Uma análise estatística mostra que nos últimos 14 dias a capital gaúcha tem, proporcionalmente, ritmo de mortes pior do que França e Espanha, onde lockdowns começam a ser aplicados.
Comparada a países europeus, Porto Alegre ficaria na zona das nações com mais vítimas nas últimas duas semanas, de forma proporcional ao tamanho da população. São 5,2 mortes diárias a cada 1 milhão de habitantes, atrás apenas de República Tcheca e Bélgica.
O Rio Grande do Sul, com 2,8 mortes por 1 milhão de habitantes, por sua vez, está em cenário mais confortável, porém se posiciona próximo ao Reino Unido e está pior do que a Itália.
Em outro indicador, a capital gaúcha tem 19,4 novos casos a cada 100 mil habitantes, um cenário mais distante de França e Espanha, porém pior do que na Alemanha. O Rio Grande do Sul tem 10,6 novas contaminações diárias nas últimas duas semanas, próximo a países escandinavos, como mostra o gráfico a seguir.
O consenso internacional aponta que, quando há mais de 10 casos novos registrados a cada 100 mil habitantes, a pandemia está em patamar muito alto. Se está entre 5 e 10, a classificação é alto, entre 1 e 5 é moderado, 1 é baixo e menos do que 1, a pandemia está suprimida.
A análise de GZH cruza dados de até quinta-feira (29) fornecidos por Centro Europeu de Prevenção e Controle das Doenças (ECDC), Secretaria Municipal da Saúde (SMS) e Ministério da Saúde e os ajusta proporcionalmente ao tamanho da população. A análise é uma fotografia dos últimos 14 dias, e não um olhar sobre a pandemia como um todo – o Estado e a capital gaúcha, por exemplo, atenderam todos os pacientes em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), após expansão da rede hospitalar. A metodologia permite comparar regiões de tamanhos diferentes, mas vale ressaltar que as epidemias estão em momentos distintos.
— Países europeus atingiram um vale da epidemia e ficaram com taxas baixas por um bom tempo, e só depois houve uma segunda onda. Nós estamos com uma desaceleração com taxas altas que pode ser comparada aos Estados Unidos, onde a epidemia estabilizou em um alto platô e os novos picos surgiram a partir de níveis altos. Para se ter ideia, a OMS (Organização Mundial da Saúde) fala em situação controlada e recomenda a reabertura quando há menos de um caso novo por 100 mil habitantes — afirma o professor de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alexandre Zavascki.
Em meio a um risco proporcionalmente menor do que no Rio Grande do Sul, a chanceler alemã, Angela Merkel, endureceu as medidas de distanciamento social para controlar a covid-19. Reuniões podem ter no máximo 10 pessoas de duas famílias diferentes e cinemas, teatros, academias e piscinas serão fechados. Escolas e lojas podem permanecer abertas. A França voltou a implementar um lockdown completo em todo o país – manteve aulas em escolas e atividades de serviços públicos. A Espanha adotou confinamento das 23h às 16h.
— Os números de Porto Alegre, Rio Grande do Sul e Europa refletem o grau de não adequação às medidas de distanciamento, higienização das mãos e uso de máscara. As pessoas estão cansadas, negam o problema. Mas, até que haja vacina eficaz, precisamos, como sociedade, ter um comportamento mais sustentável. Do contrário, aqui acabaremos como a França — avalia Alessandro Pasqualotto, professor de Infectologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
A tendência deve ser acompanhada com atenção em meio à flexibilização de atividades, em especial a reabertura de escolas, observa o médico epidemiologista Ricardo Kuchenbecker, gerente de risco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
— Não tanto pelas crianças e adolescentes, mas pela mobilidade dos adultos. Não estou defendendo que as aulas não devam voltar, mas talvez algumas medidas precisam ser necessárias, como melhorar as formas de rastrear casos e a cadeia de contato — diz.
Os dados mostram que há grande circulação do vírus em território gaúcho, diz Álvaro Krüger Ramos, professor de Matemática Aplicada na UFRGS:
— Esse alto número de novas contaminações (em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul) ainda é fruto da primeira onda de covid-19, que está sendo uma onda prolongada e de lento declínio — observa o matemático.
O secretário-adjunto da Saúde, Natan Katz, afirma que Porto Alegre deveria ser comparada a outras capitais porque territórios menores têm maior densidade populacional, o que contribui para elevar o número de infecções.
Ele ressalva que o número de casos e de mortes na capital gaúcha aparenta estabilidade – já a lotação hospitalar, como mostrou GZH, parou de melhorar. Questionado se a prefeitura antevê uma piora na pandemia no verão, em resultado semelhante ao observado na Europa, Katz afirma que as incertezas da pandemia inviabilizam a projeção de cenário a médio prazo.
— A duração da imunidade é um ponto importante que ainda não temos resposta na literatura. Se ela durar, a gente teria uma queda (da pandemia) no verão, por estarmos menos suscetíveis. Mas não sabemos se pode haver reinfecção depois de 90 dias, seis meses ou um ano. Hoje, faltam dados para a gente saber como isso vai se comportar na cidade. Temos que lidar com os indicadores do momento, e hoje temos um momento estável — diz o secretário, que também é médico epidemiologista.