"A situação é tão preocupante que começamos a tomar medidas até então não aceitáveis na enfermaria"
Dia 16 de julho: 9h20min
"Complemento o que eu havia registrado mais cedo. Acabo de receber o último boletim atualizado da taxa de ocupação dos leitos no Hospital Conceição: 100% de ocupação neste momento (44 leitos). Nos leitos destinados aos casos confirmados de covid-19 na enfermaria, 89,5% de ocupação.
Levando-se em consideração que até 20% dos pacientes que são internados precisam de UTI, a conta não fecha. Nós não temos sequer um leito disponível para aqueles indivíduos que estão internados com covid-19 na enfermaria e que possam evoluir para uma insuficiência respiratória.
Essa situação é muito triste, traz angústia, traz preocupação, traz uma sensação de impotência. Nós, da assistência, sabemos o quão grave é essa doença, sabemos o quão hostil e sorrateira é essa doença e sabemos que muitos dos pacientes internados na enfermaria precisarão de tratamento em UTI. Infelizmente, neste momento, o hospital não dispõe de leitos para atender aqueles que venham a ter uma piora clínica.
A situação é tão preocupante que a assistência começa a tomar medidas até então não aceitáveis no ambiente de enfermaria, mas com o objetivo de melhorar o aporte de oxigênio a pacientes que precisam de leito de UTI. Começamos a usar máscaras de oxigênio com fluxo maior para melhorar a oxigenação, mas a consequência disso é que há uma aerolização no ambiente, e a equipe de assistência fica mais exposta ao vírus.
Por um lado, a gente faz uma tentativa de melhorar a condição clínica dos pacientes, mas, por outro lado, essa ação pode expor, sobremaneira, as equipes ao vírus. Consequentemente, podemos começar a ter um aumento de infecções na assistência.
É uma situação triste, muito preocupante, mas estamos firmes nessa luta. Nosso objetivo é lutar por cada um desses pacientes que está aos cuidados da instituição."
"Horas em que paciente ficou aguardando leito na UTI foram muito estressantes"
Dia 16 de julho: 6h50min
"Esta noite, eu estava de plantão no hospital, atendendo as intercorrências relacionadas aos pacientes com covid-19. Foi um plantão movimentado, visto que dois pacientes precisaram ser transferidos para a UTI, devido à piora clínica relacionada à doença pulmonar.
Nesse contexto, nada de excepcional. Mas o que começa a ser rotina, e infelizmente uma rotina triste, é que a disponibilidade desses leitos vem diminuindo a cada dia. Um desses dois pacientes foi transferido para a UTI de um hospital privado porque tinha convênio.
A outra paciente, uma mulher de 38 anos, diabética, hipertensa e obesa, aguardava, na unidade de internação, a liberação de um leito, que estava sendo limpo, para que pudesse ser transferida. As horas em que ela ficou na unidade de internação foram muito estressantes. Ela evoluía, gradativamente, com piora da falta de ar. Apresentava sinais clínicos evidentes de insuficiência respiratória e de que precisava de manejo intensivo o mais brevemente possível.
Termino o plantão com os dois pacientes encaminhados, já sendo tratados nas UTIs, mas infelizmente sem nenhum leito disponível neste momento.
Levando em consideração que 20% dos pacientes que são internados nas unidades de enfermaria podem evoluir para piora clínica com necessidade de intervenção em UTI, chegamos aqui ao nosso limite. Trabalhamos com poucos leitos disponíveis para atender esses pacientes e, em alguns momentos do dia, sem leitos.
Aproxima-se algo que ninguém da assistência quer passar, que é ficar com o paciente na enfermaria, com falta de ar, precisando de cuidados intensivos, e não ter à disposição um leito para ofertar.
Faço esse relato para alertar a população de que estamos próximos do colapso no serviço de assistência do Hospital Conceição. Peço que aqueles que puderem respeitar as medidas de isolamento as respeitem, pois dias muito difíceis virão pela frente no que diz respeito ao atendimento dos pacientes com covid-19 no nosso Estado.
Talvez eu esteja me repetindo nos meus últimos relatos, mas infelizmente essa tem sido a rotina aqui no hospital: trabalhar em um nível elevado de estresse porque a falta de leitos de UTI nos acompanha de forma consistente.
Bom dia. Seguimos nesta luta."
"Gestante com tosse, em trabalho de parto, foi atendida como caso suspeito"
Dia 7 de julho: 8h53min
"Algumas pessoas me perguntam se as medidas impostas pelo governo do Estado quanto ao isolamento, iniciadas na segunda quinzena de março, não foram um tanto precoces. Justificam essa colocação baseadas na percepção de que o Estado vive o momento mais crítico da pandemia neste mês.
É fácil fazer uma crítica e fundamentá-la quando é retrospectiva. Vivemos um momento único na situação da covid-19 no mundo. Uma doença que tem sete meses de conhecimento e muitas perguntas ainda não respondidas. As medidas, que alguns podem considerar precoces, talvez tenham sido necessárias, pelo menos, em alguns aspectos.
Gostaria de destacar um ponto. Em um dos plantões que fiz no Hospital Conceição, fui chamado para atender uma gestante, em sua terceira gestação, em trabalho de parto, e que, por ter duas cesarianas anteriores, tinha indicação de uma nova cesariana.
Na admissão dessa paciente no centro obstétrico, a equipe de enfermagem faz uma anamnese, uma entrevista, em que foi apontada uma queixa de tosse, com cerca de sete dias de evolução, por essa paciente. A enfermeira considerou aquela informação muito importante e acabou entrando em contato com o plantão clínico que atende os casos suspeitos de covid-19.
Fui atender a paciente. Ela confirmou a tosse, mas sem outros sintomas que fizessem pensar, de forma mais concreta e certeira, que ela tinha infecção por coronavírus. De qualquer forma, foi dado início aos cuidados como caso suspeito. Ela teve exames coletados, foi colocada em leito de isolamento. Todos os procedimentos, como a cesariana e os cuidados com o nenê, seguiram os protocolos como se ela fosse infectada por Sars-CoV-2.
O que nos trouxe a tranquilidade de que estamos no caminho certo é que essa paciente confirmou a infecção por coronavírus. O que isso significa? Essa paciente tinha sintomas brandos, foi submetida a um procedimento cirúrgico e poderia colocar em risco a saúde de várias pessoas da assistência médica e de enfermagem se elas não tivessem o conhecimento, o treinamento e a crítica quanto aos sintomas que podem estar associados à covid-19.
Um dos pontos positivos que destaco de termos iniciado, talvez precocemente — não sei —, as medidas de isolamento foi a possibilidade de que as equipes de assistência dos hospitais pudessem ter um treinamento adequado, amadurecer os procedimentos quanto aos cuidados com o paciente para que pudessem ter uma crítica cada vez mais evidente e poder, então, tratar as situações de forma muito mais segura.
