Os Estados Unidos fecharam acordo com as farmacêuticas Pfizer e BioNTech para comprar, em 2020, 100 milhões de doses das vacinas contra a covid-19 que estão sendo desenvolvidas pelas empresas. O número equivale ao volume máximo de unidades que as companhias teriam condições de produzir neste ano, o que impediria, portanto, que os demais países tivessem acesso ao imunizante.
Segundo especialistas, a decisão da gestão de Donald Trump pode acirrar a corrida global por acesso à vacina e aumentar o temor de que países com menos recursos sejam os últimos a receber a proteção contra a doença.
As vacinas que vêm sendo desenvolvidas pela Pfizer e BioNTech mostraram resultados promissores nas primeiras fases da pesquisa, mas ainda precisam passar pela etapa 3 do estudo para ter sua eficácia comprovada.
— Pode ser que os estudos mostrem que ela não funciona. É uma aposta dos Estados Unidos. Mas se, por acaso, essa se mostrar a melhor vacina, não vai ter para ninguém fora dos EUA — destaca o médico e advogado Daniel A. Dourado, pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da Universidade de São Paulo (USP).
O especialista explica que a corrida já era esperada e, por não haver nenhuma legislação internacional que impeça que vendas sejam feitas apenas para um país, os governos terão de buscar as próprias estratégias para conseguir acesso a vacinas, como parcerias com institutos de pesquisa para transferência de tecnologia ou quebra de patente.
— A OMS (Organização Mundial da Saúde) não tem poder de mexer no ordenamento dos países. Ela pode recomendar, mas, se o país não quiser acatar, nada acontece — explica.
— Na hipótese de a OMS ser ignorada e algum país acabar ficando sem vacina, não haveria uma instância específica a quem recorrer — diz o advogado Saulo Stefanone Alle, especialista em Direito Internacional. — No Direito Internacional, não existe uma autoridade superior aos Estados — comenta.
Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabella Ballalai destaca que há um fundo da OMS e um esforço de articulação por parte da entidade para que todos os países tenham acesso à vacina, mas que é improvável que, num primeiro momento, as indústrias tenham capacidade de produzir o imunizante para toda a população mundial.
Brasil
No Brasil, o governo aposta em parcerias com farmacêuticas internacionais para não ficar para trás na disputa pelo imunizante. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou pesquisas para o desenvolvimento de quatro vacinas diferentes. Concedidas nesta semana, no entanto, as permissões mais recentes são para testes das farmacêuticas Pfizer e BioNTech, cujos lotes previstos já foram comprados pelos Estados Unidos.
As outras duas vacinas em potencial são a CoronaVac, que é desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac Biotech, e a AZD1222, da Universidade de Oxford com a farmacêutica britânica-sueca AstraZeneca.
Consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Leonardo Weissmann também defende que o Brasil invista em meios próprios de produção da vacina, para não ser prejudicado pela corrida internacional.
Para Helder Nakaya, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP e membro da Sociedade Brasileira de Imunologia, "a melhor aposta do Brasil é justamente usar essas parcerias com as pesquisas mais promissoras." Segundo ele, o País também deve estruturar a estratégia para conseguir fazer a vacinação em massa.
— Vamos ter desafios de infraestrutura, porque há poucos lugares capazes de produzir em larga escala: são poucas fábricas para o tamanho do p— diz.
No primeiro momento, o foco deve ser para grupo mais suscetíveis à covid-19, como idosos ou pessoas com comorbidades, segundo afirma.