Em queda nos últimos cinco anos, o índice de vacinação de crianças no Rio Grande do Sul deve ser ainda menor em 2020 e ficar longe da meta de 90% de cobertura preconizada pelo Ministério da Saúde. A razão é a pandemia do coronavírus, que reduziu o número de atendimentos nos postos de saúde. Mas há pelo menos outros três fatores relacionados à baixa adesão nas ações de imunização: a falsa sensação de que as doenças não existem mais, a desinformação da população, agravada por informações inverídicas, e a falta pontual de doses.
Para o médico Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, a baixa adesão às campanhas de vacinação traz o risco do retorno de doenças que já estão eliminadas em território nacional.
— O sarampo é um exemplo de uma doença que estava eliminada e que está voltando em razão do baixo índice de cobertura vacinal. Essa falsa segurança de que nunca viram essas doenças faz com que as pessoas pensem que elas não existem mais — alerta.
Além da falsa sensação de segurança, outro fator citado por Cunha para a redução nos números são os grupos antivacinas, que espalham notícias falsas disseminando o medo de reações adversas.
— Historicamente, o brasileiro acredita em vacina. No total, temos a adesão de uma grande parcela da população, diferentemente de outros países, onde esses grupos têm mais força — avalia.
Para o médico, todas as declarações contra a vacina têm sido problemáticas porque os “hesitantes”, como ele nomeia, acabam sendo encorajados por essas notícias falsas.
— O nosso programa de imunização é considerado exemplar no mundo. São vacinas eficazes, seguras e gratuitas que levaram cinco, sete, 10 anos para serem liberadas, após a comprovação de sua eficácia e segurança — salienta.
Cunha, que também é médico da Diretoria Geral de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal da Saúde de Porto Alegre, lembra que a vacinação não é uma escolha pessoal, mas coletiva:
— Quando nos vacinamos, garantimos que aquele que não teve acesso à imunização por algum motivo, possa estar seguro. É uma decisão social, que protege o coletivo.
RS registra piora na cobertura vacinal de crianças
Pela primeira vez em quase duas décadas, o Rio Grande do Sul não atingiu a meta de vacinação da BCG em 2019. O imunizante previne a tuberculose e seus casos graves. O Estado ficou em 86,47% de cobertura vacinal. O mesmo aconteceu no país, com 85,10%. Os dados são do Ministério da Saúde, a partir de levantamento solicitado por GZH.
A pentavalente — que combate difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e bactéria haemophilus influenza tipo b, responsável por infecções no nariz, meninge e na garganta — está em um dos menores índices desde 2013 e no menor percentual entre todos os imunizantes obrigatórios do calendário. No ano passado, ficou em 71,21%. No país, a cobertura é ainda menor, de 69,6%. A pentavalente é uma das vacinas que teve falta de abastecimento ao longo de 2019, com a mudança no fornecedor das doses pelo governo federal.
Já a vacina contra a hepatite B em crianças com até 30 dias nunca atingiu a meta no Rio Grande do Sul em levantamento do Ministério da Saúde, com dados a partir de 2014. Em 2019, ficou em 77,41% de cobertura vacinal, um pouco abaixo do índice nacional, de 77,51%.
A aplicação de doses contra o rotavírus, realizada em crianças menores de um ano, também ficou abaixo da meta no Estado no ano passado. Nos últimos 14 anos, apenas em 2013, 2014, 2015 e 2018 a meta do ministério foi alcançada em território gaúcho. Já em 2019, caiu para 86% de cobertura vacinal. No país, o índice ficou ainda mais baixo, em 83,76%.
A vacinação contra a meningocócica C, em menores de um ano, está abaixo da meta desde 2017 no Estado. O mesmo se percebe no Brasil, com queda gradual no índice. No Rio Grande do Sul, o ano passado fechou com 89,7% de crianças imunizadas. Já no país, foi de 85,6%.
A pneumocócica 10, também aplicada em menores de um ano de idade, ficou abaixo da meta pela segunda vez em nove anos. Em 2012, a cobertura foi de 89,5%. Em 2019, foi de 88,8%. Nos demais períodos, o índice ficou acima dos 90%.
A vacina contra a poliomielite no Estado, aplicada pelo SUS antes mesmo do início do programa nacional de imunização, está há cinco anos sem atingir a meta preconizada pelo Ministério da Saúde. No ano passado, a cobertura ficou em 84,15%, pior índice em duas décadas. No país, a imunização contra a polio teve o pior desempenho dos últimos 20 anos, ficando em 82,6%.
No entanto, a aplicação de doses contra a hepatite A em crianças menores de um ano atingiu a segunda melhor cobertura nos últimos seis anos no RS, mas ainda está abaixo da meta do governo federal. Ficou em 88,6% em 2019, acima do registrado entre 2016 e 2018. No entanto, o Estado superou o índice preconizado apenas em 2015, quando chegou a 96,2%.
