Pacientes que permanecem por longos períodos numa Unidade de Terapia Intensiva (UTI) podem desenvolver sintomas importantes de ansiedade, depressão e estresse pós-traumático logo após o retorno do coma. Mas aqueles tratados de covid-19 têm um agravante, segundo a psicóloga do Centro de Terapia Intensiva do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Rita Gomes Prieb: a privação de estarem próximos aos familiares e amigos, mesmo no período em que estão inconscientes.
— Imagine como fica para uma pessoa ao acordar, depois de um tempo inconsciente, não sabendo exatamente o que ocorreu e não ter ninguém próximo para ajudá-la nessa retomada. É um fator importante e teremos que revisitá-lo porque as UTIs, de uma maneira geral, vinham trabalhando com as visitas abertas, justamente, porque entende-se que o papel da família se torna terapêutico no sentido de orientar o paciente, de poder transmitir palavras de conforto, trazendo um pouco do universo exterior da UTI. A família é um elo de ligação do paciente com a vida usual dele — justifica a psicóloga.
No Hospital de Clínicas, a equipe da CTI de covid-19 utiliza videochamada de familiares com pacientes que ainda estão saindo do coma e, desde o final de abril, coloca fotos da família ao lado do leito, para que quando a pessoa, ao acordar, veja ao seu lado alguém próximo. Rita reforça que, no caso da covid-19, a equipe perde as referências pessoais dos pacientes ao não ter o contato com os familiares deles. Ela cita o exemplo de um senhor, internado há semanas, que mexia muitos os pés e a equipe não sabia ao certo o motivo. Ao conversarem por telefone com a esposa do paciente, foram informados que ele jamais dormia de pés cobertos por lençol. A partir daí, a equipe retirou a cobertura dos pés dele e o paciente se acalmou. Apesar de estar entubado, ele mantinha um nível de consciência.
— São pequenos detalhes que o familiar nos traz e nos ajuda no cuidado do paciente. Coisas do tipo "olha, hoje está nublado ou tem sol" são importantes para irem situando o paciente com algum nível de consciência preservado. Ele passa a se dar conta de que a vida dele e as conexões afetivas seguem, mesmo estando apartado disso temporariamente — expõe Rita.
No caso do funcionário público aposentado José Canabarro Maciel, 83 anos, de Porto Alegre, internado no Hospital Moinhos de Vento, o filho Leo Maciel, 44 anos, colocava todos os dias trechos do tango La Cumparsita para o pai ouvir enquanto voltava do coma. José é um apaixonado pelo ritmo argentino e Leo achou que isso poderia contribuir para trazer o pai à consciência depois de mais de 20 dias entubado.
— A partir da ida para o quarto, os cinco filhos passaram a se revezar cuidando dele 24 horas. Num momento, ele precisou fazer o procedimento de aspiração do pulmão, que é terrível, e eu dizia pra apertar minha mão. Isso o ajudou a passar por esse momento — recorda Leo.
A infectologista do Hospital Moinhos de Vento Tainá Fagundes Behle, que acompanhou José durante o período de internação, não tem dúvidas: a presença da família, trazendo sempre boas vibrações, foi fundamental para a recuperação total do aposentado.
No segundo estágio do tratamento, José recebeu cloroquina. Na mesma hora, teve uma arritmia cardíaca violenta e quase sofreu um infarto. A médica chegou a ligar para a família dizendo que ele poderia não se salvar. Aliás, no caso dele, a família foi acionada mais de uma vez para se preparar pra despedida.
Caso parecido se deu com o gerente financeiro Lucas Santos, 30 anos. Os médicos, quando ele acordou, falaram "Lucas, te pegamos pelo braço e com força quando você estava atravessando a ponte (morrendo)". Cogitaram, inclusive, chamar a mãe dele, que tem 61 anos, para vê-lo antes da morte. Olga Helena dos Santos, porém, não poderia visitá-lo no hospital por ser de grupo de risco.