"Infelizmente, uma paciente de 78 anos precisou ser entubada de novo"
Dia 12 de maio: 19h06min
"Trabalhei das 7h às 16h30min. Estávamos com quase todos os leitos das UTIs A e E ocupados. A UTI F, com oito leitos, estava disponível se fosse necessário. Ainda não internamos pacientes lá. Lembrando que, nas UTIs do novo anexo do hospital, são internados apenas casos suspeitos ou confirmados de infecção por coronavírus.
Extubamos (retiramos o tubo de ventilação mecânica) uma paciente de 78 anos que está há 12 dias necessitando do respirador. Infelizmente, ela teve inchaço na garganta e precisou ser entubada novamente pouco tempo depois, mas acabou ficando bem.
Outra situação que marcou minha manhã é que eu perguntava algumas coisas para uma paciente e o paciente do lado respondia. Falei um pouco mais alto, pois ela ouve pouco, e o som acabou passando. Isso aconteceu porque a unidade é como se fosse um quarto bem grande. Não existem paredes separando as camas. Usamos divisórias móveis, que acabam permitindo a passagem dos sons mais altos.
Continuamos organizando a unidade, distribuindo a escala de técnicos de enfermagem pelas UTIs A, E e F. E hoje comemoramos o Dia Internacional da Enfermagem e do Enfermeiro. Cuidar e salvar vidas, com nosso trabalho técnico e ético, é o que amamos fazer. E, como li em uma mensagem, mais importante do que a guerra, é quem estará ao teu lado no front. A equipe de Enfermagem é fundamental para levar a saúde mais longe e para trazer resultados positivos, baseados, principalmente, no exame clínico e em evidências científicas.
Agora à noite, terei reunião online do Serviço de Terapia Intensiva, da qual participarão 93 enfermeiros, nossas chefias e uma residente em Enfermagem.
Boa noite! Até amanhã."
"Paciente que saiu do respirador fala pouco e tem períodos de confusão, mas está estável"
Dia 11 de maio: 21h31min
"Trabalhei das 7h às 14h. A UTI A estava lotada, sendo oito pacientes com covid-19 e dois com suspeita. A UTI E, onde eu trabalho, com oito leitos, tinha cinco pacientes — quatro com covid-19 e um com suspeita.
Nosso paciente de 77 anos que foi extubado (retirado da ventilação mecânica) na sexta-feira (8) estava usando somente um cateter nasal de oxigênio.
Ele fala pouco e tem períodos de confusão, mas está estável. Necessita ainda de muitos cuidados, principalmente da Fisioterapia e da Enfermagem. Usa sonda de alimentação e fralda. Precisa de sonda para a retirada do xixi da bexiga. Mudamos sua posição na cama, pois não consegue se virar de lado sozinho. Precisamos evitar lesões na sua pele. Damos o banho na cama e fazemos todos os cuidados de higiene, entre tantos outros necessários. Também fazemos hemodiálise. A equipe de Enfermagem do CTI é capacitada em terapias de substituição renal em pacientes críticos.
No final da manhã, recebemos a informação de que uma paciente com suspeita de covid-19 seria internada, vinda da Emergência. Ela acabou sendo internada à tarde.
Agora à noite, João Miguel (filho), ou 'Gegel', como ele mesmo se chama, veio para a nossa cama, minha e do Michel (marido), e pediu para que eu montasse um escorregador com as pernas. Juntei as pernas, e ele escorregava, simulando estar em um parquinho. Ele tem bastante saudade de ir à pracinha, como tantas outras crianças, mas é muito importante mantermos o distanciamento social.
Uma boa noite. Até amanhã."
"A paciente apertou bem forte a minha mão e sorriu, mesmo com o tubo de respiração na boca"
Dia 8 de maio: 21h27min
"Há 13 anos trabalho no Centro de Tratamento Intensivo Adulto do hospital, a maior parte desse período na mesma unidade e com uma equipe que se conhece há muito tempo. Posso dizer que meu segundo dia na UTI nova do Anexo é um momento de recomeço.
Formar um novo grupo e ir melhorando até mesmo o lugar das coisas — por exemplo, o dos materiais e dos medicamentos. E também conhecer novos equipamentos. Tudo isso tem sido desafiador, ainda mais em meio a uma pandemia. Como diz a frase: a vida é feita de desafios. Precisamos sempre estar à frente e vencê-los.
Falando em superação, em conquista, hoje conseguimos retirar o tubo de ventilação mecânica de um paciente de 77 anos. Ele estava havia 10 dias entubado, necessitando do respirador. Foi um sucesso! Ainda não está conseguindo falar, mas se mostrou aliviado e sereno.
Outra cena que marcou minha manhã pode parecer simples, mas foi muito significativa para mim e para a minha paciente, que é idosa. Ela está internada há quase 15 dias, entubada e no aparelho de ventilação. Conversamos sobre a sua família. Ela entende tudo o que falamos. Admirei a foto de seus familiares, ao lado do leito, e falei:
— Sua neta é linda!
Elogiei toda a sua família, e ela apertou bem forte a minha mão. E sorriu, mesmo com o tubo na boca. Foi um momento de carinho, de troca de olhares. De certa forma, ela lembrou muito a minha avó.
À tarde, fiz terapia online com a minha psicóloga. Conversamos sobre essa semana, que foi cheia de emoções, e sobre como cuidar de mim, mais e melhor.
Agora à noite, brincamos com o João Miguel (filho). Ele disse que o Mickey tinha um machucado na perna e pediu para fazer um curativo. Fiz de conta que coloquei um curativo e perguntei para ele:
— E agora? O que fazemos?