Entre todas as vacinas aplicadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em crianças menores de um ano, a única boa notícia é na tríplice viral, que combate contra sarampo, caxumba e rubéola. Isso porque, no ano passado, o Estado voltou a atingir os 90% de cobertura, após dois anos seguidos abaixo. No entanto, em toda a série histórica, iniciada em 2000, apenas em seis vezes o Rio Grande do Sul ficou abaixo da meta, sendo três nos últimos cinco anos. Uma campanha foi promovida, em nível nacional, para a atualização da caderneta, após o ressurgimento de casos de sarampo no país.
Menos de 50% das crianças menores de um ano foram vacinadas em Porto Alegre em 2020
De acordo com dados da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), apenas 46,5% das crianças abaixo de um ano estão com todas as vacinas em dia em Porto Alegre. Levantamento realizado a pedido de GZH aponta que a tríplice viral — responsável pela prevenção a sarampo, caxumba e rubéola — foi aplicada em apenas 42,3% dos bebês de até um ano da Capital. A BCG, que evita a tuberculose, é a única imunização acima dos 50% de cobertura, chegando a 64,4%. Já as vacinas pentavalente, poliomielite, pneumo 10, meningo C, rotavírus e febre amarela estão, todas, abaixo dos 50% da meta.
Um dos motivos pela queda na adesão é a pandemia do coronavírus, que provocou redução superior a 40% na procura por atendimento em unidades de saúde. No entanto, durante todo o ano de 2019, nenhuma dessas vacinas atingiu a meta de cobertura na Capital.
No ano passado, nenhuma das oito vacinas que integram o calendário para bebês de até 12 meses atingiu o patamar de 90% desejado pelo governo federal — a mesma situação ocorreu em 2015. Já em 2016 e 2017, apenas a BCG superou os 90%. Em 2018, porém, a meta foi alcançada somente pela vacina contra o rotavírus.
Desabastecimento de vacinas contribui para recorde negativo
Para o médico Benjamin Roitman, diretor da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul (SPRS), a falta pontual de vacinas em postos de saúde contribuiu também para o recorde negativo nos índices de cobertura vacinal no Brasil e no Estado.
— Um exemplo é a BCG, que antes era aplicada no recém-nascido ainda no hospital. Hoje, para racionalizar as doses, alguns municípios estão estipulando um dia e horário para a vacinação, o que acaba desestimulando os pais — observa.
Outro fator que impacta nos números, segundo Roitman, é a desinformação. Isso porque parte da população não sabe que há vacinas que precisam ser realizadas em outros momentos da vida, não só quando criança:
— Neste ano, além disso tudo, tivemos a quarentena. Temos, agora, que desmentir que não é para procurar os postos de saúde. Explicar que eles estão preparados para receber pessoas para fazer a vacina, que o fluxo é diferente do atendimento a pacientes com coronavírus.
O especialista alerta que os pais não precisam atrasar as vacinas por conta da pandemia:
— Ainda mais com a véspera do retorno das aulas. Não queremos que circule a covid, mas também nenhuma outra doença.
Ministério da Saúde pretende lançar campanha de atualização das vacinas ainda neste ano
Em nota, o Ministério da Saúde ressalta a importância do programa nacional de imunização e informa que, ainda neste ano, serão realizadas campanhas de vacinação contra a poliomielite e multivacinação, que tem por objetivo atualizar a situação vacinal de crianças e adolescentes menores de 15 anos.
Sobre os dados de 2019, o órgão explica que os números ainda são preliminares. Isso porque, devido à pandemia, Estados e municípios têm até final de setembro para a inserção dos dados no sistema.
“O Brasil possui o maior programa público de imunização do mundo. Por meio do SUS, todos os anos, mais de 300 milhões de doses de imunobiológicos são distribuídas aos Estados brasileiros”, destaca em nota.
Mesmo assim, o ministério reconhece que, nos últimos anos, observa-se uma redução nas coberturas vacinais.
“Alguns fatores fazem parte deste processo, como a falsa sensação de segurança causada pela diminuição ou ausência de doenças imunopreveníveis; o desconhecimento da importância da vacinação por parte da população mais jovem — que cresceu com algumas doenças erradicadas pelo sucesso das campanhas de vacinação ao longo dos anos, e as falsas notícias veiculadas especialmente nas redes sociais sobre o malefício que as vacinas podem provocar à saúde”, destaca.
Neste mês, o presidente Jair Bolsonaro fez declarações contra a obrigatoriedade da vacina. A fala foi criticada por profissionais de saúde, justamente pelo medo de que alimentasse o discurso de grupos antivacina.