Percebe-se que o vírus está em todos os ambientes e pode acometer pessoas não necessariamente com comorbidades ou apresentando sintomas clínicos clássicos da infecção. Então, o ponto positivo é este: passaram-se quatro meses desde que as medidas de cuidado e isolamento impostas começaram, e houve amadurecimento das equipes quanto aos cuidados ao paciente, independentemente da área por onde ele chega ao hospital."
"Quatro dias depois da abertura de 15 novos leitos, ocupação da UTI chega a 95,4%"
Dia 30 de junho: 9h43min
"O envolvimento com os pacientes tem sido cada dia mais intenso, mais trabalhoso.
Gostaria de trazer hoje um relato de algum paciente que esteve aos meus cuidados, mas, infelizmente, trago uma informação nada agradável, nada tranquila, e que se refere à ocupação dos leitos de UTI destinados aos casos suspeitos e/ou confirmados de infecção por coronavírus do hospital.
Traçando um panorama, na última sexta-feira (26), quando 15 novos leitos de UTI foram agregados à ala covid do hospital, a taxa de ocupação era de 64,3%. O que surpreende hoje, quatro dias depois, é que a taxa de ocupação é de 95,4%.
Nós estamos chegando ao limite quanto à ocupação dos leitos de UTI destinados aos casos confirmados de infecção por coronavírus.
Isso demonstra que a doença segue avançando, que o número de pacientes com evolução grave também segue avançando, e a população precisa se conscientizar desse panorama que envolve os leitos de UTI, se conscientizar que os dois principais hospitais referência em Porto Alegre para o atendimento, no SUS, de casos suspeitos e/ou confirmados de UTI — Conceição e Clínicas — estão chegando ao seu limite.
Cabe à população fazer a sua parte, mantendo, dentro do possível, o isolamento, para que possamos dar um atendimento digno àquelas pessoas que precisam e para que não cheguemos a uma situação pela qual nenhum médico quer passar, que é escolher aquele paciente que precisa ir para a UTI em detrimento de outro.
Bom dia. Espero trazer notícias mais alentadoras nos próximos dias."
"Estamos vivendo um momento crítico"
Dia 24 de junho: 6h
"Desde a última sexta-feira (19), quando o Hospital Conceição atingiu uma taxa de ocupação acima de 90% dos leitos de UTI destinados aos casos suspeitos e/ou confirmados de infecção por coronavírus, essa tendência infelizmente se mantém.
Ontem (23), o hospital, dentro de seu plano de contingenciamento, iniciou a liberação de mais 16 leitos de UTI até então destinados à internação de casos não covid-19 para o atendimento de novos casos de covid-19.
Isso é preocupante porque há diminuição de leitos destinados a outras situações. Tradicionalmente, os leitos de UTI do hospital mantêm uma taxa de ocupação entre 75% e 80% ao longo do ano, com os mais diversos casos.
Continuam acontecendo o infarto agudo do miocárdio, o abdômen agudo (doença intra-abdominal com indicação de intervenção cirúrgica urgente), a isquemia cerebral. Pacientes que passam por cirurgias de grande porte também precisam ser encaminhados para esses leitos no pós-operatório. Essas pessoas continuarão adoecendo e apresentando tais manifestações clínicas, independentemente do contexto atual.
Uma das grandes preocupações da assistência e dos gestores é evitar o colapso do sistema de saúde, e os leitos de UTI são os principais balizadores nessa avaliação.
Me preocupa presenciar essa mudança no cenário, mas é algo necessário, considerando que a taxa de ocupação dos leitos se mantém elevada. Ontem, no hospital, novas internações aconteceram nos leitos de Enfermaria, e houve um salto de mais de 15%, chegando-se a 70% da ocupação nos leitos destinados aos casos confirmados de infecção por coronavírus nas unidades de internação (fora da UTI).
Na minha opinião, estamos vivendo um momento crítico e que, infelizmente, está no começo. Considerando-se a velocidade de ocupação desses leitos, não só de UTI mas de Enfermaria, confirma-se que estamos no auge da doença no nosso Estado.
As atenções estão todas voltadas para esses pacientes, mas não podemos deixar de nos preocupar com a saúde como um todo no nosso país, mais precisamente aqui no Estado. Outras doenças continuarão aparecendo, pacientes graves precisarão de leitos de UTI devido a outras doenças, e precisamos dar atenção a eles também.
Que as pessoas façam a sua parte no que diz respeito a manter as orientações para distanciamento, na medida do possível.
Um abraço. Bom dia."
"Taxa de ocupação dos leitos de UTI para coronavírus chega a 93%"
Dia 19 de junho: 9h17min
"Há 10 minutos, recebi a atualização do boletim dos leitos ocupados. Hoje houve uma mudança na tendência das taxas de ocupação.
Os leitos de UTI destinados aos casos suspeitos e/ou confirmados de infecção por coronavírus no Hospital Conceição estão com uma taxa de ocupação de 93%, acendendo uma luz de alerta. É a primeira vez que chegamos a esse número.
Em contrapartida, a taxa de ocupação nas enfermarias destinadas aos casos suspeitos e/ou confirmados é de 43%, ocorrendo então a inversão e mudando um pouco o cenário do que eu havia comentado no texto anterior.
Essa taxa está menor porque os casos suspeitos ou confirmados de menor gravidade estão sendo encaminhados a outros hospitais, como o Santa Ana e o Independência.
Isso gera preocupação, deixa todos em alerta, até mesmo porque a taxa de ocupação dos leitos de terapia intensiva é balizadora para decisões quanto às medidas de restrição ou de relaxamento do isolamento."
"Muitas baixas de pacientes com síndrome gripal preocupam toda a equipe"
Dia 18 de junho: 23h55min
"Uma semana bastante movimentada, bastante cansativa nos leitos destinados aos casos suspeitos e/ou confirmados de infecção por Sars-CoV-2.
Muitas baixas, muitos pacientes com síndrome gripal encaminhados para internação. Eles não são só de Porto Alegre, mas de municípios vizinhos, aumentando, com isso, a nossa taxa de ocupação e trazendo preocupação e apreensão para toda a equipe.
Um dos fatores que nos ajudou, nesta semana, a dar celeridade à liberação dos leitos foi o fato de que o Hospital Conceição começou a fazer os exames diagnósticos de biologia molecular (PCR) na própria instituição, não dependendo mais dos laboratórios externos para a análise das amostras coletadas aqui.
Isso permite que tenhamos o diagnóstico dos casos suspeitos em até 24 horas e, consequentemente, liberemos esses pacientes para as unidades de internação e de isolamento, no caso dos confirmados, ou para as unidades abertas, no caso daqueles pacientes que não têm a infecção por coronavírus confirmada.
