"O delicado transporte de uma paciente em estado muito grave"
Dia 13 de julho: 20h06min
"Hoje tínhamos, pela manhã, 78 pacientes no CTI covid-19 — 73 com a doença confirmada e cinco casos suspeitos.
Pela manhã inteira, cuidei de uma paciente exclusivamente. Ela demandou a minha atenção e a de uma equipe multidisciplinar. Tem 38 anos, asma como doença prévia, e está há vários dias no aparelho de ventilação mecânica. Hoje a levamos para o bloco cirúrgico para a realização de uma abertura na traqueia, onde foi inserido um tubo chamado traqueostomia, que serve como um atalho para levar o ar até os pulmões.
Realizamos o transporte, que foi delicado, pois a paciente também está em ECMO (oxigenação por membrana extracorpórea, na sigla em inglês, suporte que substitui o trabalho do pulmão) e com muitas medicações em bombas de infusão. Trata-se de um transporte que precisa ser realizado com muita segurança, pois ela está em estado muito grave. Empurramos a cama e o sistema extracorpóreo juntos, lado a lado, sincronizados.
Nossa equipe de transporte foi composta, além de mim, por um médico intensivista, uma perfusionista, que cuida do sistema do ECMO, e duas técnicas de enfermagem. Antes, fiz uma escala para determinar quem faz o que no caso de intercorrências graves, que não aconteceram — ainda bem.
A cama foi levada por todos, cuidando a velocidade, sem ser rápido. Nesse transporte, além do risco de perda de cateteres ou tubos, há o risco de quebra ou retirada acidental das cânulas do ECMO. Tudo grave. Além de, é claro, levarmos junto um desfibrilador para o caso de parada cardíaca.
Fomos até o bloco cirúrgico, que fica no 12º andar do prédio antigo do hospital, e a nossa UTI é no sétimo andar do prédio novo. Percorremos corredores longos, entramos e saímos de elevadores com todos os equipamentos e dispositivos. Após o procedimento, fomos buscá-la dentro do bloco cirúrgico e a trouxemos de volta para o CTI, em segurança. Como disse uma das técnicas em enfermagem, foi muito tranquilo tenso. Como pode ser tão contraditório?
Quando cheguei em casa, João Miguel colocou máscara de fantasma e me fez correr por toda a casa fugindo dele. Estamos felizes porque, no domingo, Michel teve folga dos treinos no Corinthians (time do qual é preparador físico) e veio passar o dia conosco. Aproveitamos, comemos um churrasquinho, tomamos vinho e assistimos, pela décima vez, juntos, ao filme dos Minions. Foi muito divertido.
Hoje cedo, Michel voltou para São Paulo, mas a estada em Porto Alegre valeu a pena. Começamos a nossa semana felizes.
Beijo."
"Posso dizer que praticamente ressuscitamos a paciente"
Dia 8 de julho: 19h13min
"Hoje tínhamos 70 pacientes no CTI covid-19 — 62 casos confirmados e oito suspeitos.
Corrida. Correria. Assim se resume a nossa manhã, que passou voando. Cuidei de dois pacientes com circulação por membrana extracorpórea (ECMO, na sigla em inglês), que se trata de um sistema que substitui o trabalho do pulmão, quando está muito comprometido.
Dois pacientes diferentes com duas realidades diferentes. Uma mulher e um homem.
Ela é uma paciente de 38 anos que tem asma e veio transferida de outra instituição, ontem à tardinha, para a passagem do ECMO. Estava internada, no outro hospital, desde o final de junho, por sintomas gripais que se iniciaram seis dias antes, e está, desde 1º de julho, em ventilação mecânica. Chegou a ser pronada (colocada de bruços para melhorar a respiração) três vezes e não respondeu às medidas protetoras, culminando com a necessidade do ECMO, passado logo após a chegada ao Hospital de Clínicas.
Na madrugada, iniciou hemodiálise, instalada no sistema de ECMO, e todas as medicações em doses elevadas: sedações, relaxamento muscular e medicamentos para manter a pressão arterial. Fizemos também (a transfusão de) três bolsas de sangue devido a consumo ou perda elevada de hemoglobina.
Bom, posso dizer que praticamente ressuscitamos a nossa paciente. À tarde, ela estava melhor, com a metade da dose de medicações para manter a pressão.
Ufa! Não é fácil, mas é muito bom. Ver a melhora de um dos nossos pacientes é ótimo.
Outro paciente, de 38 anos, também em ECMO, estava melhor hoje. Conversamos, mesmo ele estando com o tubo na boca. Pela manhã, falei:
— Estou torcendo para que você fique bom rápido e que logo saia esse tubo para conversarmos bastante.
Ele sorriu e me olhou. Depois, conseguiu sair da ventilação mecânica. Ou seja, foi extubado. Agora, é só torcer para ele tolerar a retirada da ventilação mecânica e amanhã podermos conversar bastante. Logo após a extubação, não conversamos para não forçar muito a fala, pois ainda é um momento crítico, em que ele precisa estar concentrado em respirar bem.
No final da tarde, recebi uma mensagem do meu grupo de técnicos de enfermagem agradecendo pelo trabalho em equipe. Nos superamos todos os dias, mas hoje o grupo se uniu ainda mais, e o sentimento, no final do turno, foi de 'unidos venceremos'. Somos uma família e salvamos o amor da vida de alguém. Sensação melhor não há.
Beijo. Até mais."
"Teve alta paciente de 34 anos que esteve em estado muito grave"
Dia 6 de julho: 20h54min
"Hoje tínhamos 67 pacientes no CTI covid — 63 com a doença confirmada e quatro casos suspeitos.
Nossa manhã foi cheia de emoções e notícias boas. Hoje teve alta do CTI para a unidade de internação uma paciente de 34 anos que esteve em estado muito grave. Ela ficou 28 dias no aparelho de ventilação mecânica e, nesse período, chegou a ser pronada (colocada de bruços para melhorar a respiração) 11 vezes.
