A China pode ter uma vacina contra o coronavírus pronta para o público em novembro, disse a chefe de biossegurança do Centro de Controle de Doenças e Prevenção do país, Wu Guizhen. A especialista afirmou que os ensaios clínicos na fase 3 têm corrido bem e acrescentou que ela mesma tomou uma das vacinas em abril e não teve reações anormais. Ela só não disse qual imunização está mais adiantada no processo.
O país tem quatro candidatas em fase final. A primeira a realizar testes em humanos foi a CanSino, aplicada em abril. Desenvolvida em parceria com a Academia Militar de Ciências, trata-se de um imunizante que usa adenovírus, o vírus da gripe, modificado geneticamente como vetor. Esta vacina também já foi liberada em regime de emergência para uso em militares e teve sua patente aprovada na China.
Além dos quatro imunizantes chineses (CanSino, Sinovac, Sinopharm do Instituto Biológico de Pequim e do Instituto Biológico de Wuhan), outros cinco candidatos estão na fase 3: Instituto de Pesquisa Gamaleya (Rússia), Janssen Pharmaceutical Companies (EUA), Moderna (EUA), Pfizer (EUA) e Oxford/AstraZeneca (Reino Unido) também disputam essa olimpíada da biotecnologia e todas contam com o apoio da torcida. A CoronaVac, da Sinovac, é testada no Rio Grande do Sul desde agosto através de um convênio com o Hospital São Lucas da PUCRS.
Recentemente, o Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos informou autoridades de Saúde em todos os Estados americanos para se prepararem para distribuírem a vacina até o começo de novembro. A notícia foi recebida com entusiasmo inclusive por investidores, gerando um dia de altas pelas bolsas internacionais.
A vacina de Oxford, que parecia liderar a corrida, teve um contratempo depois de um voluntário apresentar reação adversa grave. Os testes, que tinham sido suspensos, já voltaram ao normal e a Anvisa autorizou a inclusão de mais cinco mil voluntários no estudo, mas a paralisação pode atrasar os planos do governo brasileiro de começar a vacinar a população no começo do ano. Essa vacina também será testada no RS, mas as aplicações ainda não começaram.
Do Canadá para a China
O médico Yu Xuefeng, CEO da CanSino, disse em uma entrevista para o canal estatal CGTN que tem plena confiança de que a vacina desenvolvida por eles é segura e só aguarda os resultados da fase 3 para confirmar sua eficácia. O cientista diz que a CanSino constrói paralelamente infraestrutura para produzir 200 milhões de unidades por ano a partir de 2021, mas alerta que a vacinação é um processo longo.
— Leva tempo para imunizar todo mundo — explica ele.
Questionado sobre seus concorrentes, Yu se mostrou cético em relação à vacina da norte-americana Moderna por falta de informações, mas disse torcer para que outras farmacêuticas consigam um resultado positivo. O executivo também espera que o seu produto possa ser usado em países ocidentais e que a política não interfira na imunização.
Yu era um alto executivo da filial da francesa Sanofi no Canadá quando resolveu voltar para a China para fundar a CanSino. Em tom bem descontraído em uma carta a investidores, Yu conta sobre um churrasco em um dia de sol em Toronto e como, depois de algumas cervejas, ele tentava convencer os colegas cientistas a embarcarem na nova empresa. O abismo entre China e Canadá no ramo das vacinas era o seu principal argumento.
—Ninguém discordava desse fato, mas fazer algo a respeito precisou de algum convencimento. Nós tínhamos bons empregos nas grandes farmacêuticas, prestígio, dinheiro, vida confortável. A vida dos sonhos para alguns — explica.
A ajuda de uma heroína nacional
O primeiro grande desafio da CanSino foi a criação de uma vacina contra o ebola, em 2015, para combater a doença em Serra Leoa, na África. A força-tarefa teve parceria com uma equipe do exército chinês liderada pela médica Chen Wei. A major general Chen Wei acaba de ganhar o título honorário de "Herói do Povo" pelo trabalho no combate ao coronavírus, mas ela é conhecida no país há bastante tempo.
Ela diz que durante a epidemia de Sars os períodos de pesquisa eram muito longos.
— Eu tentava não beber ou comer antes do trabalho, mas algumas vezes eu usava fraldas para permanecer mais tempo no laboratório — confessou em uma entrevista a uma TV estatal. Chen também ficou longe da família por quase metade de 2012.
No começo do ano, Chen foi mais uma vez convocada, agora para lutar contra o novo coronavírus em Wuhan. Ela disse que suava muito dentro do laboratório e a primeira coisa que fez foi cortar os cabelos bem curtos para não atrapalharem o trabalho. Cinquenta dias depois, ela tinha alguns cabelos brancos a mais pelo estresse provocado pela pandemia e uma vacina candidata para testes em animais. Resta saber se essa será a vencedora na corrida mundial entre os cientistas.