Ele disse:
— Chamamos a ambulância!
Acho que gostar de cuidar do outro é de família.
Um beijo. Até mais."
"Recebemos um paciente com covid-19 que perdeu a mãe pela doença na semana passada"
Dia 7 de maio: 20h22min
"Hoje trabalhei na UTI nova do anexo do hospital. Tínhamos sete pacientes com covid-19 e três com suspeita internados. Foi o primeiro dia lá. De tão grande, cheguei a me perder. São várias ilhas com 10 leitos. Hoje, lotamos a primeira e começamos a internar na segunda. Serão 105 leitos de terapia intensiva.
Na passagem de plantão, recebemos a informação de que a noite tinha sido agitada. Dois pacientes foram entubados durante a madrugada, em sequência. Eles estavam um ao lado do outro.
No meio da manhã, entre os diversos procedimentos acontecendo ao mesmo tempo, recebemos um paciente de 43 anos, vindo da unidade de internação, com covid-19 confirmada e que tinha perdido a mãe, na semana passada, pela doença. Ela estava internada em outra instituição. Nossa, não tem como não se emocionar. Fiquei abalada com a notícia.
Ele chegou assustado e com medo, pois era a sua primeira internação hospitalar e em um CTI. Fazia esforço para respirar, tinha baixa oxigenação no sangue, dificuldade para falar devido à falta de ar. Chegamos a preparar o material para a entubação. Quando ele estava melhor da falta de ar, com a oxigenação do sangue também melhor e mais estável, pediu para guardarmos o tubo e todo o aparato que usamos junto. Imagina a sensação de alívio dele. Guardamos. Falamos que, se Deus quiser, não será necessário usar.
Hoje à tarde, estiquei as pernas por dor nas panturrilhas. Acho que de tanto que caminhei de manhã. Estudei um pouco e tive uma consulta online com minha nutricionista. Ela tem me ajudado a manter o peso, com os nutrientes essenciais para aumentar a minha imunidade, ainda mais nesse período de pandemia.
Agora à noite, para relaxar, escutei música. O Michel, meu marido, abriu um vinho e está fazendo a nossa janta. Conversamos sobre o nosso dia. Tivemos novidades de ambos os lados. João Miguel, meu filho, fez uma brincadeira de batalha de bonecos. Caiu no chão e falou:
— Caí de maduro!
Nossa, esse guri é muito fofo! Depois de um dia difícil, estar com os meus amores faz toda a diferença."
"Manobra prona: um dos procedimentos mais complexos em terapia intensiva"
Dia 5 de maio: 21h26min
"Tínhamos quatro pacientes com covid-19 internados na unidade, e foi uma manhã bem movimentada. Uma das maiores demandas de trabalho foi a execução da chamada manobra prona, que é virar o paciente de bruços para melhorar a oxigenação no sangue. Trata-se de um dos procedimentos mais complexos em terapia intensiva.
Essa paciente pesa 136 quilos, está no aparelho de ventilação mecânica, tem vários cateteres, recebe medicamentos contínuos de efeito analgésico, sedativo e relaxante muscular. Tudo isso é necessário neste momento.
O CTI tem um grupo multiprofissional que estuda muito a manobra prona. Vou tentar explicar o passo a passo do procedimento.
Normalmente, são necessárias sete pessoas: três de cada lado da cama e uma na cabeceira. Como a paciente de hoje era obesa, precisamos de quatro pessoas de cada lado e mais uma na cabeceira. Os profissionais que executam a manobra são médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e fisioterapeutas.
Registramos pressão arterial, frequência respiratória, batimentos do coração, temperatura, parâmetros do aparelho de ventilação mecânica e nível de sedação do paciente.
Posicionamos os eletrodos que medem os batimentos do coração nos braços do paciente, pois ele ficará com o peito para baixo. O cateter arterial, que normalmente fica no pulso e serve para monitorizar a pressão arterial continuamente, é fixado com micropore no braço.
Desconectamos cabos, frasco de sonda de alimentação e de aspiração do tubo de ventilação. Posicionamos a cama de forma reta, e alinhamos braços e pernas do paciente. Colocamos coxins, uma espécie de apoio feito de colchão e lençóis, no tórax e no quadril do paciente.
Pausamos infusões e as desconectamos. Só deixamos medicações indispensáveis, como, por exemplo, para manter a pressão arterial.
Colocamos um lençol em cima do paciente e enrolamos as bordas com o lençol de baixo, o mais próximo possível do corpo dele, formando um envelope. Depois, executamos a manobra em três tempos: colocamos o paciente para um dos lados da cama, o viramos de lado e, depois, de barriga para baixo.
O que é importante durante esse procedimento: sintonia da equipe e comunicação efetiva. Nossa manobra não teve intercorrências, e saímos satisfeitos. A paciente, já na primeira hora, mostrou significativa melhora.
Cheguei em casa e recebi uma mensagem de áudio enviada por minha chefe. Era da esposa de um paciente agradecendo a toda a equipe pelo belo trabalho. Ela deixou, para todos, cupcakes em formato de corações. Um gesto lindo de carinho e reconhecimento.
Para completar esse dia intenso, ao chegar em casa, João Miguel (filho) se escondeu de mim embaixo de duas almofadas no sofá da sala. Fiz de conta que não vi, fiquei bem quietinha. Entrei na brincadeira e o procurei por toda a casa. Quando o achei, foi a maior alegria. Nos rendeu boas gargalhadas!
Boa noite. Até amanhã."
