Após uma melhora de cenário a partir de setembro, a epidemia de coronavírus em Porto Alegre dá sinais de ter quebrado a tendência de queda e de ter chegado a um novo platô (estabilidade), segundo estatísticas oficiais e especialistas que atuam na linha de frente do tratamento à covid-19. A prefeitura afirma que analisa a mudança com cautela.
Se a capital gaúcha assistia desde o mês passado a uma redução semana após semana na ocupação das unidades de tratamento intensivo (UTIs), o movimento de queda estacionou há 21 dias. A média móvel de leitos utilizados por dia na última semana é igual à da semana anterior e muito próxima à de três semanas atrás (veja no gráfico a seguir).
A maior pressão sobre o sistema de saúde foi sentida pelo Hospital Moinhos de Vento, que decidiu, na segunda-feira (26), suspender por dois dias o atendimento a novos pacientes de coronavírus em UTIs para não exceder a capacidade. Em nota, a instituição diz que faz isso para “manter a qualidade, a segurança e os atendimentos a outras doenças”.
Outro indicador importante se refere à ocupação dos leitos de enfermaria, que trata pacientes menos graves e é considerada a porta de entrada para UTIs. Os números agravaram a ponto de, na última semana, atingir os patamares do início de setembro. Nos últimos dias, foram 316 pessoas nas enfermarias da cidade, contra 319 na segunda semana de setembro (veja no gráfico).
Médicos de grandes hospitais de Porto Alegre afirmam a GZH que a tendência de melhora na epidemia pode ter sido congelada, ainda que seja cedo para dizer se o movimento é pontual ou duradouro. A dúvida, agora, é se a cidade chegou a um novo platô ou se voltaremos a registrar crescimento nas internações e mortes.
A média de mortos por dia não apresenta aumento nas últimas semanas, como mostra o gráfico a seguir. Para o médico epidemiologista e gerente de risco do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Ricardo Kuchenbecker, a piora nas internações, mas não nas mortes, pode ser explicada porque há um tempo necessário entre se infectar, adoecer e falecer. Ele relaciona a maior demanda hospitalar à retomada das atividades.
— É possível que primeiro a gente observe aumento nas emergências e, depois, nas UTIs e nos óbitos. Preocupam as flexibilização porque coincidem com o calendário da reabertura da escolas, o que significa mais pessoas nas ruas. Mas não dá para dizer que estamos em segunda onda, é bastante provável que nem tenhamos saído da primeira. Como achatamos a curva, estaremos permanentemente nos próximos dois a três meses nessa flutuação da primeira onda — afirma Kuchenbecker.
Projeção da ferramenta Covid Analysis Tools, desenvolvida pelo Instituto de Informática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), antevê 1.436 mortes por coronavírus na capital gaúcha em 25 de novembro — até esta terça-feira (27), eram 1.242, mais do que o total de vítimas de países como Austrália e Dinamarca, e quase o mesmo que Paraguai.
Um desafio de Porto Alegre é que, se até algumas semanas atrás as ocupações de UTIs estavam em queda, o ritmo de infecções não reduziu, cita Alexandre Zavascki, médico e professor de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). De fato, a média de novos casos por dia da última semana é próxima à do mesmo período de setembro (veja o gráfico).
— Nos acostumamos a um platô alto da epidemia, e aí baixamos (as internações em UTI) de um nível muito alto para alto. Só que sempre tivemos muitos pacientes. Quando os óbitos não caem e os casos continuam em patamar alto, é um sinal ruim, mesmo que tenhamos leitos. Agora, notamos um aparente platô de internações em UTI e um aumento nas internações em enfermarias — afirma Zavascki.
A ocupação dos leitos de UTI em Porto Alegre é de 91,1%, mas, após a melhora da epidemia, o sistema de saúde hospitalar de Porto Alegre começou a migrar leitos destinados a pacientes com coronavírus para tratar pessoas com outras doenças — uma forma de atender a demanda reprimida durante o inverno.
O diretor-presidente do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), Cláudio Oliveira, confirma a leitura de que a melhora da epidemia foi colocada em suspenso, mas afasta a possibilidade de que Porto Alegre enfrente uma segunda onda — para ele, há mais infectados, então estamos menos distantes da imunidade de rebanho.
— Estávamos em uma descida e agora estamos em um novo platô. Não diria que essas aberturas sejam tão preocupantes porque já passamos pelo pior. Podem ter novos casos por conta da volta à rotina. Mas a cidade volta ao normal há mais de mês, se a culpa da piora fosse a flexibilização, todos os hospitais estariam com muito mais procura do que agora — analisa Oliveira.
Jaqueline Cesar Rocha, gerente da Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Moacyr Scliar e analista do cenário da cidade na atenção primária, cita que houve mudança no perfil de paciente dos últimos dois meses em comparação a julho e agosto: agora, quem busca atendimento apresenta quadro mais leves, sem prevalência de faixa etária.
— Entre julho e agosto, registramos mais de 140 atendimentos por dia no centro respiratório. A partir de setembro, teve uma pequena redução, mas ficou em média de uns 120 pacientes por dia. Posso te dizer que mantemos o mesmo número de atendimentos em relação a setembro, mas são casos menos graves — afirma Jaqueline.
Porto Alegre recebe pacientes de todo o Estado, e o cenário de piora se apresenta também no modelo de distanciamento controlado: depois de duas semanas sem registrar regiões em bandeira vermelha, que indica alto risco para o coronavírus, o Piratini apontou piora em três regiões. Após recursos, apenas a zona de Cruz Alta se manteve.
O que diz a prefeitura
As internações em UTIs pararam de cair há três semanas, mas a procura por atendimento na atenção primária e os casos ativos dão sinais de estabilidade, afirma o secretário-adjunto municipal da Saúde, Natan Katz.
Ele destaca que a prefeitura acompanha os indicadores com cuidado e que o Executivo municipal interpretava, há meses, que a epidemia em Porto Alegre seguiria um platô, sem a queda acentuada típica de cidades europeias.
— Apesar de estar estável, diria que temos que ligar um alerta. Estamos em cenário no qual temos que ter bastante cuidado com o que vai acontecer com a cidade nos próximos dias. Precisamos ficar vigilantes para ver se há algo de diferente acontecendo. Acho que não está nada de diferente do esperado, mas não é algo que nos deixe tranquilos. Toda vez que a gente libera atividades, assumimos o risco do aumento da transmissão. Mas temos duas ações para fazer isso: liberar de maneira devagar e com restrições de horário, o que estamos fazendo e, inclusive, algo feito em cidades do mundo inteiro. Mas é importante reforçar que não acabou. Não é uma vida normal — observa o secretário.
Katz, que é médico epidemiologista, pontua que o conceito de segunda onda não se aplica em Porto Alegre porque, para isso, seria preciso ter acabado com a primeira onda, algo marcado em cidades europeias e em poucas metrópoles brasileiras, como Manaus e Belém.
— Em epidemiologia, só existe segunda onda quando a primeira onda acabou, como o que aconteceu na Europa: ter um pico de casos, uma queda importante e depois uma segunda onda de casos marcada. Se olharmos a distribuição da doença, ainda estamos na primeira onda, que a gente achatou. Ela é mais baixa e longa do que uma onda normal — afirma o secretário.
Questionado sobre se a prefeitura tem receio de uma piora na epidemia em razão da liberação cada vez maior de atividades, Katz menciona boletim epidemiológico da secretaria, segundo o qual a abertura das escolas, em todas as redes, não causou aumento de casos. Para professores, isso ocorre porque há baixa adesão às aulas presenciais e greve de concursados municipais.