São essas medidas que vêm mantendo uma forma de rotação dos leitos. Além disso, agora há também a possibilidade de transferência daqueles pacientes com doença moderada e sem critérios de gravidade para outras instituições de saúde capacitadas para dar continuidade ao tratamento, como, por exemplo, o Hospital Independência.
É claro que todos estamos cientes da limitação dos leitos, então temos um trabalho bastante árduo pela frente, no sentido de diagnosticar o mais precocemente possível aqueles casos com suspeita forte de infecção por coronavírus para que possamos dar o atendimento adequado antes que esses pacientes venham a apresentar sinais de gravidade, com necessidade de internação em unidade de tratamento intensivo — a disponibilidade de leitos nestas unidades é bem inferior à disponibilidade de leitos nas unidades de enfermaria.
Um abraço a todos. Bom final de semana. Seguimos nesta luta para controlar a pandemia. Boa noite."
"Semana cansativa devido ao aumento no número de casos confirmados"
Dia 10 de junho: 23h44min
"Uma semana bastante cansativa, e estamos ainda no meio dela. Há uma média de quatro internações por dia nos leitos destinados aos casos suspeitos de infecção por coronavírus do Serviço de Infectologia.
É um trabalho bastante cansativo e, ao mesmo tempo, dinâmico, pois precisamos identificar aqueles casos altamente suspeitos e que precisam de investigação complementar, bem como avaliar os sinais de alerta e gravidade.
Precisamos identificar aqueles casos que apresentam sintomas comuns à infecção por coronavírus, mas sem uma característica laboratorial e radiológica tão compatível. E precisamos sempre estar alertas em situações que podem apresentar descompensação (piora do padrão respiratório), e isso ocorre de forma muito rápida. Esse dinamismo na Enfermaria destinada aos casos suspeitos é a rotina.
Hoje tivemos a situação de um senhor de 80 anos que vinha tendo uma evolução satisfatória e que, durante o turno da manhã, apresentou uma evolução desfavorável do ponto de vista respiratório. Foi avaliado pela equipe de intensivistas e está aguardando a transferência de um leito no CTI, dependendo de como vai se manter o quadro atual, que se estabilizou nas últimas horas.
Ao mesmo tempo em que temos situações que evoluem de forma ruim, há também aqueles casos de pacientes egressos do CTI que retornam aos leitos de isolamento porque tiveram melhora em relação ao padrão respiratório, sem necessidade de intervenção quanto ao nível de cuidados intensivos.
Venho observando uma dinâmica maior no número de pacientes internados, um aumento nos casos confirmados, e fica essa nossa atenção quanto a manter esse dinamismo. Não no sentido de mais internações, que é o que não queremos que aconteça — e que independe da nossa ação —, mas um dinamismo em relação a liberar leitos para aqueles casos que, de fato, têm infecção por Sars-CoV-2 e precisam de atenção em nível hospitalar.."
"Aumento da ocupação de leitos de UTI: torcemos para não ter o que aconteceu em outros Estados"
Dia 9 de junho: 7h45min
"Ontem foi uma segunda-feira bastante movimentada nos leitos destinados aos casos suspeitos de infecção por coronavírus do Serviço de Infectologia. Havia apenas três leitos disponíveis.
Chama a atenção algo incomum quanto aos casos: todos eles apresentam, pelo menos, algum sintoma que possa estar associado à infecção por coronavírus, e isso justifica a internação dos pacientes nesses leitos de casos suspeitos. O sintoma mais comum entre os internados é falta de ar, mas nem sempre essa falta de ar, de fato, está diretamente relacionada à infecção por coronavírus.
Ontem tivemos casos de pneumonia da comunidade (causada por bactérias fora do ambiente hospitalar), insuficiência cardíaca, tuberculose pulmonar. Mas é claro que, nesse grupo todo de indivíduos internados, teremos sempre os casos altamente suspeitos e os casos confirmados.
Uma moça teve confirmação da infecção por coronavírus e foi encaminhada para um leito de isolamento. Atendemos um homem de 36 anos com um quadro clínico altamente suspeito — a experiência que temos adquirido no tratamento desses pacientes já nos dá uma certa bagagem quanto a suspeitar, de forma mais forte, de um caso suspeito de infecção por coronavírus. Ele tinha sintomas clínicos clássicos, bem como alterações radiológicas compatíveis com a covid-19. Teve uma evolução muito rápida e foi transferido, à tarde, para um leito de UTI.
Da mesma forma que ocorre uma velocidade na internação, precisamos ter atenção para descartar aqueles casos de baixa suspeita. O hospital vem melhorando, cada vez mais, sua expertise em fazer o diagnóstico precoce, deixando leitos vagos para casos altamente suspeitos e confirmados.
A ida de alguns pacientes para a UTI confirma, de fato, o que vem acontecendo nos últimos dias, que é o aumento da taxa de ocupação desses leitos de terapia intensiva. Torcemos para que isso não continue a aumentar para que não tenhamos o que aconteceu em outros Estados, que é o colapso do sistema de saúde, principalmente nos leitos de UTI.
Bom dia. Seguimos nesta jornada."
"Ao sair do quarto, eu já sabia que ela seria entubada"
Dia 26 de maio: 8h13min
"Domingo à noite, estava de plantão. Às 3h15min de segunda-feira, o bipe tocou para que eu fizesse a avaliação de uma paciente internada na área de casos confirmados de covid-19. Pelo prontuário dela no sistema, identifiquei que se tratava de uma mulher previamente hígida (saudável), sem comorbidades, sem uso de medicações contínuas, de 41 anos e sem obesidade.
Ela estava internada havia sete dias devido a falta de ar e tosse. Vinha apresentando uma evolução satisfatória, já com diagnóstico confirmado, só que, na noite de domingo, teve início uma alteração no padrão ventilatório. Quando fui avaliá-la, ela estava com a frequência respiratória aumentada, a quantificação de oxigênio no sangue já em valor abaixo do ideal, mas tranquila. Examinei-a, conversamos. Ela me perguntou:
— Doutor, eu vou precisar ser entubada?
Disse para ela que avaliaria uns exames e que retornaria para conversamos. Ao sair do quarto, eu já sabia que ela evoluiria para a entubação, levando-se em conta o quadro pulmonar, que havia se agravado. Esta é uma das características dessa doença: alguns pacientes evoluem de forma grave entre o sétimo e o décimo dias após o início dos sintomas. Essa moça vinha apresentando essa característica.
O exame de sangue confirmou a diminuição dos níveis de oxigênio no sangue e, consequentemente, a indicação de transferência para a UTI. Falei com um colega, médico intensivista, e ele me disse:
— Estamos com poucos leitos. Apenas dois leitos disponíveis.