"Recebemos uma carta de um paciente: 'Vou sempre acreditar que vocês eram anjos'"
Dia 4 de maio: 19h01min
"Hoje tínhamos seis pacientes internados, todos com covid-19. Foi uma manhã diferente. Dois deles caminharam pela unidade em momentos diferentes. O corredor do CTI parecia uma pista de caminhada. Um paciente por vez, cada um no seu ritmo, com uma fisioterapeuta e um técnico de enfermagem ao lado. Chegaram a pegar sol na janela.
Em certo momento, um paciente passou na frente do boxe do outro. Eles se enxergaram. Foi uma cena de vitória. Naqueles poucos segundos, fizeram gestos de conquista com os braços. Os dois receberam alta do CTI para a unidade de internação ainda pela manhã e saíram aplaudidos pela equipe.
Importante destacar que, após a breve caminhada, eles sentiram cansaço e ficaram ofegantes. Isso será acompanhado ao longo dos dias. Ainda não se conhecem direito as consequências da covid-19 em termos de sequelas que possam ocorrer nos pulmões.
Um dos pacientes, sob lágrimas, agradeceu pelo excelente atendimento e disse que o sentimento é de gratidão eterna. Para nós, da equipe, é um sentimento de realização pela vida, pois os dois pacientes estiveram em estado muito grave.
Um dos momentos mais marcantes da minha manhã foi com a carta que recebemos de um paciente. Lembro bem de parte dela. Dizia assim: 'Vou sempre acreditar que vocês eram anjos, especialmente enviados por Deus, para me dar a oportunidade de recobrar minha vida. Por isso, chamarei, por toda a minha vida, anjos do CTI do Hospital de Clínicas'. A carta veio acompanhada de uma torta, que foi promessa do paciente ao sair.
Trabalhar em terapia intensiva tem isso: gratidão pela vida e valorização das pessoas, que são nosso bem maior.
Agora à noite, meu marido, Michel, que para minha sorte adora cozinhar, fará pizza de frigideira, um dos meus pratos prediletos. Vou brincar de Heróis de Pijama com o João Miguel (filho). Ele disse que eu sou a Corujita, uma super-heroína. Na vida real, não me considero heroína, mas, sim, uma profissional muito qualificada para a minha área de atuação.
Desejo uma boa noite. Até amanhã. Beijo!"
"Pequenas conquistas: agora comemoramos até o xixi dos pacientes"
Dia 3 de maio: 14h03min
"Ao falar sobre as conquistas dos pacientes com covid-19, é como se passasse um filme na minha cabeça, lembrando de momentos marcantes. Vou contar alguns.
Cuidei de uma paciente de 70 anos que, por necessidade, estava havia muitos dias somente na cama. Era o momento de sentá-la em uma poltrona. A equipe de Fisioterapia e de Enfermagem usaria um aparelho tipo 'cegonha' para transferi-la da cama para a poltrona. A paciente disse:
— Acho que consigo sozinha com o apoio da equipe.
E ela conseguiu. Ficou em pé, sorriu para todos, deu os primeiros passos novamente. Claro que foram passos arrastados, mas ela conseguiu caminhar. Ao seu lado, estavam um técnico de enfermagem e um fisioterapeuta, que comemoraram a conquista tanto quanto a paciente. Ela ficou lá na poltrona, bem bela, bem posicionada, passando álcool gel nas mãos.
A perda da força muscular é uma das consequências da covid-19. Coisas simples passam a ser complicadas, como, por exemplo, comer com as próprias mãos. Um paciente de 46 anos não tinha conseguido comer sozinho ainda. Chegou o almoço, e eu disse para ele:
— Vamos tentar com as tuas mãos, estimular a tua autonomia novamente. Estamos aqui para ajudar também nessa hora.
Ele tentou. Pegou o copo com uma das mãos, a colher com a outra, e tomou todo o café com leite espessado. Foi muito bacana.
Esse mesmo paciente teve falência renal. Nós medíamos a quantidade de urina na bexiga com o uso de um aparelho de ecografia e fazíamos sondagens de alívio nele, que é a colocação de uma sonda, pela uretra, até a bexiga, para a retirada do xixi. Nesse mesmo dia, após essa ecografia, ele disse:
— Eu acho que hoje não vai ser necessária a sondagem. Consigo urinar sozinho.
Eu falei:
— Opa! Vamos tentar.
Entregamos a ele um recipiente para urinar, chamado papagaio, e ele conseguiu. Urinou exatamente a quantidade de xixi que medimos com o aparelho de ecografia. Foi uma comemoração só! Uma médica disse:
— Agora comemoramos até o xixi dos pacientes!
Na verdade, é bem isso. São essas pequenas conquistas que fazem os nossos dias mais felizes.
O Michel (marido) está fazendo um churrasquinho. Vou ficar com ele e o João Miguel (filho). Vamos montar uma pista de Hot Wheels que sai do sofá e passa por cima da mesa da sala!
Um beijo. Até amanhã!"
"Disse ao paciente que somos uma família e que ele vai se recuperar"
Dia 30 de abril: 20h
"Minha manhã foi marcada por emoções. Trabalhar em terapia intensiva sempre foi muito dinâmico, cheio de novidades, mas ultimamente estamos vivendo um momento ainda mais intenso.