Na saída da unidade, todos batemos palmas e ficamos emocionados. Com ela, foram as fotos de seus dois filhos, de 15 e 18 anos. Ela me contou que foi mãe jovem e que tem ainda muitos anos pela frente para curtir com a família.
Ela foi rápida na forma de expressar sua gratidão. Recebeu alta para o quarto e, uma hora e 30 minutos após sua saída, recebemos flores, chocolates e um cartão lindo, com a seguinte mensagem: 'Meu muito obrigada à equipe de anjos da UTI do Hospital de Clínicas'.
Recebi as flores em nome da equipe, na entrada da unidade, e cheguei a me arrepiar. Caíram lágrimas dos meus olhos. Um misto de felicidade por ela com uma sensação de dever cumprido e da importância do trabalho multiprofissional nos resultados positivos, como o de hoje.
À tarde, participei de uma live nacional falando das práticas de cuidados aos pacientes com covid-19 que desenvolvemos na UTI do Clínicas. Foi muito interessante a troca de experiência com outros profissionais do Rio Grande do Sul e do Brasil.
Agora à noite, eu e João Miguel, meu filho, faremos uma live com o Michel, meu marido, que está em São Paulo. João Miguel me perguntou se eu combati o coronavírus hoje no hospital. Eu disse que sim, que todos os dias a mamãe tem combatido o coronavírus e que, juntos, vamos vencê-lo."
"Esposa de paciente em estado grave ficou aliviada após visita virtual"
Dia 1º de julho: 20h08min
"Hoje a unidade seguia bastante movimentada. Cedo da manhã, tínhamos 56 pacientes no CTI covid-19 — 51 casos confirmados e cinco suspeitos.
Sobre o nosso paciente de 36 anos (relatos de 24 e 29 de junho) que estava em ECMO (oxigenação por membrana extracorpórea, na sigla em inglês, um sistema de alta complexidade que substitui o trabalho do pulmão), estamos tentando retirá-lo da ventilação mecânica. Está com o despertar agitado, mas vai, aos poucos, se ajeitando com as intervenções implementadas.
Falando nesse paciente, ontem participei, junto de uma psicóloga, de uma videochamada com a família dele. Foi muito legal esse trabalho conjunto.
A esposa do paciente é uma mulher forte, muito bonita. Adorei conhecê-la. Ela disse que também gostou muito de me conhecer e que ficou aliviada por ver seu esposo. Foi uma visita virtual muito importante, tanto para ela quanto para nós, profissionais. Saí leve.
À tardinha, estavam iniciando ECMO em outro paciente, de 50 anos, que está internado há 10 dias. Os sintomas gripais se iniciaram dois dias antes da internação. Como história prévia, somente uma alteração em um dos componentes do sangue.
ECMO é um procedimento muito importante, que envolve equipes de cirurgia torácica, medicina intensiva e enfermagem e um perfusionista (profissional que controla a máquina).
Amanhã pela manhã, teremos, além dos pacientes pronados (deitados de bruços para melhorar a respiração) e em diálise contínua, os dois pacientes em ECMO, que também estão em ventilação mecânica, e todos os pacientes em ventilação dentro da minha unidade.
Agora, vou assistir a desenhos com o João Miguel, meu filho, e conversar com Michel, meu marido, que está trabalhando bastante em São Paulo com os treinos no Corinthians, time do qual é preparador físico. Vamos ficar agarradinhos no sofá.
Ontem à noite, João Miguel dormiu abraçado no porta-retratos do papai. Saudade.
Um beijo. Até mais."
"Fiquei surpresa e feliz: paciente de 34 anos saiu da ventilação mecânica depois de 28 dias"
Dia 29 de junho: 21h21min
"Hoje tínhamos 57 pacientes no CTI covid-19, a maioria com a doença confirmada.
Quando cheguei, cedinho, fiquei muito surpresa e feliz. Uma paciente de 34 anos, sem doenças prévias, que ficou 28 dias no aparelho de ventilação mecânica, estava extubada (desconectada do ventilador) e conversando.
Ela ainda está muito emotiva, mas feliz com a melhora. Conseguimos colocá-la sentada em uma poltrona. São esses progressos que fazem os nossos dias mais felizes.
Outro paciente que teve evolução foi o de 36 anos (relato de 24 de junho), também sem doenças prévias, que estava em ECMO (circulação por membrana extracorpórea). Ele acabou de ser decanulado, que significa a retirada das cânulas e do suporte de ECMO.
É um progresso muito grande. Por enquanto, ele segue sedado e em ventilação mecânica, mas, logo que possível, acreditamos que conseguiremos extubá-lo. Nós, da terapia intensiva, sempre comemoramos essas vitórias.
Esses dois pacientes estiveram em estado muito grave. Tiveram intercorrências que foram resolvidas pela equipe e melhoraram. Quando vejo esses resultados positivos tão significativos, vejo também que estou no lugar certo. Nosso trabalho faz diferença na vida das pessoas.
Hoje João Miguel, meu filho, me pediu um abraço bem forte e me chamou de bonitona. Achei uma graça! Quem fala isso para mim é o Michel, meu marido. Estamos com muita saudade dele. Ele segue trabalhando em São Paulo, ainda sem previsão de voltar para Porto Alegre.
Eu e João Miguel brincamos com o jogo da memória, e ele encontrou vários pares seguidos. Começou a comemorar e a rir muito. Disse:
— Mamãe, tô rico!
Posso dizer para vocês que rica estou eu com uma criança assim dentro de casa.
Um beijo. Até mais."
"Dois pacientes graves estão acordando aos poucos"
Dia 26 de junho: 19h54min
"Hoje tínhamos 54 pacientes no CTI covid-19, a maioria com a doença confirmada. Infelizmente, temos visto o número de internações aumentar a cada dia.
Nossos dois pacientes em ECMO (circulação por membrana extracorpórea) iniciaram o desmame do aparelho gradualmente e estão indo bem. Desde ontem, estávamos enfrentando intercorrências clínicas em ambos, quase simultaneamente, mas todas foram resolvidas com cautela e acerto pela equipe. Talvez, na semana que vem, possamos retirá-los do suporte do ECMO, e isso é um progresso nesta batalha diária.