É claro que essa moça foi transferida. Os critérios clínicos justificavam a mudança do leito para a UTI, mas ficou essa questão que me preocupa, e que já vinha levantando preocupação, quanto à dificuldade na vacância de leitos de cuidados intensivos.
O Hospital Conceição disponibiliza leitos em quantidade adequada nas UTIs, mas chama a atenção que as duas primeiras áreas destinadas aos casos suspeitos e confirmados de coronavírus estejam quase totalmente ocupadas. Estamos trabalhando no sentido de atuar de forma precoce no tratamento desses casos que evoluem de forma grave."
"Acredito que sofreremos com mais casos por um período maior"
Dia 20 de maio: 10h12min
"Ontem foi um dia muito triste para o Brasil. O país registrou mais de mil óbitos por covid-19 em 24 horas. Mais precisamente, 1.179 mortes. Juntou-se a apenas outros quatro países (Estados Unidos, França, China e Reino Unido) que alcançaram essa triste marca em um único dia.
Isso demonstra que a doença está em plena atividade. Apesar dos cálculos matemáticos e das tendências estatísticas e epidemiológicas apontarem o pico para os próximos sete dias, e a partir daí a estabilização da curva até julho — antes de uma diminuição no número de casos —, acredito que sofreremos com mais casos por um período maior. O Brasil vem disponibilizando mais testes diagnósticos, e, consequentemente, mais pessoas serão diagnosticadas com essa doença infecciosa. Em mortes, há tendência também de aumento.
Temos que manter a etiqueta respiratória, a higienização das mãos, o uso de máscaras e, principalmente, o distanciamento social, na medida do possível. O Rio Grande do Sul vem trabalhando de uma forma muito lúcida o distanciamento controlado. Na minha opinião, isso está correto, mas não deve servir para que modifiquemos a nossa postura. É uma doença hostil, que nos surpreende. Não devemos baixar a guarda, mesmo que o nosso Estado apresente números bem abaixo do que é visto atualmente em outros lugares.."
"Hoje, dos sete casos confirmados, seis são de pacientes da Região Metropolitana"
Dia 19 de maio: 10h46min
"A última semana tem sido bem intensa nos leitos destinados aos casos suspeitos de infecção por coronavírus na Infectologia. Percebo um aumento na taxa média de ocupação dos leitos. Hoje temos 12 leitos ocupados entre os 14 disponíveis na área de isolamento destinada aos casos suspeitos. São 41 pacientes internados no hospital, 34 deles com suspeita de infecção por coronavírus, distribuídos entre os serviços de Infectologia, Medicina Interna e Pneumologia. Sete casos já estão confirmados.
A primeira das áreas da UTI destinada aos casos suspeitos ou confirmados está com sua lotação máxima — já tem uma outra área aberta para receber casos graves.
O que chama a atenção é que os pacientes internados não são procedentes apenas de Porto Alegre. Tradicionalmente, o Conceição dá assistência em saúde não só aos moradores da Capital, mas também aos da Região Metropolitana. Durante essa pandemia, não tem sido diferente.
Hoje, 30% dos pacientes internados com suspeita de infecção por coronavírus na Infectologia são procedentes da Grande Porto Alegre. Dos sete casos confirmados, seis são de pacientes procedentes de cidades do entorno, demonstrando que o vírus circula nessas localidades e vem mantendo uma circulação entre indivíduos das classes C, D e E — que são, basicamente, as classes atendidas aqui no hospital.
Continua a transmissão comunitária do vírus. É importante manter campanhas quanto à conscientização do uso de máscaras, higienização das mãos e etiqueta respiratória. Nessa população de baixa renda e vulnerabilidade social, sabe-se que a adesão a essas medidas é mais difícil, bem como o entendimento delas e a obtenção de máscaras e produtos de limpeza.
Além de dar o devido cuidado aos pacientes internados, procuramos manter uma rotina de orientação aos contatos desses pacientes para que fiquem alertas quanto aos sintomas de infecção respiratória. Nos casos confirmados, orientamos o isolamento dos contatos próximos com o objetivo de frear a disseminação do vírus.
Abraço. Bom dia."
"Visitei o paciente fora do isolamento para que ele conhecesse o meu rosto"
Dia 13 de maio: 21h15min
"A semana está movimentada nos leitos destinados aos casos suspeitos de infecção por coronavírus da Infectologia, mantendo uma taxa de ocupação um pouco acima da média.
Isso consome bastante energia, não só por ter um número maior de pacientes, mas também pelo envolvimento emocional que acabamos tendo, de forma inevitável, com alguns deles — em especial, neste momento, no meu caso, com um rapaz de 32 anos. Ele teve diagnóstico recente de câncer e está em quimioterapia.
Nos últimos dois dias, ele estava muito ansioso, querendo ser liberado do isolamento, até mesmo porque já apresentava dois testes negativos. Seguindo-se as normas do hospital, faltava um terceiro resultado. Esse exame (também negativo) foi liberado hoje, no início da tarde, e isso permitiu então que o paciente deixasse o isolamento.
A saída dele foi muito comemorada pela equipe porque todos se envolveram com ele por conta do seu sofrimento quanto ao distanciamento da família e da impossibilidade de conversar com a filha.
Hoje à noite, estou de plantão aqui no hospital. Não poderia deixar de visitá-lo para saber como ele está e para que me conhecesse fisicamente. Todas as vezes em que cheguei ao leito para visitá-lo, eu estava paramentado com touca, máscara, óculos. Isso não possibilita que os pacientes reconheçam o nosso rosto.
Ele ficou bastante surpreso. Está muito tranquilo, feliz. Passou a tarde na companhia da esposa e conversou por videochamada com a filha. Fez um agradecimento especial por ter saído do isolamento. Ele está bastante satisfeito e torcendo por uma recuperação em relação ao câncer.
Agrada a todos da equipe poder ter ajudado esse rapaz e saber que agora ele está em um local onde será possível ter um contato mais próximo com os familiares, diminuindo essa impessoalidade que os leitos de isolamento impõem a todos os pacientes.
Boa noite."
"Paciente de 32 anos com câncer e suspeita de coronavírus continua longe da família"
Dia 12 de maio: 7h
"A área de internação do Serviço de Infectologia destinada aos casos suspeitos de infecção por coronavírus mantém uma taxa de ocupação estável, sem diminuição nos últimos dias, mas com uma expectativa de aumento nos próximos, levando-se em consideração as mudanças estabelecidas pelo governo quanto ao isolamento controlado.
Ainda está internado, aos meus cuidados, o rapaz de 32 anos com diagnóstico recente de neoplasia com metástases cerebrais e suspeita de infecção por coronavírus (depoimento de 7 de maio). Já são nove longos dias afastado do contato físico com os familiares, principalmente a esposa e a filha, o que vem gerando expectativa, ansiedade e tristeza.