Hoje trabalhei das 7h às 14h. Tínhamos quatro pacientes com covid-19 e quatro pacientes com suspeita internados na unidade. Cuidei de três deles, e todos estavam melhores e estáveis. No início da manhã, entrei no boxe de um paciente para examiná-lo e conversamos muito. Ele me falou que está com sentimento à flor da pele, muito emotivo. Chorou bastante. Dei-lhe a mão e disse que estamos ali para cuidar dele, que somos uma família que o ama assim como a sua família. Ele me disse que nunca imaginava encontrar pessoas tão boas e que realmente se preocupam com o outro. Ainda mais em um hospital, local onde nunca se espera estar.
Eu disse que só pensaríamos em coisas boas, que só teríamos pensamentos positivos, que ele vai se recuperar e vai voltar para a sua família, que tanto o ama. Foi um momento marcante de extrema empatia, pois essa doença é muito solitária. Os pacientes estão longe da família e dos amigos, e todos com uma carga emocional muito grande. Inclusive nós, profissionais.
A equipe médica reuniu toda a equipe do CTI que cuida de pacientes com covid-19 e agradeceu pela parceria e pelo comprometimento. Um médico também falou do agradecimento a Deus porque ninguém da equipe se contaminou com esse vírus.
No início da tarde, recebi o meu novo crachá, para que os pacientes me conheçam sem máscara, touca e óculos de proteção. A foto do crachá foi escolhida por mim, e nela estou com os cabelos soltos e sorrindo. Fiquei tão feliz. Logo entrei no boxe de um paciente. Ele me olhou e disse:
— Nossa, como você é linda!
Brincou comigo dizendo que ia até querer tirar uma foto comigo. Ele também disse:
— Que Deus te proteja sempre. Muito obrigado pelas conversas de hoje e por cuidar de mim tão bem.
Também recebemos bolos, da familiar de uma paciente que teve alta ontem, pelo excelente atendimento. São esses acontecimentos e esse tipo de atitude que são tão valorosos e que tornam o trabalho de terapia intensiva tão gratificante."
"Ficamos felizes ao ver uma paciente fazendo planos: preparar massa e sorvete quando for para casa"
Dia 29 de abril: 19h56min
"Hoje, tínhamos cinco pacientes internados na unidade, três com covid-19, um paciente com suspeita de coronavírus e uma paciente cujo resultado do exame veio negativo — foram dois exames negativos, coletados em dias consecutivos. Ela tinha sido internada com covid-19.
No turno da manhã, continuamos trabalhando na reabilitação dos pacientes. Uma das nossas pacientes recebeu alta do CTI para a unidade de internação, com exame negativo para a doença. Hoje é o seu 29º dia de internação hospitalar, e ela passou 21 dias no aparelho de ventilação mecânica. Falou que, quando for para casa, como é chef de cozinha, gostaria de fazer uma massa e sorvete. Um dos médicos questionou o sabor do molho da massa e do sorvete, e ela sorriu, dizendo que ainda iria pensar. Todos do grupo também sorrimos, achando a situação engraçada. Ao mesmo tempo, ficamos felizes em ver os planos de uma paciente de quem cuidamos muito e que está conquistando sua alta do CTI.
Outra notícia que marcou o meu dia foi o vídeo que uma médica recebeu de um paciente que recebeu alta do CTI. Ele agradeceu a toda a equipe, falando do sentimento de gratidão e que somos profissionais heróis. Disse tudo isso com brilho nos olhos e um sorriso no rosto. Foi um momento gratificante. Isso nos fez pensar nos casos mais difíceis, em termos de complexidade de cuidados, nas perdas e nos sucessos que tivemos e jamais esqueceremos.
À tarde, recebemos a informação de que dois pacientes seriam internados. Dei aula para a Residência Integrada Multiprofissional em Saúde sobre coronavírus e os cuidados com os pacientes. Falamos da importância da segurança do profissional.
Agora vou brincar um pouco com o meu filho. Ele já veio aqui me convidar para jogar um jogo sobre monstros e zumbis. Coisa de criança!
Um beijo e até amanhã."
"Perda da força muscular e da capacidade de engolir estão entre as consequências da doença"
Dia 28 de abril: 20h06min
"Hoje tínhamos cinco pacientes internados na unidade: três com covid-19 confirmada e dois com suspeita. A unidade estava tranquila, não tivemos internações pela manhã.
Uma paciente terá alta em breve. Ela tem 62 anos e está se recuperando a cada dia. Está no momento de reabilitação, quando principalmente a fisioterapia, em parceria com a enfermagem, tem trabalhado na chamada mobilização dos pacientes.
Uma das consequências da covid-19 é a perda de força muscular. Por exemplo, o paciente não consegue sair da cama sem apoio para sentar em uma poltrona, precisando de auxílio. A mobilização precoce é um dos cuidados essenciais para a recuperação do paciente crítico.
O paciente crítico necessita de cuidados complexos, como os pacientes com covid-19. A área de fonoaudiologia também tem trabalhado na recuperação da deglutição (capacidade de engolir), que pode ficar comprometida em razão das complicações da doença. Posso dizer que o trabalho multiprofissional integrado é essencial e está diretamente relacionado com os melhores resultados em saúde.
Cheguei em casa às 18h30min. João Miguel, meu filho de três anos, estava dormindo desde as 18h. Não aguentou esperar a mamãe. Hoje ele acordou às 6h, praticamente comigo. Agora, vou descansar e me reabilitar, me recuperar, para o trabalho amanhã.
Um beijo e boa noite."
"Paciente disse que não poderia estar em lugar melhor neste momento"
Dia 27 de abril: 20h33min
"Hoje tínhamos seis pacientes internados na unidade, que tem capacidade de 13 leitos. Quatro pacientes com diagnóstico para covid-19 positivo e dois com suspeita.
