O presidente Jair Bolsonaro confirmou neste sábado (6) que o governo passou a adotar um novo modelo de divulgação dos dados sobre o avanço da pandemia da covid-19 no país. Em seu perfil no Twitter, Bolsonaro disse que o Ministério da Saúde "adequou a divulgação dos dados". Segundo o presidente, para evitar subnotificação e inconsistências, o ministério optou pela divulgação às 22h.
"A divulgação entre 17h e 19h, ainda havia risco subnotificação. Os fluxos estão sendo padronizados e adequados para a melhor precisão", escreveu Bolsonaro.
Para especialistas em transparência, o conjunto de medidas é inaceitável. Autor do livro Lei de Acesso à Informação: reforço ao controle democrático, Fabiano Angélico ressalta que o caso é ainda mais grave por envolver uma pandemia, quando ter informação é vital.
— É um completo absurdo. É inaceitável que esse tipo de situação esteja ocorrendo durante a maior pandemia em cem anos, o maior desastre em termos de saúde pública do século. A lógica da transparência governamental serve não só ao controle, mas também a análises independentes e múltiplas, que permitem a correção de políticas públicas. Não é um luxo ou um capricho. É obrigação dos governos fornecer informação precisa e em tempo adequado — avalia Angélico, doutorando em Administração Pública e Governo pela Fundação Getulio Vargas (FGV).
Especialista em transparência e acesso à informação, Joara Marchezini concorda e afirma que as alterações não ajudam o país a superar a crise sanitária.
— Há três dias, as informações estão saindo com atraso. O Brasil é um dos países que menos realiza testes, em um contexto de subnotificação, de aumento das mortes por agravamento de síndrome respiratória aguda e de desconexão de informação muito grave. A recontagem, neste momento, não parece ser a melhor estratégia, não que não possa ocorrer. É normal esse tipo de procedimento, mas o que não é produtivo é supor que existe um aumento proposital. A pandemia existe. Somos o epicentro dela. O que precisamos é de respostas para fazer esse enfrentamento — diz Joara.
Nesta semana, Brasil bateu recorde de mortes
Depois de três dias seguidos de recordes, o Brasil registrou 1.005 novas mortes por coronavírus na sexta-feira. O total de óbitos é de 35.026. Na sexta, a divulgação dos dados sofreu atrasos pelo terceiro dia seguido. Antes feita às 19h, só ocorreu às 22h.
Antes, Bolsonaro defendeu o atraso da divulgação dos boletins do Ministério da Saúde e disse que, com a mudança de horário, "acabou matéria no Jornal Nacional". Ele também se referiu à Globo, emissora que veicula o Jornal Nacional, como "TV funerária".
A Globo divulgou uma nota sobre as declarações de Bolsonaro, lida na edição do Jornal Nacional. Após a divulgação dos dados pelo ministério, já depois do fim do Jornal Nacional, o Plantão da Globo, com o apresentador William Bonner, entrou no ar durante a novela das 21h. O site do Ministério da Saúde, que apresentava os dados sobre a doença, estava fora do ar ao menos até a publicação desta reportagem.
Neste sábado, o presidente acompanhou uma blitz da Polícia Rodoviária Federal (PRF), em Planaltina (DF), a 52 quilômetros do centro de Brasília. Bolsonaro estava sem máscara e foi acompanhado pelo pastor Silas Malafaia e alguns de seus ministros.
O presidente foi questionado por jornalistas, quando se aproximou de um aglomerado de pessoas para fazer fotos, sobre os mais de 35 mil mortos em decorrência do coronavírus e a respeito das mudanças na divulgação dos dados nacionais sobre a covid-19. Apesar de ter olhado para os repórteres no momento das perguntas, ele não respondeu.
Depois de pouco mais de uma hora na blitz, Bolsonaro voltou de helicóptero com destino ao Forte Santa Bárbara, em Formosa (GO), onde, segundo ele disse no dia anterior, iria "dar uns tiros".
Bolsonaro pousou na margem da rodovia às 9h20min. Uma grande blitz estava montada no local, mas, durante a permanência do presidente, até as 10h35min, os policiais rodoviários não pararam nenhum veículo para revista.
No acostamento no sentido a Brasília, Bolsonaro tirou fotos com policiais rodoviários federais e gravou vídeos a pedido dos agentes. A imprensa foi mantida a alguns metros de distância.
Com a presença do presidente, alguns carros pararam no acostamento após o bloqueio da PRF. Motoristas e passageiros se aglomeraram, e Jair Bolsonaro foi até eles. Pegou uma criança no colo, abraçou e fez selfies com apoiadores. Alguns, assim como Bolsonaro, estavam sem máscara.