Os dois primeiros exames de pesquisa de coronavírus foram negativos, só que, recentemente, o hospital modificou o critério de alta do isolamento de casos suspeitos, estabelecendo mais um teste. O objetivo é ampliar a possibilidade diagnóstica e, consequentemente, diminuir o risco de pacientes voltarem para leitos de enfermaria infectados pelo vírus. Ainda mais no caso deste paciente, que retornará para um leito da Oncologia, e os dados da literatura científica vêm demonstrando que os pacientes oncológicos acometidos por infecção por coronavírus, quando em quimioterapia, têm uma alta taxa de mortalidade.
A impessoalidade não está só na impossibilidade de o paciente ver seus familiares, ter contato físico com eles, mas também na relação médico-paciente, no que diz respeito à parte física. Nós, da assistência, entramos nos quartos de isolamento devidamente paramentados, apenas com os olhos expostos, mas protegidos por óculos ou máscara, além de gorro, avental, luvas. Mantemos uma distância na conversa com o paciente e fazemos contato para o exame físico de uma forma técnica e, muitas vezes, fria.
O envolvimento que venho tendo com esse rapaz me fez pensar um pouco a respeito de mudanças que possam ser estabelecidas neste contexto de isolamento. Claro, sem diminuir a segurança, mas procurando alguma forma de 'esquentar' um pouco a relação do paciente com a equipe e com a família. Talvez possam ser estabelecidas medidas no layout dos quartos, além de programas para que eles possam circular por uma área, ainda que fechada, mais lúdica do isolamento.
Essa pandemia vai nos deixar alguns legados, em termos de conhecimento, amadurecimento de métodos diagnósticos e também das relações interpessoais. E que seja um legado de relações interpessoais que possa melhorar e diminuir a frieza desse contato com os casos confirmados e suspeitos de infecção por doenças infectocontagiosas.
Abraço e bom dia."
"Isolado, paciente com câncer e suspeita de covid-19 fez um apelo, aos prantos e por mímica: quer ver a filha"
Dia 7 de maio: 6h51min
"Quero comentar hoje sobre o espaço físico destinado ao isolamento dos pacientes internados com suspeita de infecção por coronavírus. É uma área fechada, com acesso restrito e uso obrigatório de equipamentos de proteção individual (EPIs), justamente para minimizar o risco dos profissionais.
O meu ponto de reflexão é em relação aos pacientes lá internados. Eles ficam em quartos isolados, com banheiro, porta fechada, janela, mas sem contato com os familiares — e é essa impossibilidade, que muitas vezes se estende de sete a 14 dias, que os abala muito emocionalmente.
Ontem presenciei uma história triste. Um rapaz de 32 anos foi internado com um quadro neurológico. Recentemente, ele teve diagnóstico de um tumor com metástases cerebrais. No período de internação, apresentou um quadro de síndrome gripal e, consequentemente, foi isolado. Esse isolamento vai perdurar até que se tenha o resultado do exame para coronavírus. Caso dê positivo, ele vai seguir no leito de isolamento. Se der negativo, volta para o andar (outro setor).
É um rapaz que, pelo comprometimento de saúde, pelas lesões neurológicas, tem uma dificuldade de expressão. Ele entende, mas não consegue falar. Ontem, aos prantos e com mímicas, ele só me pedia uma coisa: ver a filha. É difícil, em uma situação como essa, não se abalar, não se emocionar com um pedido como esse. Ainda mais eu, que tenho um filho pequeno e me coloquei no lugar desse rapaz. Ele queria sair do leito de isolamento, (dizia) que não tinha sintomas respiratórios e que queria voltar para o quarto onde estava, que tinha a possibilidade da visita dos familiares.
É duro a gente lidar com situações como essa, mas, ao mesmo tempo, é necessário. Sabemos que o coronavírus tem uma alta transmissibilidade. É um vírus que começa a ser transmitido muito antes do início da manifestação dos sintomas na pessoa infectada. Tem evidências demonstrando que, dois dias antes do início dos sintomas, já está sendo identificada a transmissibilidade. Então, essas medidas servem para minimizar o risco — não circulando pelas dependências do hospital, os familiares não levam o vírus para os pacientes e não levam o vírus para casa.
Não há ainda, neste momento, nenhuma outra estratégia que possa minimizar ou substituir esse isolamento. É algo necessário. Falei para o rapaz:
— Isso vai passar.
Isso vai passar para ele e vai passar para nós. Esse distanciamento social vai passar. E vai passar mais rápido se cada um fizer a sua parte.
Um abraço. Bom dia."
"Saiu o resultado do meu exame para coronavírus"
Dia 4 de maio: 21h53min
"Hoje saiu o resultado do exame diagnóstico que fiz para o coronavírus. A pesquisa de imunoglobulina deu negativa, demonstrando que ainda não tive contato com o vírus, mesmo trabalhando em uma área fechada de casos confirmados e/ou suspeitos de infecção. Claro que essa informação traz tranquilidade, por um lado, porque demonstra que o uso dos equipamentos de proteção individual (EPIs) e a prática de colocação e retirada desses equipamentos estão corretos e adequados, minimizando o risco de exposição ao vírus.
Trabalhar nessa área pode, em um primeiro momento, gerar dúvidas, angústias, apreensão. Mas essas áreas, muitas vezes, por serem controladas, expõem muito menos os profissionais de saúde do que áreas abertas do hospital, que não tratam de casos suspeitos ou confirmados de coronavírus.
O exemplo é uma paciente de 34 anos que teve alta da Infectologia hoje. Era uma moça infectada pelo vírus HIV, internada em 12 de março, com sintomas de uma doença oportunista, associada à condição de imunossupressão severa, que vinha apresentando uma boa evolução e que, durante a internação, apresentou sintomas gripais. E, por causa disso, foi colocada em leito de isolamento por suspeita de infecção por coronavírus. O resultado do exame veio positivo. Ela ficou em suporte ventilatório, com oxigênio, e teve uma boa evolução. Isso demonstra que a circulação do vírus ocorre no contexto hospitalar, independentemente de serem áreas fechadas, com casos suspeitos e confirmados, ou áreas abertas."
"Faço um pedido especial às pessoas com mais de 60 anos e com comorbidades"
"O coronavírus tem alta infectividade e a capacidade de se mascarar, não apresentando sintomas em algumas pessoas acometidas pela doença. Mas, ao mesmo tempo, essas pessoas acabam transmitindo o vírus. É exatamente isso, associado aos dados do Ministério da Saúde, recentemente publicados — que demonstram que a infectividade no Brasil é muito alta —, que mantém a equipe de assistência do hospital em alerta, mesmo que o comportamento da epidemia do Estado esteja, de certa forma, controlado.