Quando recebi o plantão, às 7h, fiquei muito contente ao saber que dois pacientes que estavam há alguns dias no aparelho de ventilação mecânica tinham sido extubados, ou seja, foi possível retirar o tubo para respiração. Os dois estavam ainda precisando de baixo volume de oxigênio por cateter e máscara, mas já respirando normalmente e sem esforço.
Uma dessas pacientes, além de português, falava inglês e espanhol com a equipe, uma miscelânea de línguas. Ela é poliglota. Muito legal! Fazia sinal de conquista com o braço para todos da equipe.
O outro paciente me fez chorar. Fiquei emocionada com suas palavras. Agradeceu por tudo o que fizemos por ele e disse que não poderia estar em lugar melhor, sendo cuidado, neste momento. Disse que quer voltar e nos abraçar depois que tudo isso passar. Fez um sinal de positivo com a mão e um coração para mim e para a técnica de enfermagem. Nossa, fiquei tão feliz! Eu e a técnica deixamos cair lágrimas de emoção e felicidade. Como é bom fazer o bem. O sentimento de realização é imenso.
Nossa equipe comemorou hoje a melhora gradativa dos nossos pacientes.
Agora à noite, o João Miguel, meu filho, veio me perguntar o que eu queria comer. Michel, meu marido, está fazendo a nossa janta, e vou ficar mais um pouquinho com os meus guris.
Boa noite e até amanhã."
"Quatro pacientes em uma unidade de 13 leitos: a importância do distanciamento social"
Dia 23 de abril: 22h16min
"Trabalhei na assistência direta aos pacientes pela manhã. No turno da tarde, revisei, em profundidade, o caso de uma paciente, além de alguns artigos.
De manhã, tínhamos cinco pacientes internados na unidade, três com covid-19 e dois com suspeita — o resultado de um desses exames foi negativo para a doença, e o paciente, inclusive, teve alta do CTI para a unidade de internação. Saiu bem feliz, dando tchau para toda a equipe.
Resumindo: terminamos nossa manhã com quatro pacientes na unidade, que tem 13 leitos. Ou seja, a 'fotografia' do nosso turno retrata hoje a importância do distanciamento social para o achatamento da curva no Estado e no país. E, principalmente, para aliviar o sistema de saúde, que precisa dar conta da magnitude dessa doença. Os nossos pacientes com covid-19 vêm mostrando melhora a cada dia — pequenas melhoras, mas importantes para animar o grupo que está cuidando deles, totalmente comprometido com a recuperação.
Vou terminar o meu relato por aqui e ficar mais um pouquinho com o Michel, meu marido, e o João Miguel, meu filho. Hoje o João Miguel disse que tinha uma coisa muito importante para me falar. Perguntei o que era. Ele me disse:
— Mamãe, eu te amo.
Então, vou ficar mais um pouquinho com os meus guris. Boa noite."
"Expressão do rosto, rigidez muscular e respiração alterada podem indicar dor em pacientes entubados"
Dia 22 de abril: 21h07min
"Hoje eu trabalhei das 7h às 19h, com uma hora de almoço.
Tínhamos sete pacientes internados na unidade: dois com teste positivo para covid-19, quatro com suspeita de infecção por coronavírus e um cujo exame tinha dado negativo para a doença.
Os dois pacientes com covid-19 têm com um quadro grave e ainda necessitam de muitos cuidados. Eles estão com aparelho de ventilação mecânica. No entanto, conseguimos diminuir os medicamentos sedativos e os medicamentos contínuos para a dor, e esses pacientes se mantiveram confortáveis.
Os técnicos de enfermagem e os enfermeiros se baseiam em escalas para avaliar a presença de dor e também observam constantemente os sinais clínicos indicativos de dor, como expressão do rosto, presença de contratura ou rigidez muscular, alteração do padrão da respiração, pressão arterial aumentada ou batimento acelerado do coração.
Uma das novidades do dia foi um mural com frases de motivação, um projeto coordenado pelos profissionais da Psicologia. Colegas que estão chegando ou saindo podem deixar recados. Exemplos dos recados de hoje:
'Equipe da UTI: força em mais um plantão'
'Juntos somos mais fortes. Tudo passa'
'Somos a força uns dos outros. Bom plantão'
Boa noite e até amanhã."
"'Temos o maior orgulho de ti. Deus te abençoe sempre', disse minha mãe"
Dia 21 de abril: 18h41min
"A maioria das pessoas que conheço e não são da área da saúde vê meu trabalho e o de meus colegas com admiração e respeito. Não passei por situações de as pessoas terem medo de chegar perto de mim por eu trabalhar em hospital. Ainda bem. A maioria nos considera como heroínas e heróis e fica impressionada com o tamanho do comprometimento, da dedicação, do estudo e do amor pelo que fazemos. Muitas vezes, abrindo mão da nossa vida particular e até mesmo da nossa família em benefício de outros.
Um amigo querido me disse hoje:
— Precisa ter muita coragem para sair de casa, em qualquer horário, e ir para uma verdadeira guerra contra esse vírus.
Outra amiga me falou que também fica impressionada com o tamanho da coragem dos profissionais da saúde que se expõem diariamente a esse vírus, fora todas as outras doenças das quais ela disse nem ter conhecimento. Ela falou também que cuidamos dos pacientes, levamos esperança de dias melhores, mesmo com o cansaço e o estresse diários, inflamados por esse momento inesperado.
