Com a experiência de quem acompanha os pacientes internados na CTI do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, a psicóloga Rita Gomes Prieb explica que a síndrome pós-cuidados intensivos (Pics, do inglês Post Intensive Care Syndrome) pode acometer pacientes de todas as idades, mas a repercussão pode ser ainda mais intensa entre os jovens.
Os idosos, acrescenta a psicóloga, que costumam lidar com limitações e vivem uma vida mais pacata, têm um recomeço menos sofrido do que alguém cujo ritmo de vida é acelerado. A Pics, conforme Rita, é um conjunto de vários sintomas que fazem com que a pessoa apresente disfunções em diferentes domínios, como o psicológico, o cognitivo e o físico. As manifestações clínicas podem ser variadas e incluem fraqueza muscular, redução na mobilidade, cansaço, dificuldade na deglutição, alterações de humor, dificuldades de memória, entre outros.
— Os mais jovens se sentem arrancados do seu meio e privados de coisas que tinham facilidades, como esportes ou atividades sociais. Eles sentirão na pele a dificuldade de retomar a forma física anterior e as atividades, em função de terem ficado um longo tempo sob efeito de calmantes muito potentes e medicamentos para dor. Por isso, o desmame dos medicamentos precisa ser aos poucos, para que a pessoa possa ir se acostumando sem eles e não gerar também uma síndrome de abstinência — justifica a especialista.
Mesmo sem histórico prévio de depressão ou ansiedade, os pacientes tendem a desenvolver os sintomas em função de terem ficado muito tempo expostos a alterações no ritmo circadiano, que acaba sendo alterado. O ritmo circadiano é o período de 24 horas sobre o qual o ciclo biológico de quase todos os seres vivos se baseia, sendo influenciado principalmente pela variação da temperatura e da luz, entre o dia e a noite.
O gerente financeiro Lucas Santos, 30 anos, que ficou 45 dias internado – 33 deles entubado no Hospital Nossa Senhora da Conceição –, deixou em maio a instituição ainda usando antipsicótico, ansiolítico, anticoagulante (para tratar uma trombose na virilha esquerda, ocorrida durante o coma) e metadona (opioide com eficácia analgésica). Lutador de jiu-jitsu que costumava treinar antes do sol nascer, ele relata ter saído do hospital com um sentimento de conquista por ter sobrevivido. O auxílio dos remédios e a sensação de vitória deram a Lucas motivação para se alimentar bem e iniciar as sessões com uma fonoaudióloga e de fisioterapia, oferecidas gratuitamente pela fisioterapeuta Camila Paredes.
Na terceira semana de recuperação em casa, Lucas teve uma recaída ao retirar com orientação médica o antipsicótico e iniciar o processo de retirada do metadona. Foi quando ele decidiu buscar auxílio de um psiquiatra, que sugeriu a inclusão de um antidepressivo diário. Ele admite que não estava pronto para a covid-19.
— Sempre fui muito independente, de tentar prever o pior cenário possível. Só que a minha dimensão de pior cenário possível tomou outro tamanho quando, aos 30 anos, no auge da minha saúde e forma física, entrei em coma depois de quatro dias com gripe. Comecei a ter crises de ansiedade e sintomas de depressão aguda com falta de ar, palpitação, frio na espinha e a sensação de que tudo vai dar errado. O psiquiatra e a terapia estão me ajudando muito a superar este momento — declara.
Por conta própria, Lucas está fazendo semanalmente sessões com psicólogo e psiquiatra, que o acompanham na retirada dos medicamentos. O antipsicótico foi o primeiro. A meta para as próximas semanas é não usar mais o ansiolítico.
— Já me quebrei fisicamente, me machuquei várias vezes, sofri acidente de moto, andei de muleta, e nunca tinha passado por uma dor tão forte quanto uma dor mental. Só pensava: sei que vai passar — desabafa.
Segundo Rita, o ideal para o tratamento de pacientes pós-UTI é que ele tenha uma abordagem multidisciplinar, conjugando as reabilitações física, psíquica e cognitiva. Ela aponta que, até o primeiro ano depois da retomada, o paciente pode apresentar perda importante na funcionalidade, com dificuldades de voltar à performance anterior em termos de memórias e organização do pensamento. É importante, destaca, um trabalho de psicoterapia e o uso de medicações para que o paciente possa retomar uma vida, às vezes, com uma funcionalidade menor do que ele tinha antes do período de internação.
— É preciso prever que esse paciente, talvez, tenha que aprender a lidar com as sequelas do que ficou. Por isso, a equipe médica cada vez mais deve se perguntar "quem estamos devolvendo para a sociedade? Que paciente é esse?" — sugere a psicóloga.
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