Esses dois pacientes seguem sedados e em ventilação mecânica, porém, estão com menos sedação e acordando aos poucos. Ainda não nos entendem, mas acredito que não demorará muito para isso acontecer.
Hoje fui chamada inúmeras vezes para responder dúvidas ou para auxiliar em algum boxe de paciente. Uma das técnicas de enfermagem até brincou:
— Acho que te chamamos mais do que o João Miguel!
Eu sorri e disse:
— Acho que o João Miguel (meu filho) ainda vence vocês!
Somos um grupo formado há pouco tempo, devido à pandemia, e já nos reconhecemos como uma equipe de enfermagem forte e unida. Estou amando minha nova equipe, assim como amo o grupo anterior. Somos um time, independentemente de onde estivermos.
Agora há pouco, eu e João Miguel montamos quebra-cabeças e brincamos com massinha de modelar. Como forma de expressar sua felicidade por estarmos juntos, ele disse:
— Tua roupa está linda, mamãe!
E sabem com que roupa estou? Pijama e casaquinho da minha amada avó, que partiu muitos anos atrás.
Um beijo e até mais."
"Cartas enviadas aos pacientes nos sensibilizam: 'Tua cachorrinha mandou lambidinhas. Vai passar'"
Dia 25 de junho: 19h44min
"Hoje tínhamos 49 pacientes no CTI covid-19. Apenas quatro casos suspeitos, e os demais com a doença confirmada.
Minha manhã foi bastante movimentada. O CTI estava com muitos procedimentos ocorrendo ao mesmo tempo. Na minha unidade, todos os pacientes estão com ventilação mecânica e quadro clínico grave.
Um detalhe que tem chamado bastante a atenção da equipe multiprofissional são as fotos dos pacientes com suas famílias fixadas nas paredes dos boxes. São pais que estão longe de seus filhos, mães que se afastaram da família, filhos ou avós. Enfim, são pessoas que estão longe de seus familiares e lutando para viver.
Neste momento de pandemia, as visitas virtuais são uma forma de aproximação. E, mesmo longe das famílias, nunca estivemos tão próximos, pois olhamos aquelas fotos e nos colocamos no lugar delas, torcendo para que os pacientes se recuperem e voltem para quem os ama.
Me tocam muito as fotos dos pacientes com seus familiares. Elas dão força a mim e a toda a equipe para seguirmos na luta, fazendo todo o melhor.
Os bilhetes e as cartas presos nas camas também nos sensibilizam. Hoje mesmo, uma das cartinhas dizia assim: "Todos estão torcendo por ti. Logo ficará tudo bem. Tua cachorrinha mandou beijos, ou melhor, lambidinhas. Vai passar".
Agora à noite, João Miguel me deu uns 20 beijos. Beijou até minha barriga. Acho que ele estava com saudade. Ele recebeu vídeos da família e ficou muito feliz. O papai, Michel, mostrou todo o apartamento em São Paulo por vídeo. Ele adorou. Lembrou do quarto e dos brinquedos que ficaram lá, além de também matar a saudade.
Agora vou descansar porque amanhã é outro dia e com certeza será puxado novamente.
Um beijo. Até mais."
"52 pacientes no CTI. Parece que foi ontem que só havia quatro ou cinco"
Dia 24 de junho: 19h40min
"Hoje tínhamos 52 pacientes no CTI covid-19. Infelizmente, temos visto o número de internações aumentar a cada dia. Parece que foi ontem que eu só tinha quatro ou cinco pacientes internados.
Um dos pacientes de quem cuidei hoje me chamou muito a atenção. Além de ser um dos mais graves, ele tem 36 anos e não tinha nenhuma doença prévia. É um homem alto, tem cerca de 1m80cm. Foi internado há 12 dias com dor de cabeça, febre, diarreia, fraqueza e dor no corpo, sintomas que tiveram início oito dias antes.
Logo na chegada, ele precisou de ventilação mecânica. Dois dias depois, precisou também de circulação por membrana extracorpórea, que substitui o trabalho do pulmão, e está até hoje com esse suporte.
Quero te destacar, meu diário, que ele não tinha nenhuma doença prévia. Um paciente saudável, que está em estado muito grave e precisando de todo o suporte necessário, de uma terapia intensiva com grandes tecnologias.
Essa doença assusta muito, dá medo, pois estamos em risco se não seguirmos os protocolos de segurança. Quem puder não saia de casa, use máscara adequadamente, higienize as mãos com frequência com álcool gel ou água e sabão. São cuidados simples que fazem toda a diferença para vencermos esse vírus.
Cuide-se e você estará cuidando do outro. Esta é uma doença da compaixão, da solidariedade e do amor a si e ao outro.
À tarde, participei da banca de mestrado de uma enfermeira com 38 semanas de gestação. Olha só! Ela conseguiu defender o mestrado.
Há pouco, conversei com meu marido, que está em São Paulo. Ele está bem, graças a Deus. Daqui a pouco, vamos fazer mais uma videochamada. Brincar, mesmo que seja a distância, com João Miguel, e descansar para o dia de amanhã.
Um beijo. Até mais."
"Imagem de esperança: agora em um quarto com janela, o paciente olhava para o sol"
Dia 19 de junho: 18h47min
"Hoje estava me lembrando de um momento muito especial que tive no dia da transferência do CTI covid-19 do térreo para o sétimo andar do Anexo.
Um dos meus pacientes, fora do aparelho de ventilação mecânica, estava melhor, e conversamos. Eu falei:
— Hoje o senhor está bem melhor. Ficamos tão felizes!
Ele fez sinal de oração, unindo as mãos. Continuei dizendo que ele seria transferido de leito, para o CTI do sétimo andar, no mesmo prédio, e que ganharia um quarto individual com janelas. Ele sorriu e agradeceu.