Minha família considera o meu trabalho uma profissão linda por cuidar do outro. Minha mãe, Maria Conceição Marques Severo, 68 anos, caixa de supermercado aposentada, me enviou um áudio pelo WhatsApp: 'Só sei dizer uma coisa: temos o maior orgulho de ti pela tua dedicação, pela tua generosidade, pelo amor que tem com o próximo, com teus pacientes, com o teu trabalho e com a tua família. Eu te amo, minha filha. Deus te abençoe sempre. Um beijo'.
Termino ressaltando a palavra generosidade, por cuidar do amor de alguém, que é uma das maiores qualidades da nossa profissão."
"'Você vai conseguir!', falou um paciente para o outro"
Dia 19 de abril: 19h42min
"Fiquei em casa e curti o final de semana com os meus guris, Michel (marido) e João Miguel (filho). Foram momentos importantes em família, que me remeteram a pensar nos pacientes e no que é falado por eles quando estão no CTI.
Na chegada à unidade, e quando passam pela coleta do exame para covid-19, eles perguntam: 'Quanto tempo demora o resultado?'. O medo do resultado positivo para a doença é inevitável, fora o medo da unidade de terapia intensiva, por ser um lugar desconhecido e por saberem que ali estão pacientes graves. Também já escutei: 'Meu Deus! Eu estou grave?' .
Explicamos que também vão para o CTI, além de pacientes graves, pacientes que precisam de maior monitorização do padrão da respiração, dos sinais vitais. Enfim, quando precisam de mais cuidados.
Procuramos dar apoio, mostrar empatia, dizendo que estaremos junto com os pacientes em todos os momentos e que faremos o melhor por eles. Muitas vezes, em meio à falta de ar, que é um dos sintomas mais comuns nos pacientes que internam no CTI, enxergamos um sorriso e o alívio de serem bem recebidos e cuidados.
Outra situação que tenho vivenciado é a do medo dos pacientes que estão com falta de ar em precisarem ser entubados, ou seja, necessitarem do tubo que liga ao aparelho de ventilação mecânica. Em contrapartida, também já escutei pacientes pedindo o tubo para se livrarem da falta de ar.
Na última semana, presenciei uma conversa entre dois pacientes. Eles estavam em boxes um ao lado do outro e conseguiam se escutar se falassem um pouco mais alto. Ele falou para ela:
— Você vai conseguir. Eu estou há quase 30 dias no CTI e estou conseguindo me recuperar. Você também vai!
Isso serve de motivação para nós, pois ver a preocupação dos pacientes pelos outros que estão ali internados é exemplo de pura empatia. E ela realmente conseguiu. Os dois tiveram alta do CTI em dias consecutivos. E ele até mesmo com seu exame negativo para covid-19."
"Paciente disse que voltará para nos encher de abraços"
Dia 17 de abril: 19h10min
"Nossa manhã foi muito dinâmica. Encaminhamos para o quarto, com alta do CTI, nossa paciente de 70 anos. Ela saiu bem feliz, dizendo que, quando a pandemia acabar, ela vai voltar pra nos encher de abraços.
Recebemos a visita de duas psicólogas, que vieram conversar com o grupo sobre como está o trabalho, como estamos lidando com nossos sentimentos, como está nossa saúde física e mental. Foi um momento riquíssimo. Foi falado que a equipe já se conhece pelo olhar e que, mesmo nos momentos mais tensos, mantemos a tranquilidade, sem correria ou atropelos. Isso é muito bom para quem trabalha em um ambiente de terapia intensiva. Também foi destacado o respeito que temos uns pelos outros, independentemente da função — e que, quando um chega com os olhos baixos, logo os ergue, pelo apoio que recebe dos demais.
Estamos enxergando a melhora dos pacientes. Acompanhar a saída deles do CTI para o quarto tem motivado muito o grupo no trabalho do dia a dia.
Uma colega enfermeira que ingressou recentemente no grupo disse que, se estivéssemos na III Guerra Mundial, mesmo assim ela se sentiria segura trabalhando com um grupo tão maduro e competente e em uma instituição que é referência no cuidado em saúde.
Falamos também sobre um projeto em que teremos crachás com os nossos rostos de uma forma mais leve, sem máscaras, de modo que os nossos pacientes saibam quem está por trás daquela máscara, quem está por trás daquele escudo. É uma forma mais empática de realizarmos o cuidado."
"'Vocês são guerreiros', me disse a paciente, fazendo um coração com as mãos"
Dia 16 de abril: 21h34min
"Como equipe de enfermagem, realizamos muitos cuidados. Vou destacar alguns do dia de hoje. Preparamos um paciente para o transporte até a unidade de Radiologia para fazer uma tomografia de pulmão — ele está em ventilação mecânica, então fizemos um transporte com muita cautela e segurança. Iniciamos medicação para controlar a pressão arterial de alguns pacientes. Administramos vários medicamentos — destaco aqueles para o controle da dor. E também realizamos cuidados de higiene, entre outros.
O enfermeiro está na liderança de sua equipe de enfermagem, gerenciando e avaliando os resultados dos cuidados de enfermagem, sempre buscando a qualidade assistencial e a segurança do paciente. Posso dizer que estamos tendo sucesso, com muitos resultados positivos e segurança no cuidado ao paciente.
No turno da tarde, ocorreu a visita virtual (de familiares a pacientes). Está sendo um sucesso. É muito bom para os pacientes, para os familiares e também para a equipe.
Um momento especial para todos foi a alta de um paciente de 41 anos para a unidade de internação. E uma paciente de 70 anos provavelmente terá alta em breve. Falei para ela:
— A senhora é uma guerreira. Passou por momentos difíceis e se reergueu.
