O Rio Grande do Sul ultrapassou a marca de 10 mil mortos por coronavírus, nesta terça-feira (19), antes do que apontavam previsões matemáticas. Mais do que nunca, o Estado precisará manter medidas preventivas, mesmo com o início da vacinação contra a covid-19, ocorrido na noite de segunda-feira (18), para não agravar essa situação nos próximos meses. A Secretaria Estadual da Saúde (SES) contabiliza 10.051 vidas perdidas para o vírus desde o início da pandemia.
Na avaliação de especialistas, a quantidade limitada de imunizantes e o tempo necessário para as vacinas fazerem efeito em grande escala deverá manter um ritmo de mortes ainda significativo pelo menos no primeiro semestre deste ano. Por isso, não é possível abrir mão de medidas como distanciamento social e uso de máscaras.
O patamar de 10 mil vidas perdidas para o vírus foi superado antes do que estimava até o mês passado o modelo matemático do Instituto de Métricas e Avaliação da Saúde (IHME) da Universidade de Washington, nos EUA. Uma projeção realizada com base em dados observados até 17 de dezembro apontava que o Estado somente cruzaria esse marco no dia 26 de janeiro. A confirmação acabou ocorrendo uma semana antes, em um sinal do agravamento da pandemia desde então. Os cálculos do IHME foram atualizados em 10 de janeiro, e as estimativas mais recentes sugerem que o Estado poderia chegar a 12,4 mil óbitos até o início de maio.
Especialistas em epidemiologia e imunização consideram que a chegada das vacinas é uma excelente notícia diante desse cenário, mas confirmam o alerta: a pandemia deve manter o impulso, no mínimo, ao longo do primeiro semestre deste ano. Resultados substanciais devem aparecer em prazo mais longo.
— A vacina é uma arma poderosa, mas não terá surtido muito efeito até o final do primeiro semestre, pelo menos. Talvez leve o ano inteiro para chegarmos à imunidade coletiva, já que precisa abranger de 60% a 80% da população — observa o epidemiologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Petry.
A imunologista Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro do comitê científico da Sociedade Brasileira de Imunologia, lembra que nenhum estudo avaliou o impacto dos novos imunizantes sobre a capacidade de transmissão da covid-19 — ou seja, a possibilidade de que um vacinado não desenvolva sintomas, mas passe o coronavírus adiante.
— Ninguém mediu o efeito sobre a transmissão porque os participantes teriam de ser monitorados semanalmente e, nesse momento de crise, o que precisamos é proteger as pessoas. A vacina contra covid não terá o efeito esperado se não mantivermos cuidados como distanciamento, uso de máscaras e lavagem das mãos — afirma Cristina.
Ela sustenta que seria necessário pelo menos um mês para duas doses da maior parte dos imunizantes fazerem impacto no sistema imunológico e para começar a se perceber uma possível redução na quantidade de hospitalizações e mortes entre os primeiros vacinados — profissionais da saúde, idosos e indígenas. Mas é pouco provável uma queda brusca.
— No primeiro mês, não deveremos ver nada. A partir daí, poderemos começar a perceber alguma coisa — diz a imunologista.
Israel é um bom exemplo da dificuldade para inverter a curva da epidemia. Os israelenses começaram a imunização dia 20 de dezembro e aplicaram 30 doses para cada cem habitantes até essa terça-feira. Ainda assim, a média móvel de óbitos nos sete dias anteriores ficou em 49 vítimas, contra 29 duas semanas antes. Ou seja, a mortalidade seguia elevada.
As estimativas do IHME indicam que, nesse momento inicial da vacinação, o uso generalizado de máscaras ainda seria mais eficiente do que a aplicação das doses para reduzir o número de mortos. As possíveis 12,4 mil vítimas previstas até 1º de maio, conforme a Universidade de Washington, poderiam ser reduzidas para 12,2 mil com um "avanço rápido" da imunização — mas o uso massivo e correto da proteção facial faria essa cifra recuar para 11,6 mil.
Por isso, é fundamental manter estratégias como restrição à circulação de pessoas, distanciamento social e uso de máscaras. Já a ferramenta de análise da pandemia desenvolvida pelo Instituto de Informática da UFRGS, que se baseia na tendência demonstrada nas semanas anteriores e é atualizada diariamente, aponta que os gaúchos poderiam somar 11,9 mil óbitos até o dia 17 de fevereiro.
— O programa nacional de imunização prevê 16 meses de duração. Então deveremos ter um primeiro ano ainda com surtos, em um cenário muito dinâmico — afirma o epidemiologista e gerente de Risco do Hospital de Clínicas, Ricardo Kuchenbecker.