No outro dia, fui ver como estavam meus pacientes transferidos e até me emocionei. Aquele paciente (que fez o sinal de oração) não chegou a me ver, mas o avistei sentado em frente à janela, no fim da tarde, olhando para o sol, que ainda batia e o banhava com uma luz linda. Uma imagem reconfortante, mostrando a esperança de ver a melhora gradual de um paciente que luta para vencer a covid-19 — e está vencendo.
Hoje ele teve alta do CTI para a unidade de internação, e todos ficamos muito alegres.
Quando cheguei em casa, a Andréa, babá do meu filho, tinha feito lasanha de berinjela. João Miguel me encheu de beijos, bem fortes, e disse:
— Beijão, mamãe! Beijão, mamãe!
Semana que vem, estarei no CTI covid-19 do sétimo andar, em um novo desafio. Que bom que também terei uma paisagem linda e o sol batendo na janela.
Um beijo. Até mais."
"Operação delicada: a transferência de 27 pacientes em estado grave"
Dia 17 de junho: 19h58min
"Ontem e hoje, transferimos 27 pacientes, a maioria em ventilação mecânica e em estado grave, do CTI covid-19 do térreo para o CTI covid-19 do sétimo andar do Anexo do Hospital de Clínicas.
No sétimo andar, cada leito tem espaço individual, fechado, com paredes e porta, e fornece ainda melhores condições de trabalho e segurança para todos. Há janelas que permitem até banho de sol para os pacientes. Onze pacientes, por enquanto, ficarão no térreo.
O transporte foi uma operação muito delicada e contou com médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem. Eu fui uma das enfermeiras da equipe. Todas as transferências foram feitas com tranquilidade e trabalho coletivo. Não tivemos intercorrências, que são alterações clínicas que podem comprometer a vida do paciente.
Seguimos o checklist de cuidados no transporte do paciente crítico, que contém orientações sobre vias aéreas e avaliação da necessidade de sedação adicional, além de termos uma maleta com materiais e medicamentos que pudessem ser utilizados durante a transferência. Verificamos também a quantidade de oxigênio nos torpedos (cilindros) de transporte.
Desses 27 pacientes transferidos, dois estão em oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO), que é um sistema de alta complexidade de circulação extracorpórea que substitui o trabalho do pulmão, que precisa se recuperar.
Portanto, o uso do checklist, aliado à experiência dos profissionais e às lideranças, que são muito organizadas e tranquilas, permitiu que tudo fosse feito com segurança para pacientes e profissionais. Sabíamos que estávamos expostos a um risco de contaminação.
Quando cheguei em casa, João Miguel perguntou se papai tinha vindo junto. Ele está com saudade do Michel, que viajou para São Paulo para trabalhar. Fazemos videochamada diária, que ajuda a aproximar. A Andréa, babá do João Miguel, fez panquecas. Eu e ele adoramos panquecas. Ela também nos mima muito.
Estou com dificuldade para dormir à noite. Hoje vou tentar relaxar um pouco mais, pois, no ritmo em que estamos, preciso estar mais descansada. Ainda estou com dor nas panturrilhas, decorrente de dois dias ainda mais intensos do que aqueles com que já estamos acostumados.
Um beijo. Até amanhã."
"Quero registrar novamente a gravidade, a alta complexidade de cuidados e a carga de trabalho elevada para toda a equipe"
Dia 15 de junho: 22h19min
"Hoje tínhamos 38 pacientes no CTI covid-19 no início da manhã. Um paciente teve alta para a unidade de internação. Mais dois ou três pacientes seriam internados na sequência. A maior parte dos pacientes está com a doença confirmada.
Nossa! Estamos sentindo na pele a grande demanda de internações e cuidados. Sei que já falei disso antes no meu diário, mas quero deixar registrado novamente e reforçar a gravidade, a alta complexidade de cuidados e a carga de trabalho elevada para a equipe como um todo. Amanhã faremos a transferência de boa parte dos pacientes do CTI covid-19 do térreo do novo anexo para o sétimo andar.
Os leitos foram ampliados, e lá haverá leitos separados por paredes e porta. É melhor em termos em risco de contaminação para a equipe e operacionalização dos processos de trabalho. Será um dia de muitas atividades, de muito trabalho.
Agora à noite, tive reunião online do serviço de enfermagem de terapia intensiva. Participaram mais de 90 enfermeiros. João Miguel participou da reunião. Agora somos nós dois aqui de noite — meu marido trabalha em São Paulo e já viajou. Amanhã de manhã, vem a Andréa, babá do João Miguel, bem cedinho, para me render, receber o "plantão", para eu poder ir trabalhar."
"Paciente entubado na mesma noite em que a esposa contou o segredo de 50 anos de casamento"
Dia 12 de junho: 19h25min
"Hoje tínhamos 33 pacientes internados, pela manhã, no CTI covid-19: 27 com a doença e seis com suspeita. À tarde, seriam internados mais dois pacientes.
Nosso paciente de 75 anos (tema de meu último texto, de 10 de junho, quando contei que ele e a esposa estavam em leitos lado a lado e foram entubados na mesma noite) estava bem alerta. Estimulamos muito a comunicação, mesmo que ele não consiga falar neste momento. Orientei-o no tempo e na data, pois os pacientes que estão internados perdem essa noção. Eu disse:
— Hoje é Dia dos Namorados! Quero conversar com o senhor.
E ele me olhou bem atento. Perguntei:
— Qual o segredo para 50 anos de casamento? Sei que o senhor e a sua esposa estão juntos há muitos anos. O segredo é muito amor e paciência de ambas as partes?
Ele fez um sinal de positivo com a cabeça, e todos sorriram na unidade. Estamos aprendendo muito com ele.
Também cuidei de um paciente de 51 anos que está em hemodiálise contínua, e o preparamos para o bloco cirúrgico. Ele passou por uma traqueostomia: um orifício feito na traqueia que permite a entrada de ar e a adaptação ao aparelho de ventilação mecânica. Ele está há vários dias na ventilação e precisou desse procedimento.