Ela me disse, fazendo o sinal de coração com as mãos:
— Não, minha querida. Guerreiros são vocês!
E o paciente de 41 anos saiu da unidade sendo aplaudido, e ele aplaudindo a equipe. Esse tipo de cena tem sido comum e nos motivado todos os dias.
Muito obrigada e até amanhã."
"Sinto falta de abraçar minha mãe, de encontrar meus irmãos, dos almoços de família"
Dia 14 de abril: 20h02min
"Neste momento de pandemia, o sentimento é de medo do desconhecido. Uma doença com a qual estamos aprendendo a lidar e que ainda não tem tratamento específico assusta, mesmo os mais experientes. No entanto, o coronavírus ressignificou o cuidado nos serviços de saúde. O cuidado de uma forma mais ampla, o cuidado enquanto cuidador, o cuidado com o outro. Mostrou a importância dos profissionais da saúde que sempre estiveram na linha de frente, prestando cuidados aos pacientes e a suas famílias.
Trabalho há 18 anos em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e nunca tinha vivenciado um momento de tanta ajuda mútua e de compreensão do trabalho do outro. Isso é tão valioso que foi a maior lição que a covid-19 trouxe para nós enquanto profissionais. Essa pandemia veio nos transformar enquanto seres humanos, e para melhor.
Sinto falta de abraçar minha mãe, que é idosa, de visitar sua casa, onde morei muitos anos, e de me encontrar com meus irmãos, sobrinho, cunhada. Nos reuníamos todo final de semana em almoço de família. Ríamos muito e nos divertíamos. Sinto muita saudade disso.
Em casa, estou convivendo muito mais tempo com o Michel, meu marido, que é preparador físico do Corinthians. Ele trabalha em São Paulo e está de férias devido à paralisação do Campeonato Paulista. E a convivência está sendo muito legal, pois valorizo ainda mais os cuidados do Michel com o João Miguel, enquanto trabalho no hospital, e o carinho dele comigo quando chego em casa. Está sempre me esperando com a comida pronta e a casa organizada e limpa. Atos simples que são muito importantes e valiosos. Até disse que casava com ele novamente se ele também topasse. Até agora, ele disse que sim.
O que mais me alegra é o carinho do meu filho comigo. Ele sempre tem uma frase de carinho, um ato de aconchego, e me dá força para continuar lutando. A sobrecarga de trabalho em tempos de pandemia é grande, mas me sinto preparada e estou usando a minha experiência de anos em terapia intensiva para salvar vidas. E isso é o que dá sentido a nossa existência.
Termino aqui o meu relato. Até amanhã."
"Pacientes acordados podem permanecer com seus celulares e se comunicar com a família"
Dia 13 de abril: 19h29min
"Boa noite. Hoje trabalhei das 7h até as 13h30min. Normalmente, somos três enfermeiras e nove técnicos de enfermagem na assistência direta aos pacientes. A unidade onde trabalho tem capacidade de 13 leitos. Cada enfermeira cuida de quatro ou cinco pacientes, e cada técnico, de um ou dois pacientes, dependendo da gravidade ou da demanda de cuidados. Essa distribuição é muito importante para a segurança dos pacientes estar bem adequada.
Hoje tínhamos oito pacientes internados, sete com covid-19 positivo e um com suspeita. Conseguimos redistribuir ainda mais nossa escala, de forma a aliviar um pouco a carga de trabalho. Excepcionalmente, a unidade estava mais tranquila, apesar de ser uma segunda-feira, que normalmente é bem movimentada.
Acho que a Páscoa trouxe uma calmaria no ar, e espero que sigamos em um ritmo lento de internações, pois dá fôlego para a equipe e para o sistema de saúde, que precisou se remodelar diante dessa pandemia.
Um dos aspectos que discutimos hoje em uma reunião multidisciplinar foi que os pacientes que coletam o exame para diagnóstico de covid-19 estão aguardando menos de um dia para o resultado. E isso é muito bom para que possamos realocá-los para outra área do hospital, sem pacientes com covid-19, no caso de exame negativo. E também é muito importante para otimizarmos os leitos dentro do CTI.
Outro assunto que também discutimos é a possibilidade de visita virtual para os pacientes, que é uma videochamada por telefone celular ou por mensagem, para aqueles pacientes que têm condições. Isso é muito bom, pois os pacientes não podem receber visitas da família de forma presencial para segurança dos familiares e dos próprios pacientes. Alguns dos pacientes, que estão lúcidos e acordados, podem permanecer com seus telefones celulares, e fica ainda mais fácil a comunicação com a família.
Cheguei em casa por volta das 14h. João Miguel e Michel me esperavam para o almoço. Na realidade, João Miguel já estava na sobremesa, comendo os seus chocolates, bem faceiro, na sala. O chocolate foi uma recompensa, porque ele comeu o almoço. Depois, ele me pediu um colo. Ele tem quase quatro anos e uns 18 quilos, mas estava com saudade da mamãe. Então dei um colinho, com todo o amor e carinho."
"Retirado o tubo, a primeira palavra do paciente foi 'obrigado'"
Dia 9 de abril: 20h04min
"O meu dia hoje foi bem gratificante porque retiramos o tubo de ventilação mecânica de um paciente que está bem melhor. Ele ficou respirando sem o aparelho. Quando foi retirado o tubo, a primeira palavra do paciente foi 'obrigado', e a equipe enxergou lágrimas caindo dos olhos dele.