Acreditamos que a doença ainda não está controlada. Apesar das medidas de isolamento terem sido relaxadas em determinados setores, precisamos manter o estado de alerta, e o nível de suspeição, elevado. É esse contexto de alta infectividade, associado à retomada de alguns serviços, que vai estabelecer o ritmo da infecção nos próximos dias. Continuamos alertas.
Faço aqui um pedido especial aos grupos de risco, principalmente às pessoas com mais de 60 anos e com comorbidades: que mantenham ainda as restrições quanto à circulação na rua, nos espaços públicos. Essa população específica vem adoecendo de forma mais grave e representa uma parcela de mais de 60% daqueles que morrem por coronavírus."
"Expectativa e ansiedade: fiz o teste para o coronavírus"
Dia 30 de abril: 14h49min
"Há pouco terminou meu turno de trabalho, e de uma forma não usual. Fui chamado para fazer a coleta de sangue para a pesquisa de imunoglobulina para o coronavírus. O Grupo Hospitalar Conceição vem desempenhando uma estratégia de aplicação de testes diagnósticos nos profissionais de saúde com o objetivo de identificar casos de indivíduos assintomáticos, bem como casos daqueles que já tiveram contato com o coronavírus. Essa estratégia foi iniciada a partir do momento em que começou a se perceber o surgimento de casos de infecção por coronavírus entre os profissionais que trabalham no Hospital Conceição.
É claro que há uma expectativa, da minha parte, quanto ao resultado do exame. Sempre que fazemos um exame de sangue ou de imagem, há expectativa. As pessoas torcem para os melhores achados, para a normalidade. Nesse caso, a expectativa não é diferente, mas é um pouco diferente a ansiedade. Se o exame demonstrar positividade para a imunoglobulina, significa que eu já tive contato com o vírus e manifestei uma doença assintomática, porque não me ocorreu nenhum sintoma significativo desde que comecei a atender os casos e também desde que começou a transmissão comunitária no nosso Estado.
Dará um certo alívio no sentido de que já estou imune, que a possibilidade de reinfecção é muito baixa, mas isso, claro, não vai me fazer descuidar quanto ao uso dos equipamentos de proteção individual (EPIs). Por outro lado, se o exame vier negativo, significa que não estou protegido, mas que estou me protegendo bem no que diz respeito ao uso adequado dos EPIs, principalmente em áreas onde há casos confirmados.
Então, é um resultado que gera expectativa, ansiedade e que, com certeza, vou dividir com vocês assim que for divulgado no meu prontuário. Se for positivo ou negativo, traz reflexões positivas quanto ao achado."
"O comportamento sorrateiro do coronavírus"
Dia 27 de abril: 22h51min
"Uma semana que começa tranquila na assistência aos casos suspeitos ou confirmados de infecção por coronavírus internados na Enfermaria, área fechada.
Chama a atenção, nos últimos dias, o diagnóstico de infecção por coronavírus em profissionais da saúde do Hospital Conceição, principalmente técnicos de enfermagem e enfermeiros, profissionais não necessariamente vinculados à assistência direta aos casos suspeitos ou confirmados de coronavírus.
O comportamento sorrateiro desse vírus explica por que esses profissionais que não trabalham na assistência direta estão se infectando. Paciente e profissional de saúde infectados pelo coronavírus, na maioria das vezes, não percebem os sintomas respiratórios iniciais ou, muitas vezes, nem sintomas apresentam. Mas isso não significa que eles não transmitam a doença — transmitem, e essa transmissão é facilitada em ambientes fechados, bem como pela proximidade dos profissionais com os pacientes e pela proximidade do trabalho entre os profissionais de saúde.
É claro que o Hospital Conceição vem adotando medidas para diminuir o número de casos de infecção por coronavírus nos profissionais de saúde, justamente para diminuir o impacto na assistência aos pacientes que procuram os serviços de saúde, não importa a doença, para atendimento.
Essa constatação começa a mudar a postura dos indivíduos que trabalham em hospitais quanto ao uso dos equipamentos de proteção individual (EPIs), demonstrando que, independentemente da área onde se trabalha, é importante adotar o uso de máscaras e uma adequada higienização de superfícies e das mãos.
Boa noite."
"Há uma grande expectativa pelas próximas duas semanas"
Dia 21 de abril: 8h37min
"Uma semana que se mantém tranquila, neste início, nos leitos destinados aos pacientes com suspeita ou confirmação de infecção por coronavírus no hospital. Mantemos uma taxa de ocupação inferior a 40% desde que o hospital iniciou os cuidados com esses casos. Mas chama a atenção que, pela primeira vez, desde que esse trabalho foi iniciado no hospital, a primeira área destinada aos casos graves de infecção por coronavírus, a UTI, teve todos os seus 14 leitos ocupados.
Claro que o hospital tem um plano de contingenciamento e está preparado, tem à disposição mais leitos para atender esses pacientes. O que eu gostaria de destacar é que o tempo de internação dos indivíduos que evoluem com insuficiência respiratória, e com consequente necessidade de ventilação mecânica na UTI, é muito prolongado. E é exatamente essa a preocupação dos gestores e dos profissionais de saúde: a disponibilidade, a vacância de leitos de UTI para os casos graves de infecção por coronavírus.
É uma doença grave, que acomete o sistema respiratório. Consequentemente, os indivíduos que evoluem de forma grave ficam muito tempo em ventilação mecânica, ocupando um leito. Um cuidado que nós temos é fazer a identificação cada vez mais precoce dos casos, procurar uma terapêutica e um manejo mais precoces, tentando minimizar a evolução para as formas graves.
Há uma grande expectativa, por parte da equipe de assistência, pelas próximas duas semanas, quanto ao comportamento da pandemia, visto que começa a haver um relaxamento do distanciamento social por parte da população. Nessas próximas duas semanas, que acabam coincidindo com o período de incubação do vírus, é que teremos uma ideia se, de fato, a pandemia, no nosso Estado, vai começar a demonstrar redução nos números ou não. Estamos de prontidão, estamos atentos, trabalhando e torcendo para que a gente possa, o quanto antes, achatar mais ainda essa curva e entrar em um descenso da incidência de coronavírus no Rio Grande do Sul."
"Alegria: demos alta para uma menina de 15 anos"
Dia 17 de abril: 9h
"Ontem (16) foi um dia tranquilo na enfermaria dos casos suspeitos ou confirmados de infecção por coronavírus do Serviço de Infectologia. Também foi um dia que trouxe alegria para a equipe: demos alta para a nossa paciente mais jovem, uma menina de 15 anos, que teve o diagnóstico confirmado de infecção por coronavírus. Ela ficou internada, aos cuidados da Infectologia, durante 10 dias.
