanhamento nutricional e ao treinamento cognitivo. Essa abordagem, esclarece Castilhos, ainda está em estudo na América Latina, mas já mostrou benefícios em outras regiões.
Temos mais conhecimento do que é a doença do que em décadas anteriores, temos instrumentos para perceber o que ocorre antes do quadro se agravar e já há tratamento (para amenizar a progressão). Estamos avançando.
LUCAS SCHILLING
Neurologista
No início de fevereiro, o cantor Tony Bennett, 94 anos, revelou que luta contra o Alzheimer desde 2016 com tratamento que vai além dos remédios. O artigo publicado na revista da ONG American Association of Retired Persons (AARP) indica que, para frear a doença, Bennett tem associado a medicação a uma rotina de exercícios físicos e à dieta. Conforme o neurologista do cantor, Gayatri Devi, a música emerge de um lugar do cérebro distinto daquele associado à fala e à linguagem. Por isso, o artista segue trabalhando como forma de terapia.
Por ainda não existirem medicações que interrompam a progressão da doença, o Alzheimer tem tratamento baseado em educação e manejo das manifestações clínicas, assinala Castilhos. Dessa forma, salienta, os aspectos não farmacológicos do tratamento são mais importantes do que uso dos quatro medicamentos disponíveis.
– A orientação dos familiares é de extrema importância – sinaliza o médico.
Para Schilling, a perspectiva quanto ao desenvolvimento de terapias mais efetivas é positiva:
– Temos mais conhecimento do que é a doença do que em décadas anteriores, temos instrumentos para perceber o que ocorre antes do quadro se agravar e já há tratamento (para amenizar a progressão). Estamos avançando.
A evolução das fases da doença
A doença pode ser dividida em três fases, segundo o neurologista Raphael Castilhos, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Castilhos frisa que não existem marcos definindo cada fase, pois é um processo lento e progressivo de perda de capacidade funcional causada pelas alterações cognitivas.
- Fase leve – Apesar de apresentar dificuldades em muitas tarefas, o paciente pode ainda funcionar de forma independente. Manifestações comuns nessa fase são dificuldades em lembrar-se de nomes ou da palavra mais apropriada durante uma conversa, dificuldades em realizar tarefas mais complexas, especialmente as que exijam planejamento, ou realizá-las de forma mais lenta ou incompleta, esquecer rapidamente um conteúdo lido ou uma informação que recebeu. Nem sempre os familiares percebem e, por isso, o diagnóstico não é realizado.
- Fase moderada – Em geral, é a mais longa. O paciente tem dificuldades maiores em atividades corriqueiras e pode apresentar irritabilidade, agressividade, apatia e delírios. A linguagem fica cada vez mais comprometida, fazendo com que não consiga dizer o que sente de forma compreensível. Manifestações comuns nessa fase são esquecer eventos recentes ou informações sobre sua história pessoal (como em que colégio estudou e endereços onde morou), ficar desorientado no tempo (não saber o dia ou o mês) ou no espaço (não saber onde está ou como foi parar em determinado lugar, podendo se perder), demonstrar dificuldade em escolher a roupa mais apropriada para a estação ou ocasião. Pode ainda apresentar comportamentos motores aberrantes, como andar de um lado para o outro sem motivo ou abrir e fechar gavetas. Nessa fase, também começam a aparecer dificuldades no controle de esfíncteres e também da urina.
- Fase grave – O paciente perde a capacidade de responder a estímulos do ambiente. Além disso, o controle dos próprios movimentos fica prejudicado até o ponto de permanecer acamado. Nessa fase, o paciente necessita de cuidados contínuos e torna-se vulnerável a infecções, especialmente pneumonia, que em geral é o que o leva à morte.
Fique atento aos principais sintomas
- Esquecimento – Se a perda de memória recente for frequente e interferir na rotina, pode ser sinal de alerta para procurar ajuda profissional. Entre os exemplos, estão repetir várias vezes a mesma pergunta ou história, esquecer a torneira aberta, não lembrar datas ou o nome das pessoas e deixar queimar a comida. É preciso investigar outras doenças ou condições que também possam causar comprometimento de memória.
- Alterações na capacidade de calcular e planejar – O paciente pode apresentar dificuldades para desenvolver planos de ação, seguir instruções de manuais, receitas, manter o controle das contas e se concentrar.
- Problemas ao executar tarefas – Surgem erros frequentes ao cozinhar, fazer compras, dirigir, aplicar regras de um jogo ou realizar a própria higiene.
- Desorientação – Perda de noção do tempo (datas, estações do ano) e de espaços comuns na rotina (como o endereço de casa).
- Falhas de percepção visual – Dificuldade de leitura, de reconhecer cores e imagens e calcular distâncias.
- Problemas com a linguagem – Esquecimento ou substituição de palavras simples (exemplo: carteiro por entregador de papel), dificultando a compreensão.
- Facilidade em perder objetos – A pessoa pode colocar objetos em lugares incomuns e não encontrá-los mais.
- Comprometimento da capacidade de julgar – O mau uso do dinheiro, a forma de se vestir (vestindo várias camadas de roupas em um dia quente e roupa muito leve em um dia frio) e parar com seus hábitos de higiene pessoal são sinais importantes.
- Isolamento – Há tendência a evitar o convívio social, deixar de fazer o que gosta e inclusive ir ao trabalho e dormir mais.
- Mudanças de humor – O paciente pode ficar confuso, medroso desconfiado, ansioso, desinibido demais, indo do riso ao choro sem motivo aparente.
Os fatores de risco para o Alzheimer
O principal fator de risco para doença de Alzheimer é a idade. Entretanto, a velhice, por si só, não é suficiente para causar a doença. Ela raramente tem origem genética. Manifesta-se sobretudo em pessoas que apresentam:
- Perda auditiva
- Traumatismo craniano
- Hipertensão
- Tabagismo
- Diabetes
- Consumo excessivo de álcool
- Obesidade
- Isolamento social
- Escolaridade baixa
- Pouca atividade física
- Poluição do ar
Você sabia?
O nome da doença refere-se ao médico Alois Alzheimer, o primeiro a descrevê-la, em 1906. Ele estudou e publicou o caso da sua paciente Auguste Deter, uma mulher saudável que, aos 51 anos, desenvolveu um quadro de perda progressiva de memória, desorientação, distúrbio de linguagem (com dificuldade para compreender e se expressar), tornando-se incapaz de cuidar de si. Após a morte de Auguste, aos 55 anos, Alois Alzheimer examinou o cérebro dela e descreveu as alterações que são conhecidas até hoje como características da doença.
Fontes: Instituto Alzheimer Brasil (IAB) e Alzheimer’s Disease International (ADI)