Em outro paciente, de 72 anos, realizamos os cuidados para a manobra supina, que é colocá-lo de barriga para cima. Ele permaneceu 18 horas na posição prona, de bruços (para melhorar a respiração). Também é um procedimento complexo, que envolveu sete profissionais. Seguimos uma lista de cuidados pré e pós-manobra, a fim de executá-la com segurança. Tudo ocorreu com sucesso.
Há cinco anos, eu e meu marido não estávamos juntos de forma presencial no Dia dos Namorados. Ele passou nove anos trabalhando fora do Brasil. Estamos compensando os anos de distância, mas sempre perto de coração, ainda mais que temos essa preciosidade que é João Miguel. Precisamos comemorar sempre e muito."
"Lado a lado, marido e esposa foram entubados na mesma noite"
Dia 10 de junho: 21h14min
"Hoje tínhamos 31 pacientes na unidade, a maioria com covid-19 e em ventilação mecânica. Um dos pacientes de quem cuidei tem 75 anos e está internado há cerca de 30 dias.
Vi, na parede, a foto da família no aniversário de 50 anos de seu casamento e lembrei que cuidei dele também no seu segundo dia de internação no CTI. Ele e a esposa foram internados juntos e entubados na mesma noite, um após o outro.
Na passagem daquele plantão, recordo as colegas contando o ocorrido. Meus olhos se encheram de lágrimas. Sou muito emotiva. Imaginei tudo, foi como se eu estivesse lá no momento. Aquela cena me marcou muito.
A terapia intensiva não deixa as pessoas mais duras, mas, sim, mais humanas.
Me emocionei também com as colegas contando que, na tarde anterior à entubação, a equipe de enfermagem colocou este nosso paciente, com oxigênio, em uma cadeira de rodas e o levou até a esposa. Eles estavam em boxes lado a lado, mas não podiam se enxergar. Foi emocionante. Eles puderam conversar e ver a família por videochamada. Naquela noite, durante a madrugada, eles tiveram uma piora ventilatória e precisaram ser sedados, entubados e colocados em ventilação mecânica.
A boa notícia é que ela se recuperou, foi transferida para a unidade de internação e já está em casa com a família. Ele segue conosco. Todos o adoramos. Ele não consegue falar, mas gesticula, é expressivo. Ele tem uma traqueostomia — um orifício que é feito na traqueia, por meio de procedimento cirúrgico, que permite a entrada de ar, facilitando o desmame do aparelho de ventilação.
Outra notícia é que Michel, meu marido, retornará para São Paulo. Ele é preparador físico do time do Corinthians. Todos serão testados para coronavírus antes do início dos treinos. Já estamos trabalhando, com João Miguel, essa ideia de o papai viajar. Hoje ele disse:
— Mamãe, já estou com saudade do papai.
Mas, aos poucos, vamos nos adaptando. A babá, Andrea, que também é meu anjo da guarda, ajudará com as questões do Gegel. É assim a vida, bola para a frente. Enfermagem e preparação física são profissões apaixonantes.
Finalizo meu diário de hoje descrevendo uma cena com meu filho. Fiz massagem na barriga dele, agora há pouco. João Miguel disse:
— Muito boa a sua massagem, mamãe.
Eu falei:
— É mesmo, filho? O que mais é bom?
E ele respondeu:
— Teu café.
Comecei a rir. Ele acrescentou:
— Tudo é bom em você, mamãe!
Um beijo e até mais."
"O desgaste físico e mental é inevitável"
Dia 9 de junho: 20h30min
"Estamos com 29 pacientes na unidade, a maioria com covid-19 confirmada. Muitos pacientes estão em estado grave, como já tinha mencionado anteriormente aqui.
Hoje havia vários em diálise, pronados (virados de bruços para melhorar a oxigenação dos tecidos). Cada paciente com, no mínimo, oito bombas de infusão com medicações contínuas, além das intermitentes. Só no turno da manhã, três pacientes foram pronados — todos em ventilação mecânica, sedados e com relaxante muscular.
Um deles tem 190 quilos, e o procedimento foi um desafio para o grupo. Tudo ocorreu com sucesso, consequência da experiência da equipe e do trabalho coletivo.
Esses procedimentos em série têm sido cada vez mais comuns. O desgaste físico e mental é inevitável diante de um cenário como o que estamos enfrentando todos os dias. Mas somos resilientes, levantamos a cabeça, nos reerguemos e seguimos adiante, procurando sempre fornecer o melhor para os nossos pacientes, que estão em uma situação muito difícil e precisam de nós.
Cheguei em casa no início da noite. Michel e João Miguel prepararam um café com leite para mim. Agora vamos fazer pizza juntos, aproveitar para conversar, relaxar. Depois, descansar para amanhã.
Um beijo. Até mais."
"Meu segundo isolamento por suspeita de infecção por coronavírus"
Dia 8 de junho: 19h03min
"Comecei a ter sintomas gripais em 28 de maio e procurei o serviço médico ocupacional do hospital. Fiz o exame de PCR para coronavírus. Ao chegar em casa, já fiquei isolada em meu quarto, que tem banheiro exclusivo, recebendo as refeições na porta, entregues pelo meu marido, Michel. Quando eu abria a porta — ambos com máscaras —, tinha a esperança de avistar meu filho, João Miguel, mesmo que de longe.
O resultado negativo veio no dia seguinte, o que me deu alívio, mas não baixei a guarda nos cuidados com o isolamento. Segundo o protocolo do Clínicas, depois de sete dias do início dos sintomas, coleta-se outro PCR. Somente após o segundo negativo o funcionário está liberado.
Passei uma semana isolada. Muitas vezes, escutava João Miguel bater na porta, me pedindo uma 'dedê' (mamadeira), e eu tinha que falar para ele pedir para o papai. Escutando seus gritos de 'eu te amo muito, mamãe'.
Algumas vezes,ele falava bem alto, junto à porta, me convidando para verificar um problema no seu quarto — na verdade, era a esperança de me convencer a sair dali. Isso tudo apesar de eu ter explicado sobre o coronavírus e dizer que estar no quarto era uma forma de cuidado.
