Em um ano atípico, um tema é recorrente em praticamente todos os lugares: a vacina contra o coronavírus. Por outro lado, diversos países amargam índices baixos em suas coberturas vacinais. Esses são apenas alguns dos assuntos que serão debatidos durante a 22ª Edição da Jornada Nacional de Imunizações, realizada pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) em plataforma online desta quinta-feira (15) até sábado (17). No primeiro dia de palestras, três conferências foram dedicadas à covid-19.
O pediatra e infectologista Renato Kfouri foi o primeiro conferencista a abordar o tema, trazendo um panorama amplo de todas as vacinas que estão em desenvolvimento, quais são as que estão em fase mais avançada e o que ainda não se sabe ao certo em relação ao vírus e às imunizações em pesquisa. Em sua apresentação, o médico destacou que muitas das perguntas que fazemos hoje ainda seguem sem respostas.
— A epidemia nos pegou de surpresa em várias áreas, mas talvez na vacina e na resposta imune às infecções seja onde tenhamos maior lacuna do conhecimento — avaliou.
Na contramão das incertezas, a cada dia que passa, surgem novas possibilidades para cessar a pandemia, salientou a segunda médica a palestrar sobre a covid-19, Cristiana Toscano, representante da SBIm em Goiás e membro do Grupo Consultivo Estratégico de Especialistas em Imunização da Organização Mundial da Saúde (SAGE/OMS). Ela lembrou que vivemos um momento sem precedentes na ciência em relação à velocidade, ao avanço e ao volume de tecnologia desenvolvidas em um curto espaço de tempo.
— Dois meses depois da identificação dos casos já tínhamos a primeira vacina candidata — relembrou.
Atualmente, há mais de 190 vacinas em desenvolvimento, sendo 42 em fase clínica, ou seja, com testes em humanos. Dessas, 10 saem na frente por já estarem na fase três, a última e decisiva para aprovação. Além disso, há tecnologias inéditas sendo utilizadas na tentativa de combater o coronavírus, como as vacinas baseadas em RNA e DNA —usadas pela Moderna e pela BioNTech/ Pfizer.
Inovação em menos tempo
A celeridade nos processos de desenvolvimento das vacinas não deve preocupar a população, avisou Cristiana. Segundo ela, a rapidez com que muitos imunizantes avançaram nos estudos ocorre, principalmente, por que eles já estavam em processo avançado de criação para outras síndromes como a Respiratória do Oriente Médio (mers) e a Respiratória Aguda Grave (sars). Dessa forma, acredita, teremos gerações de vacinas contra o coronavírus assim que os estudos em andamento forem apontando resultados positivos:
— Devemos ter uma (vacina) para o início de 2021 e, depois, outras gerações para o segundo semestre. Porém, há outros desafios a serem considerados: o desenvolvimento, a produção, o acesso e a operacionalização da vacinação — ponderou.
Todos esses aspectos precisam ser pensados e planejados levando em conta todos os atributos das vacinas. Por exemplo: a partir da plataforma do imunizante é que vai se definir se a aplicação será em uma ou duas doses, fatores que impactam diretamente produção, distribuição e até investimento financeiro a ser feito.
Como distribuir?
Para além da discussão sobre eficácia e segurança das vacinas em desenvolvimento, outro ponto que vem à tona é como será feita a distribuição dessas doses. Cristiana destacou que, durante a pandemia, o foco será prioritariamente atender rede pública e grupos específicos ainda não determinados.
A médica também observou a importância dos mecanismos criados para distribuir de maneira mais igualitária as vacinas pelo mundo.
— No Brasil, temos uma situação que considero privilegiada. Temos um mecanismo bilateral, com dois investimentos através de transferência de tecnologia (as vacinas de Oxford e da Sinovac, que já têm acordos com a Fiocruz e o Butantan), e também multilateral, com a Covax. Estamos bem posicionados do ponto de vista de acesso e possibilidade real de termos alguma vacina no próximo ano.
Imunidade de rebanho
Na sua apresentação, Kfouri também abordou a chamada imunidade de rebanho, que voltou ao centro do debate após a publicação de uma carta aberta de pesquisadores que pedem que os jovens voltam à vida normal com o intuito de desenvolver proteção natural contra o vírus. Para o médico, ainda há carência de mais dados sobre esse assunto. Ele salientou que, atualmente, o que se estima é que vírus mais contagiosos necessitem de mais pessoas imunes para se atingir tal patamar de proteção coletiva. Ainda assim, disse, é preciso considerar outros aspectos que não apenas o vírus: densidade populacional, adesão às medidas não farmacológicas, interação social e distribuição etária da população, por exemplo.