Esse período prolongado da internação foi justificado porque ela apresentava alterações laboratoriais que, conforme estamos observando, ocorrem em pacientes que podem evoluir para insuficiência respiratória. Por isso, a equipe se cercou de todos os cuidados. Ela não precisou ser encaminhada para a UTI, não precisou de ventilação invasiva. Ficou em observação e teve uma boa recuperação. Agora já está em casa com os seus familiares.
Isso deixa a equipe muito feliz e também traz segurança para o manejo dos pacientes. A gente vem observando que alguns critérios laboratoriais, associados aos critérios radiológicos, nos dão um norte em relação ao planejamento — se podemos manter os pacientes internados ou encaminhá-los para uma alta mais precoce.
Hoje um dia calmo, não temos baixas. Isso vem demonstrando um período de calma em relação à pandemia, em relação aos pacientes com doença moderada que precisam de cuidados hospitalares.
Bom dia, bom final de semana. Seguimos conversando."
"Doutor, o meu exame está pronto? Eu tenho infecção por coronavírus ou não?"
Dia 15 de abril: 16h49min
"Uma das perguntas mais escutadas pela equipe que atende os casos suspeitos de infecção por coronavírus internados no Serviço de Infectologia é: 'Doutor, o meu exame está pronto? Eu tenho infecção por coronavírus ou não?' É claro que essa expectativa quanto ao diagnóstico é entendida pela equipe, até mesmo porque os pacientes estão em leitos de isolamento, privados da visita de familiares, e tratando com a suspeita de uma infecção que pode ter uma evolução desfavorável. E não há um tratamento ainda estabelecido e reconhecido pelas agências internacionais de saúde.
Interpretar o resultado do exame exige cautela, bem como prática clínica. O fato de um exame de secreção respiratória para pesquisa de coronavírus dar negativo não estabelece e não determina que aquela pessoa não tenha a infecção por coronavírus. Devem-se levar em consideração o início dos sintomas e o momento da coleta do exame. É um exame que tem uma sensibilidade razoável, desde que coletado em um determinado período após o início dos sintomas.
Há uma semana, o Hospital Conceição disponibiliza, além desse exame de pesquisa do vírus em secreção respiratória, um teste rápido que se baseia na pesquisa da infecção por coronavírus por meio da coleta de uma gota de sangue. Esse exame também precisa respeitar um determinado tempo de coleta associado ao início dos sintomas, mas ambas as metodologias empregadas no diagnóstico aumentam a sensibilidade de detecção de infecção por coronavírus. Claro que o diagnóstico é o que se busca para os pacientes internados, e a confirmação de infecção, além de determinar as medidas necessárias quanto ao seguimento do paciente, também auxilia nos dados epidemiológicos."
"Há um número significativo de pacientes saudáveis com menos de 40 anos internados"
Dia 13 de abril: 22h03min
"É uma semana que começa após o feriado de Páscoa, um feriado que foi diferente na internação da Infectologia, por dois aspectos. O primeiro é que as visitas aos pacientes com casos confirmados ou suspeitos de infecção por coronavírus não ocorreram. Essa visita já não vem ocorrendo há mais tempo. É claro que, em datas como esta, marcante, com um significado de renovação, de encontro familiar, não permitir que os doentes recebam visita dos seus familiares é algo que entristece não só aqueles que estão lá internados mas também a equipe médica.
Mas é claro que essa é uma medida necessária, apoiada por médicos e profissionais de saúde envolvidos no cuidado. É justamente para diminuir o risco de contaminação por aqueles que vão visitar seus familiares internados bem como para diminuir a circulação do vírus dentro do hospital, o que ocasionalmente pode ocorrer, por aqueles que tiveram contato anterior à internação do paciente e não apresentam sintomas significativos ou são assintomáticos. Essa medida visa a proteger a todos. Apesar de trazer um impacto emocional àqueles que estão diretamente envolvidos, é algo necessário. E, como eu falo para a equipe, é o momento em que temos de ser solidários.
O segundo aspecto que destaco no pós-feriado é em relação ao número de pacientes internados com suspeita ou confirmação de infecção por coronavírus. Passadas quatro semanas desde que começamos este trabalho, havia expectativa de que se pudesse ter um aumento significativo no número de internados no hospital (nos setores de Infectologia, Medicina Interna e Pneumologia). Hoje, ao final do dia, tínhamos 42 pacientes internados com suspeita ou confirmação. É claro que é um número expressivo, mas, levando-se em consideração a disponibilidade de leitos que o hospital organizou para esses casos, ainda tem um número considerável de leitos disponíveis.
Isso tem um lado positivo: parece que as medidas de distanciamento social estabelecidas pelo governo estão surtindo efeito. Mas é claro que há uma expectativa por parte da equipe médica quanto às próximas duas semanas, quando teremos uma ideia se o relaxamento do distanciamento já estabelecido vai fazer com que ocorra o aumento no número de casos. O vírus tem um período de incubação médio de cinco dias, que pode chegar a 14 dias.
Seguimos trabalhando, preocupados, envolvidos com todos os pacientes. Temos visto um número significativo de pacientes com menos de 40 anos e sem comorbidades internados. Hoje, na Infectologia, 30% dos pacientes internados pertencem a esse grupo. Não só os indivíduos com mais de 60 anos e/ou comorbidades adoecem de forma moderada ou grave por causa de infecção por coronavírus, mas também essa população de adultos jovens e sem comorbidades. Os previamente hígidos (saudáveis) podem evoluir para formas moderadas ou graves da doença."
"Havia uma tristeza no ar, um silêncio diferente"
Dia 9 de abril: 7h40min
"Após um dia diferente no hospital, pois havia uma tristeza no ar, um silêncio diferente, e tudo isso justificado pela perda de uma colega que trabalhava na Emergência (a morte da técnica em enfermagem Mara Rúbia Silva Cáceres em decorrência de complicações da covid-19), ontem (8), estranhamente, foi o primeiro dia em que não houve nenhuma baixa na área de isolamento de casos suspeitos de infecção por coronavírus no Serviço de Infectologia.
Parece que aqueles que iluminam os nossos caminhos deram um tempo para que os envolvidos nesse trabalho pudessem refletir a respeito da perda da colega e a respeito das suas ações e do seu trabalho dentro da instituição.
Depois desse dia atípico, sem movimento, hoje chama a atenção a baixa de uma menina de 15 anos, asmática, que internou por causa de sintomas sugestivos de infecção por coronavírus, bem como alterações laboratoriais compatíveis.
Ao longo dessas semanas, a equipe começa a adquirir experiência e perspicácia em identificar, independentemente do resultado do exame confirmatório, casos altamente suspeitos de infecção por coronavírus. Isso acaba contribuindo de uma forma positiva na assistência adequada e cada vez mais precoce daqueles pacientes que precisam de um tratamento mais intensivo, com cuidados diferenciados.