No dia em que recebi a ligação do hospital com o resultado negativo do exame, abri a porta desesperadamente e fui abraçar João Miguel e Michel. Demos um abraço triplo. João Miguel quase fez xixi nas calças de tanta felicidade. Tive que levá-lo imediatamente ao banheiro. Ele perguntou:
— Agora liberou, mamãe?
Eu disse:
— Agora liberou, filho!
E ele foi só sorrisos, de tanta felicidade. Aquele final de tarde foi um dos mais alegres que já tive, a prova do amor mais puro. Liguei para o grupo da família pelo WhatsApp e avisei a todos. Comemoramos juntos. Também fiquei muito feliz em poder voltar ao trabalho, fazer o que eu gosto, cuidar dos meus pacientes e da minha equipe.
No retorno, fiquei espantada com uma mudança de cenário: 28 pacientes internados nas UTIs para covid-19 (24 com a doença e quatro casos suspeitos). Quando eu havia saído, poucos dias antes, tínhamos 18 pacientes na unidade. Estamos com muitos pacientes graves e demandas de cuidados complexos.
Hoje brinquei com João Miguel de um jogo no iPad chamado Plantas e Zumbis. Ele me liberou porque não consegui ajudá-lo a passar de fase. Chamou o pai dele. Fazer o quê, né? Cada um com suas habilidades.
Um beijo. Até amanhã."
"'Te amo muito, papai', disse a menina de sete anos em mensagem de áudio"
Dia 27 de maio: 21h35min
"Minha manhã começou sendo marcante. Nosso paciente de 41 anos que há dois dias tentava ir ao banheiro, mas não estava conseguindo sair do leito pelo esforço respiratório e pela baixa oxigenação do sangue, finalmente conseguiu. Ele se sentiu aliviado.
Conversamos sobre a sua família. Ele tem feito ligações de vídeo para todos e também tem se comunicado por WhatsApp. Mostrou-me a foto dos três filhos, todos lindos.
Fiquei muito emocionada com o áudio que sua filha de sete anos lhe enviou. Dizia assim: 'Te amo muito, papai. Que Deus te proteja sempre'. Com aquela voz doce e meiga... Nossa! Como não se emocionar? Meus olhos se encheram de lágrimas. Naquele momento, falamos que, sem dúvida, hoje foi o seu melhor dia no CTI. Se continuar em curva de melhora, provavelmente terá alta breve para a unidade de internação e, depois, para casa.
Ele me contou que, na cidade dele, a médica que o encaminhou para o Hospital de Clínicas fez todo o possível para a sua transferência. Ele disse que tem certeza de que está no melhor lugar.
Chegando em casa, simulei um escorregador no sofá da sala para o Mickey e a Minnie. João Miguel, meu filho, adorou e me disse:
— Te amo muito, mamãe!
Perguntei para o Michel, meu marido:
— Será que quando o João Miguel ficar grande vai continuar dizendo que me ama?
E o pequeno respondeu:
— Vou sim, mamãe! E o papai também.
Beijos. Até mais."
"Cheguei a deixar o respirador ao lado do leito. Achei que talvez fosse necessário"
Dia 26 de maio: 21h02min
"Hoje pela manhã tínhamos 20 pacientes internados, 18 com covid-19 e dois com suspeita da doença. Cuidei de três pacientes e aguardei a chegada de um do Interior, que acabou sendo internado à tarde.
Um dos nossos pacientes, de 41 anos, segue sem conseguir ir até o banheiro, devido à falta de ar e ao esforço respiratório. Tudo é feito sem sair do leito. De manhã, ele apresentou baixa oxigenação no sangue, precisou de suporte maior de oxigênio e demorou para se recuperar. Por alguns instantes, cheguei a deixar o respirador ao lado do leito. Achei que talvez fosse necessário.
Um dos desafios do momento tem sido gerenciar a escala de trabalho mensal do grupo de técnicos de enfermagem. Sou responsável, com outras colegas enfermeiras, por organizar as folgas. Há, no momento, 20 técnicos. Costumava fazer a escala para, no máximo, 13. São desafios diários que estamos enfrentando.
A pandemia nos tirou da zona de conforto, mas também nos oportuniza conhecer colegas novos e até mesmo antigos, com quem nunca tivemos a oportunidade de trabalhar antes, e novas tecnologias. Também trocamos experiências.
À noite, brinquei de PJ Masks com João Miguel, meu filho, e Michel, meu marido. Foi muito engraçado, pois João Miguel segue dizendo que sou a Corujita. Perguntei que superpoderes ela tem, e ele falou:
— Olhos de coruja!
Eu perguntei:
— E o que mais, filho?
Ele respondeu:
— Só esse, mamãe!
Me tirou os sorrisos. Agora, ele está fazendo pizza integral com o Michel. Acabei de ouvi-lo dizer que "vai ficar muito bom para a mamãe".
Então, meu Deus, o que posso querer mais? As coisas mais preciosas da vida estão nos gestos mais simples. Quero sempre poder oportunizar aos pacientes gestos simples, mas com muito significado e que façam diferença em suas vidas.
Um beijo. Até amanhã."
"Paciente tossia muito, esforçava-se para respirar, e não conseguiu ir até o banheiro"
Dia 25 de maio: 18h43min
"Hoje cuidei de três pacientes — dois em ventilação mecânica e um com cateter nasal com baixo fluxo de oxigênio. Este paciente tem 41 anos e tossia muito, apresentava esforço para respirar. Ele queria ir até o banheiro, que fica a uns cinco metros do leito, mas não pôde, pois isso poderia piorar o esforço e a oxigenação no sangue.
A equipe médica conversou conosco da Enfermagem. Achamos prudente, neste momento, não submetê-lo a esforço, mesmo que parecendo mínimo. Então lhe oferecemos um recipiente chamado papagaio para que pudesse fazer xixi, dentro desse frasco, no leito mesmo.
