Dos atuais 10 meses de vida, Matteo Schmitz Piccin Jardim, de Porto Alegre passou cinco deles numa UTI neonatal em duas longas internações. Com síndrome de Down confirmada no nascimento, o menino passou a demonstrar um choro muito fraco e dificuldades para respirar a partir dos 27 dias de vida. Ao apresentar um quadro de cianose, ficando completamente sem ar, o bebê precisou ser internado às pressas. A partir daí, iniciou-se uma investigação com diferentes especialistas até a identificação do diagnóstico de atrofia muscular espinhal (AME) do tipo 1, o mais agressivo.
Desde a internação mais recente, Matteo faz uso do Spinraza, medicamento de uso contínuo para AME liberado no Brasil e que ajuda a controlar a progressão da doença. Ao terem a confirmação da moléstia rara do filho, os pais começaram a pesquisar sobre ela, tomaram conhecimento do medicamento Zolgensma, cujo valor é de US$ 2,1 milhões (pela instabilidade cambial, está custando quase R$ 12 milhões), e criaram a campanha Juntos pelo Teteo para arrecadarem a quantia necessária. O Zolgensma é um tratamento genético com capacidade de corrigir o DNA danificado causador da doença, mas a dose única precisa ser aplicada até os dois anos de idade.
— A gente precisa acreditar e ter fé porque o amor move o mundo. Nunca imaginei tantas pessoas, que eu não conhecia, prontas a ajudar. É a união de todos que faz a diferença — afirma, confiante, a mãe do menino, a psicóloga Letícia Schimitz, 35 anos.
Em casa, o bebê recebe cuidados de enfermagem 24 horas por dia, com home care. Ele usa um aparelho chamado bipap o tempo inteiro, que o ajuda a retomar o padrão respiratório sem fazer muito esforço. Ele também tem fonoaudióloga três vezes por semana e fisioterapia duas vezes por dia, principalmente para a parte respiratória.
Letícia abdicou do trabalho como psicóloga para se dedicar exclusivamente aos cuidados do primeiro filho. Casada desde dezembro de 2018 com o analista contábil André Piccin Jardim, 37 anos, ela conta que o casal celebrou a confirmação da gravidez dois meses depois do enlace. Afinal, ambos desejavam muito ser pais.
— Apesar da rapidez, foi um filho muito planejado e desejado. Tínhamos este sonho — diz Letícia.
E é no olhar de Matteo que a mãe tem a certeza de estar fazendo o melhor pelo filho. Emocionada, revela que nos momentos de aspiração do pequeno, considerados por ela uma manobra desconfortável e angustiante para o bebê, Matteo abre um largo sorriso ao ouvi-la cantando a música da Formiguinha, da Galinha Pintadinha.
— O olhar dele diz tudo. É este investimento afetivo que dá força para ele e, consequentemente, para nós. É vínculo. É mágico — confidencia Letícia.
Campanha para Juju está perto dos R$ 3 milhões, mas a corrida é contra o tempo
Doença que afeta um a cada 10 mil recém-nascidos, a AME, segundo estudos científicos avaliados pelo Instituto Nacional de Atrofia Muscular Espinhal (INAME), é a principal causa de morte de bebês por questão genética.
Quem nasce com AME apresenta baixos níveis da proteína que possibilita os movimentos, a SMN. O cérebro necessita dela para enviar ordens aos músculos por meio dos nervos que descem pela medula. A doença se manifesta, principalmente, na infância, e apresenta três níveis, sendo o 1 o mais agressivo e que pode levar à morte por falência respiratória.
E é para evitar esta possibilidade que a família de Júlia Cardoso Torres, de um ano e cinco meses, de Santa Cruz do Sul, luta contra o tempo para obter o medicamento para a filha. Os pais, a endocrinologista Silviane Bica Cardoso, 44 anos, e o neurocirurgião Ramsés Gonçalves Torres, 51, perceberam que, por volta dos seis meses de vida, Júlia começou a não desenvolver o controle cervical e a força muscular dos braços e das pernas, marcos de desenvolvimento esperados para uma criança da idade dela.
— Inicialmente, não quis acreditar que a minha filha tivesse a doença. No dia em que saiu o diagnóstico, meu marido começou a pesquisar na internet e eu fiquei com a Júlia. Por volta das três da madrugada, ele chegou no quarto, aos prantos, e disse "Deus vai levar a Juju". Foi difícil manter o controle. A Juju foi uma gestação muito esperada por mim — conta Silviane.
A endocrinologista sempre desejou ser mãe, e já tinha feito três inseminações e sofrido uma perda fetal com 20 semanas.
— Tentamos incluir a nossa filha em estudos científicos espalhados pelo mundo, mas eles iam até seis meses de vida e ela estava completando sete meses — recorda Silviane.
Com o auxílio de amigos e até de desconhecidos, o casal iniciou uma campanha para arrecadar os milhões necessários para o medicamento. Por meio das redes sociais, famosos de todo o Brasil, como o nadador Gustavo Borges, o técnico Mano Menezes e o humorista Dedé Santana fizeram vídeos pedindo doações para Júlia.
Quatro ações estão em desenvolvimento. Numa delas, um grupo de empresários doou um terreno num condomínio fechado para a ação beneficente que será sorteada pela loteria. Colegas de faculdade de Silviane doaram um Fiat Mobi também para ser sorteado pela loteria. Ainda há uma ação na qual cada doador é identificado como dindo de Júlia. E outra, que ocorrerá entre 1º e 30 de setembro de 2020, quando a doação poderá ser feita por telefone — a família conseguiu o apoio da Embratel. Bastará o doador ligar para um dos três números indicados, com valores de R$ 5, R$ 10 e R$ 50. Até agora, a família conseguiu arrecadar quase R$ 3 milhões.
Júlia está na sétima dose do medicamento Spinraza, enquanto espera pela possibilidade de ter o tratamento definitivo.
— Essa doença é uma loteria genética e pode ocorrer com qualquer um de nós. Temos menos de seis meses para conseguirmos todo o valor para a medicação da Júlia. Sabemos que ainda falta muito, mas não vamos desistir — afirma Silviane.
Ao conhecerem outras histórias como a de Júlia, a endocrinologista e o marido decidiram que, após a campanha da filha, seguirão atuando na causa da AME. Para isso, criaram a Associação Ame Juju, que a partir de 2021 auxiliará famílias de crianças com doenças raras.
Para ajudar a Júlia
Júlia Cardoso Torres, um ano e cinco meses, de Santa Cruz do Sul - @amejujurs (Instagram) e linktr.ee/amejujurs
Para ajudar o Matteo
Matteo Schmitz Piccin Jardim, 10 meses, de Porto Alegre - @juntospeloteteo (Instagram) e https://linktr.ee/juntospeloteteo