O resultado do exame ainda não saiu, e vai demorar alguns dias, mas as medidas já começaram, para que a gente possa dar um suporte adequado e ir buscando uma resposta mais precoce para a plena recuperação dessa moça e para que ela possa voltar logo para casa.
Um bom dia, um bom trabalho. Seguimos nessa nossa conversa."
"Essa morte traz ansiedade e medo a todos os profissionais da saúde envolvidos com o coronavírus"
Dia 7 de abril: 23h57min
"Um relato triste: há pouco, foi confirmado o óbito de uma técnica de enfermagem que trabalhava no Hospital Conceição. Ela faleceu em decorrência de complicações relacionadas à infecção por coronavírus. É claro que essa informação traz ansiedade, medo, para todos aqueles profissionais da saúde envolvidos no atendimento e na assistência dos casos suspeitos ou confirmados de infecção por coronavírus e que estão no Hospital Conceição.
Ao mesmo tempo em que a gente precisa lidar com sentimentos, é importante que mantenhamos a tranquilidade e a racionalidade quanto à importância do uso adequado dos equipamentos de proteção individual (EPIs), da desinfecção adequada das mãos e dos cuidados para minimizar o risco de contato com esse vírus.
São medidas que a gente precisa seguir com o objetivo de nos proteger porque a população precisa do atendimento, precisa dos profissionais da saúde.
Recentemente, a direção do Grupo Hospitalar Conceição comunicou que todos aqueles funcionários envolvidos diretamente no atendimento de casos suspeitos ou confirmados de coronavírus serão testados. Essa medida é muito importante para avaliar quem tem imunidade já por contato prévio e aqueles que podem ter infecção recente, baseando-se no resultado dos exames e/ou na sintomatologia. Isso ajuda a tomar atitudes precoces quanto aos cuidados. É uma medida que vai proteger ainda mais os profissionais envolvidos nessa batalha.
É um momento difícil, que faz todos aqueles envolvidos com essa doença refletirem, mas é importante que sigamos em frente. A população precisa de nós.
Boa noite. Espero trazer notícias mais agradáveis nas próximas horas."
"Chama a atenção a heterogeneidade dos pacientes: menores de 15 anos sem comorbidades, 30 a 45 anos sem comorbidades também, gestantes, idosos"
Dia 6 de abril: 0h06min
"Boa noite. Já começa uma nova segunda-feira. Pude descansar no final de semana, ficar com a minha família, cuidar um pouco das minhas mãos. O uso continuado e demasiado de água, sabão e álcool a 70% acaba ressecando as mãos, e esse período de descanso serve também para cuidar mais delas, hidratá-las e deixá-las preparadas para mais uma semana de trabalho.
Mesmo afastado das atividades do hospital, no domingo (5) à noite acabei acessando o sistema para ver o andamento dos pacientes internados na Infectologia. Chama a atenção a heterogeneidade deles: tem pacientes com menos de 15 anos sem comorbidades, tem pacientes de 30 a 45 anos sem comorbidades também, gestantes, pessoas com mais de 60 anos com comorbidades. Em comum, todas elas com um quadro de síndrome gripal, aguardando a confirmação de infecção por coronavírus, necessitando de cuidados não tão intensivos no momento, mas com algum grau de comprometimento que justifique ficar internado.
Começo a me preparar, nas próximas horas, para assumir os cuidados desses pacientes, torcendo para que todaos tenham um desfecho satisfatório."
"O médico quer ajudar a manter vivos todos aqueles que estão nas suas mãos"
Dia 3 de abril: 10h20min
"Uma notícia que conforta a equipe: recebemos hoje no isolamento da Infectologia uma moça de 28 anos que estava internada na UTI, em ventilação mecânica. Ficou internada lá por cinco dias. A equipe fica muito feliz e satisfeita de perceber que essa moça, que tem um filho pequeno em casa, vem apresentando uma boa recuperação da infecção por coronavírus.
Quando deparamos com situações como essa, de pessoas jovens, que não têm comorbidades, nos assustamos por lidar com uma situação que é grave. Pacientes que têm uma vida pela frente, que têm filho para criar.
É claro que não queremos perder nenhum paciente, mas quando deparamos com situações como essa, de jovens com manifestações graves da doença, ficamos muito impressionados e nos envolvemos de forma muito significativa no cuidado e no atendimento.
O médico não quer perder nenhum paciente. O médico quer ajudar a manter vivos todos aqueles que estão nas suas mãos.
Ter a notícia de que essa moça está apresentando boa recuperação e que agora está aos cuidados da nossa equipe da Infectologia nos dá mais força para continuar essa caminhada. Passar por situações como essa nos emociona.
Bom dia."
"Imediatamente após chegar em casa, vou direto par a lavanderia"
Dia 2 de abril: 23h
"Há uma semana, passei a coordenar um grupo de três médicos residentes no atendimento, no manejo e no cuidado de pacientes internados em isolamento com suspeita ou confirmação de infecção por coronavírus. A partir do momento em que me dei conta dessa nova fase de trabalho na minha vida, trabalhando diretamente com uma doença infectocontagiosa com uma transmissibilidade alta, me dei conta também de que preciso modificar minha rotina quanto à forma de me vestir no hospital.
Adquiri roupas específicas pra trabalhar. São tipo uns pijamas de bloco cirúrgico, em inglês são conhecidos como scrubbs. Saio de casa vestido com essas roupas. Levo, em uma bolsa de pano, que permite que seja lavada ao final do dia também, uma roupa de uso social.
Chego ao hospital, troco meus sapatos, coloco sapatos de uso exclusivo no hospital, faço minhas atividades, procurando sempre fazer uso adequado, correto e coerente dos equipamentos de proteção individual (EPIs), caso seja necessário o contato direto com os casos suspeitos ou confirmados de infecção por coronavírus.
Ao final do meu turno de trabalho, retiro a roupa, boto-a na sacola de pano, visto a roupa social e venho para casa.
Mudei também minha rotina de chegar em casa. Imediatamente após chegar, vou direto para a lavanderia, coloco a roupa que usei durante o dia e a sacola de tecido na máquina de lavar. Tiro a roupa social, coloco também para lavar e vou tomar um banho. Essa é a forma que encontrei de diminuir a chance de trazer o vírus para dentro da minha casa e, consequentemente, diminuir o risco de infecção para a minha esposa e o meu filho. Sou uma pessoa saudável. Graças a Deus, a minha família também. Mas essa é uma forma de minimizar um possível dano que possa acontecer. O que mais prezo é pela minha saúde e pela saúde da minha família para que a gente possa seguir em frente no combate a essa pandemia."