Outro paciente, de 51 anos, que estávamos tentando retirar da sedação poucos dias atrás, apresentou piora. Precisamos aumentar os medicamentos analgésicos, sedativos e até mesmo o relaxante muscular.
Estamos vendo que os pacientes com covid-19, por vezes, necessitam retornar para a sedação e para medicações para manter a pressão arterial. Isso pode estar relacionado ao próprio processo inflamatório da doença. Tem sido bem comum no CTI.
Com o aumento de profissionais na terapia intensiva, mais áreas para paramentação e desparamentação (colocação e retirada dos equipamentos de proteção individual) foram instaladas na unidade, a fim de facilitar a chegada e a saída dos turnos. Ficou muito bom. São áreas que ficam próximas, mas separadas. Uma área é considerada limpa, e a outra, contaminada."
"Percebemos um aumento das internações em UTI e da gravidade dos pacientes"
Dia 22 de maio: 22h02min
"Estava relendo as páginas do meu diário. Há exatos 30 dias, tínhamos sete pacientes na unidade. Hoje, estávamos com 23 pacientes internados — desses, 19 com covid-19 e quatro com suspeita da doença. Isso assusta, pois quem está no front tem percebido um aumento das internações em terapia intensiva e também da gravidade dos pacientes.
Essa rotina, às vezes agitada, sempre intensa, cheia de imprevistos e procedimentos complexos, como uma entubação, a manobra prona (virar o paciente de bruços para melhor oxigenação dos tecidos), passagem de cateteres, atendimento de uma parada cardíaca... Tudo isso necessita de muita concentração, cuidado redobrado para não relaxar na paramentação e na desparamentação (colocação e retirada de equipamentos de proteção individual) e agilidade de toda a equipe.
No fim da manhã, recebemos um paciente idoso com suspeita de covid-19. Ele chegou em estado muito grave. Na sua frente, uma paciente jovem, internada ontem, recebia alta para a unidade de internação. Dois casos opostos, frente a frente, a alguns metros de distância.
Na saída do vestiário, enxerguei um cartaz preso na parede que achei muito interessante. Dizia:
1. Pense sobre o dia de hoje.
2. Pense em três coisas que foram difíceis. Depois, esqueça-as.
3. Pense em três coisas que funcionaram bem.
4. Escolha uma ação que simboliza o final do seu plantão.
5. A partir de agora, dedique a sua atenção para a sua casa.
6. Como você vai descansar e recarregar suas energias?
Bom, eu vou aproveitar com a minha família. Vou tentar descansar no final de semana e curtir com os meus amores. Um beijo. Até mais."
"Perguntei se o paciente tinha dor, e ele negou, mexendo a cabeça"
Dia 20 de maio: 19h12min
"Hoje tínhamos 20 pacientes internados nas áreas para covid-19 do CTI, 18 deles com a doença confirmada.
Cuidei de um paciente de 51 anos com covid-19 que começou a acordar da sedação. Cheguei à beira do leito, chamei-o pelo nome. Ele, pela primeira vez, abriu os olhos depois que foi sedado, entubado e colocado na ventilação mecânica, dois dias atrás.
Me apresentei, disse que ele estava no hospital se tratando, com um tubo na boca para ajudá-lo a respirar. Perguntei se tinha dor. Ele negou, mexendo a cabeça. Perguntei se tinha frio, e ele também negou. Depois, não respondeu mais as minhas perguntas, e seguiu dormindo. Ainda está sonolento, mas acreditamos que logo acordará.
Hoje é o Dia do Técnico de Enfermagem, dia de homenagear nossos parceiros e colegas pela dedicação, pelo zelo, pelo empenho, pela competência e pelo amor por cuidar de vidas. A pandemia de coronavírus nos uniu mais do que nunca. Compartilhamos emoções, confiança, carga de trabalho. Os técnicos estão sempre com os enfermeiros e toda a equipe de saúde. Somos muito gratos a eles.
Terei reunião online do meu grupo de pesquisa, pois precisamos manter o protagonismo, fazendo estudos que melhorem ainda mais a assistência e tragam evidências científicas para a prática.
O plano é jantar pizza, assistir a desenhos com Michel, meu marido, e João Miguel, meu filho, e descansar para amanhã.
Um beijo. Até mais."
"Todos os dias, as chefias passam para saber como estamos nos sentindo"
Dia 19 de maio: 19h26min
"Hoje tínhamos 21 pacientes internados nas áreas para covid-19 do CTI, a maior parte deles com a doença confirmada. Na unidade onde trabalho, havia quatro pacientes, todos em ventilação mecânica, três deles em hemodiálise contínua — que fica ligada 24 horas por vários dias e exige muita atenção e vários cuidados, principalmente da equipe de Enfermagem, o tempo todo à beira do leito.
Dois pacientes estavam na posição prona, ou seja, virados de bruços para melhorar a oxigenação dos tecidos.
Todos os dias de manhã, nossas chefias, com o administrativo do CTI, passam nas unidades para conversar sobre as demandas e sobre como o grupo está se sentindo, como está o nosso emocional. As rotinas com a paramentação e a desparamentação (colocação e retirada dos equipamentos de proteção individual) são desgastantes, e temos vivenciado momentos bem difíceis.
Por motivo de higiene e segurança profissional, é indicado lavar os cabelos todos os dias após o trabalho. Essa rotina tem me cansado um pouco. Quem me conhece sabe que tenho cabelos longos e em muita quantidade. Ainda não os cortei, mas já tive vontade. Tenho colegas que cortaram bem curtinho para facilitar.
Agora vou brincar de pega-pega com o João Miguel, aqui dentro de casa mesmo. A gente inventa cada coisa! Damos muitas risadas. É um momento que amo muito e de extrema diversão. O Michel, meu marido, vai fazer um sanduíche natural. Vamos escutar um pouco de música e descansar para amanhã.
Um beijo."
