As mudanças anunciadas recentemente pelo Ministério da Saúde na forma de divulgação dos dados de pacientes afetados pelo coronavírus no país têm gerado iniciativas paralelas de divulgação das informações. Na sexta-feira (5), a pasta chegou a tirar do ar o site oficial com dados de casos confirmados e registros de mortes por covid-19 no Brasil. Gestores públicos de todo o país contestam a iniciativa, que pegou de surpresa até mesmo técnicos do Ministério da Saúde.
Com a forte reação de especialistas, políticos e integrantes do Judiciário, o governo anunciou um recuo e prometeu retomar a divulgação detalhada dos impactos da doença. Na noite de domingo, porém, causou confusão ao divulgar números contraditórios no intervalo de pouco mais de uma hora. A polêmica vem na esteira de outra ocorrida nos últimos dias, quando o Ministério da Saúde começou a atrasar a divulgação dos levantamentos. O que ocorria às 17h na gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta passou a ser realizado às 19h e agora vem sendo feito às 22h.
Quando questionado sobre o motivo dos atrasos, em frente ao Palácio do Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro chegou a ironizar:
— Acabou matéria no Jornal Nacional (fazendo referência à divulgação diária dos números atualizados de covid-19 feitos pelo telejornal).
Com a proporção tomada pela falta de transparência na divulgação dos dados, algumas iniciativas para agregar as informações começaram a ser pensadas. Entre elas, uma plataforma gestada por ex-integrantes da equipe de Mandetta com dados atualizados sobre a evolução do coronavírus no país. O ex-secretário-executivo da pasta João Gabbardo confirmou à coluna de Carolina Bahia que está coordenando a iniciativa ao lado de especialistas em TI que já trabalharam com essas informações. O site chama-se Dados Transparentes.
Já o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) elaborou um painel próprio de informações reunindo dados de contaminados e de óbitos em contagem paralela à do governo federal.
— O painel vai continuar, porque achamos que transparência é absolutamente indispensável. Esses dados não são dos Estados, nem do Ministério, mas da população, e a população precisa saber. Eles precisam ser compreendidos pela sociedade e pela gestão. (Os dados) Precisam mostrar tendência e ajudar o gestor a tomar uma decisão. Tem que aumentar o número de leitos, afrouxar ou apertar o isolamento? Eu acredito e espero que o Ministério retome a divulgação adequada dos dados em breve — explicou Alberto Beltrame, presidente do Conass, em entrevista ao Gaúcha Atualidade na manhã desta segunda-feira.
Veículos de comunicação também reagiram, estabelecendo uma parceria para obter e informar os dados. Equipes de O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo, O Globo, G1 e UOL vão dividir tarefas e compartilhar as informações obtidas para que os brasileiros possam saber como está a evolução e o total de óbitos provocados pela covid-19, além dos números consolidados de casos testados e com resultado positivo para o coronavírus.
Para Gabbardo, atrasar a divulgação dos dados diários sobre o avanço da pandemia de coronavírus no Brasil é uma estratégia para reduzir a visibilidade das estatísticas nos meios de comunicação. Ele afirmou em entrevista ao Timeline também nesta segunda-feira que não faz diferença o horário para a pasta.
O assunto também virou tópico em entrevista do Timeline com o ex-ministro do TSE Admar Gonzaga, atualmente advogado do presidente Jair Bolsonaro, na manhã desta segunda. Ele entrou no tema após ser perguntado sobre as decisões do Ministério da Saúde.
— Estavam falseando o número de óbitos do dia, colocando 1.500 pessoas morrendo naquele dia, quando se sabe que essas certidões de óbitos se referem a pessoas que morreram 60 dias atrás. As informações não têm que sair dos cartórios, mas dos estabelecimentos de saúde. Não é justo informar a população, para espalhar o pânico, o número de certidão de óbito registrado em cartório, pois essa pessoa não morreu nesse dia - afirmou.
Gonzaga foi contestado pelo apresentador do programa e jornalista David Coimbra, que informou que os dados configuram um "fato", uma notícia "concreta", e por si só já causariam pânico na população.
Repercussão na imprensa mundial
Os principais veículos de comunicação globais voltaram a colocar o país em suas manchetes, com reportagens críticas à gestão da pandemia pelo governo federal. Nos Estados Unidos, The Washington Post afirma nesta segunda-feira (8): "À medida que as mortes por coronavírus no Brasil aumentam, Bolsonaro limita a divulgação de dados".
No Reino Unido, um dos jornais mais lidos da Europa, The Guardian, afirmou no título: "Brasil para de divulgar aumento do número de mortos por covid-19 e limpa dados do site oficial".