"Duas altas de pacientes idosos em um final de semana é de se comemorar"
Dia 18 de maio: 18h58min
"O quadro clínico dos pacientes com covid-19 se instabiliza muito rapidamente. São muitos pacientes graves, juntos, em uma unidade. Na nossa rotina normal, fora da pandemia, temos pacientes com essa gravidade, mas intercalados com outros vários em estado regular. Agora, estamos nos deparando com o aumento da quantidade de pacientes graves, a maior parte entubados, em ventilação mecânica, sedados, muitos com falência renal.
Temos percebido um aumento do número de pacientes internados de Porto Alegre, da Região Metropolitana e do Interior. Mas também já vimos pacientes vindos de outros Estados. A Enfermagem está reorganizando seus processos de trabalho, refazendo fluxos, capacitando toda a equipe para dar conta da pandemia. Temos um número elevado de novos profissionais no grupo sendo capacitados. São muitos desafios, mas o mais importante é manter o foco na atenção ao paciente e em todos os seus níveis de complexidade.
A melhor notícia do dia foi que minha paciente de 78 anos teve alta do CTI para a unidade de internação no final de semana. Outro paciente, de 77 anos, também foi transferido para a Enfermaria. Duas altas de pacientes idosos em um final de semana é de se comemorar. E os dois estiveram em estado muito grave e em ventilação mecânica por bastante tempo. Hoje estão no quarto.
Quando cheguei em casa, almocei com meus amores. João Miguel, meu filho, falou:
— Vamos brindar, gente?
Brindamos com suco, e ele disse:
— Saúde!
Saúde é pelo que mais agradecemos e também pedimos todos os dias.
Um beijo. Até amanhã."
"São muitos procedimentos com risco de contaminação do profissional"
Dia 15 de maio: 21h29min
"Minha manhã foi corrida. A UTI estava com muitos pacientes graves, exigindo uma carga de trabalho elevada de toda a equipe. Estamos acostumados com urgências, emergências, mas é diferente — são muitos procedimentos com risco de contaminação do profissional. Temos que estar bem protegidos, devidamente paramentados, e cuidar uns dos outros. Segurança do profissional é uma prioridade.
Situações habituais no CTI, como uma entubação (colocação do tubo para ventilação mecânica), exigem mais atenção e cuidado, tanto com o paciente quanto com os colegas. Hoje tivemos dois momentos assim, um seguido do outro. Se você olhasse para o corredor da unidade, veria todos em ação e concentrados em algum cuidado e todos os pacientes sendo atendidos praticamente ao mesmo tempo.
Para alegrar a nossa manhã, em meio a tudo isso acontecendo, uma paciente de 78 anos, que ficou em estado gravíssimo e havia sido entubada três dias antes, estava sem o tubo e conversando. Sorrindo, me convidou para um pagode. Vocês não imaginam o meu sentimento de realização, de felicidade em vê-la bem. Todos da equipe sorriram com ela.
Em casa, assisti a desenhos da Patrulha Canina com o João Miguel, meu filho. Ele me cheirava. Perguntei:
— O que foi, filho?
Ele respondeu:
— Você está muito cheirosa, mamãe. Te amo.
Boa noite. Beijo."
"Ficamos tristes com as mortes, mas outros pacientes precisam de nós"
Dia 14 de maio: 18h01min
"Ontem dois pacientes com covid-19 faleceram no CTI. Ainda não tínhamos perdido dois pacientes no mesmo dia durante a pandemia. Ficamos tristes, mesmo sabendo que fizemos o nosso melhor e todo o possível.
Percebo uma capacidade de reestruturação do grupo, de resiliência, muito por causa de haver outros pacientes precisando de nós. Temos um suporte muito grande em relação à saúde mental dos trabalhadores. O serviço médico ocupacional tem as portas abertas com uma equipe multidisciplinar. E as nossas psicólogas do CTI têm um momento de escuta com o grupo toda semana e sempre que precisamos. Isso é muito importante para nos mantermos fortes e bem cuidados.
No final da manhã, elogiei a equipe pelo trabalho realizado. Tivemos a internação de um paciente idoso com suspeita de covid-19, transferimos de leito outra paciente, realizamos a manobra prona (o paciente é virado de bruços para melhorar a oxigenação no sangue) em uma terceira, além de várias intervenções feitas com qualidade e segurança. Fiquei orgulhosa do grupo, que é muito comprometido.
Em casa, à tarde, tomei café com o Michel, meu marido, que ficará em Porto Alegre até o final de maio, com a paralisação do Campeonato Paulista (Michel trabalha como preparador físico do Corinthians). Conversamos sobre os nossos trabalhos. Chegar em casa e ser ouvida, valorizada, tratada com carinho tanto pelo Michel quanto pelo João Miguel (filho) faz toda a diferença. Michel sempre pergunta como foi o meu dia, o que quero jantar. Essa pandemia me fez valorizar ainda mais as coisas simples, como sentar à mesa juntos, assistir a um filme, ser coberta na cama em um dia mais frio.
E assim vão se passando os dias.
Um beijo e até amanhã."
"Manhã muito difícil: dois pacientes faleceram"
Dia 13 de maio: 19h45min
"Meu turno foi muito difícil. Dois pacientes com covid-19 faleceram durante a manhã: um idoso e uma jovem. Ficamos tristes da mesma forma porque são vidas que se foram de suas famílias. São amores da vida de alguém. Toda a equipe fica sensibilizada, cabisbaixa, mas precisamos nos recuperar e ajudar mais pessoas, tratá-las com a competência técnica, a dedicação, o carinho e o respeito que merecem.
Cheguei em casa no fim da tarde. João Miguel havia se escondido de mim no quarto dele. Logo o achei. Ele ficou chateado, não queria ser descoberto tão rápido. Eu quis acelerar a brincadeira, e não deu certo. Tive que procurá-lo novamente. Perguntava para o meu marido:
— Onde está o João Miguel?
E o Michel:
— Eu não sei. Será que saiu?
E eu procurando. Até João Miguel sair das cobertas, dando risada. Me encheu de beijos. Parece que sabe que hoje estou precisando.
Amanhã é outro dia. Que seja melhor que hoje.