Foi um momento muito emocionante. Ficamos felizes, pois ele chegou a ser o nosso paciente mais grave. Foi até reanimado após uma parada cardíaca. E hoje ele está feliz e conversando com a equipe, muito grato pelo atendimento.
Chegando em casa, ao final do dia, fui assistir a desenhos com o Michel e o João Miguel. Meu filho parecia um gatinho, se encostando em mim. Disse que estava com saudade da mamãe. No feriado e no final de semana, vou descansar, não vou trabalhar, para renovar as energias para segunda-feira.
Um beijo e Feliz Páscoa!"
Os inúmeros cuidados para colocar e retirar os equipamentos de proteção individual (EPIs)
Dia 9 de abril
"Tomamos muitos cuidados com a paramentação e a desparamentação, que são a colocação e a retirada dos equipamentos de proteção individual (EPIs), na chegada ao Centro de Tratamento Intensivo (CTI). Touca, óculos de proteção, máscara N95, avental, sapatos fechados. Geralmente, pegamos nosso EPI e retiramos todos os adereços: crachá, celular, caneta, anéis, brincos, colar. Prendemos os cabelos em um coque, higienizamos as mãos, colocamos um avental e verificamos se ele está bem fechado nas costas. Preferencialmente, isso deve ser feito em dupla para evitar que uma área fique exposta. Então é uma dupla conferência, uma dupla checagem.
Colocamos a máscara N95 e verificamos se está bem vedada. Higienizamos as mãos. Colocamos um gorro, os óculos de proteção. Antes de entrar no boxe do paciente, higienizamos as mãos novamente, vestimos luvas de procedimento — usamos duas, uma em cima da outra. E também usamos um escudo durante certos procedimentos que geram aerossol, que são micropartículas que ficam suspensas no ar, ou gotículas, partículas maiores que também ficam próximas ao paciente.
A desparamentação é a retirada dos EPIs ao término do turno de trabalho, na saída da unidade. Preferencialmente, realizamos a desparamentação sob a supervisão de um colega para evitar falhas e uma possível contaminação. Ainda na área de cuidado ao paciente, retiramos aos luvas e as descartamos em um lixo específico. Higienizamos as mãos com álcool gel ou água e sabão. Depois retiramos o avental, tocando na parte interna e evitando a parte externa, e o descartamos em um lixo adequado.
Higienizamos as mãos, retiramos os óculos de proteção e/ou o protetor facial, também chamado de escudo, colocando-os em uma bancada. Higienizamos as mãos e retiramos a máscara N95, guardando-a em um saco plástico para ser usada no turno seguinte. Higienizamos as mãos e calçamos luvas, de modo a realizar a limpeza dos óculos de proteção e do escudo, com água e sabão. Depois de secos, guardamos esses equipamentos em um saco plástico. Retiramos as luvas e higienizamos as mãos."
"Tivemos a perda do primeiro paciente com covid-19 no CTI. Foi muito triste"
Dia 8 de abril: 19h46min
"Iniciamos o plantão com a triste notícia do falecimento de uma colega, técnica de enfermagem do Hospital Conceição. Realizamos uma reunião para registrar nossos sentimentos de extremas solidariedade e tristeza. A enfermagem está de luto pela perda de uma vida ajudando outras pessoas, lutando contra o coronavírus. A equipe de enfermagem é muito unida, e nos comprometemos a cuidar ainda mais uns dos outros. Uma técnica em enfermagem do meu grupo disse:
— A nossa coragem é maior do que o medo.
Eu complemento dizendo que o nosso cuidado com o outro é a nossa maior qualidade.
No final da manhã, tivemos a perda do nosso primeiro paciente com covid-19 no CTI do Hospital de Clínicas: um senhor idoso. Foi um momento muito triste dentro da unidade. Nosso plantão foi pesado, realizamos muitos cuidados nos pacientes, mas todos com muita segurança. Um trabalho de equipe, muito integrado.
Agora estou em casa, João Miguel (filho de três anos) já está dormindo. Hoje ele acordou às 5h30min, junto comigo. Acho que vai dormir até amanhã. Daqui a pouco, vou jantar com meu marido e descansar para amanhã."
"Três dos pacientes sob meus cuidados estavam no aparelho de ventilação mecânica"
Dia 7 de abril: 22h57min
"Hoje, Dia Mundial da Saúde, trabalhei das 7h às 18h, com uma hora de almoço. Cuidei de quatro pacientes: três com covid-19 positivo e um com suspeita. Tínhamos 10 pacientes internados na unidade, nove com covid-19 positivo. Essa unidade tem capacidade total de 13 leitos.
Três dos pacientes sob meus cuidados estavam no aparelho de ventilação mecânica, e uma paciente fora desse aparelho. Ela estava bem melhor, e acho que não vai demorar para que saia do CTI para a unidade de internação, o que alegra muito a equipe.
Recebemos alguns técnicos e enfermeiros novos, que vieram ser capacitados sobre os cuidados de paramentação e desparamentação e também sobre outros múltiplos cuidados que envolvem os pacientes com covid-19. Por exemplo, como se coleta o exame para o diagnóstico, cuidados com o aparelho de ventilação mecânica, com a proteção ocular (os pacientes recebem medicações que diminuem a umidade do olho) e para prevenir lesões de pele, devido à diminuição da mobilidade.
Conversando com um dos médicos do CTI, chegamos à conclusão de que estamos desenvolvendo muitas habilidades nesse momento singular de pandemia, como a resiliência diante das adversidades e a paciência no trabalho diário. Estamos realizando um trabalho de equipe, integrado, como um time de nado sincronizado.
À noite, cheguei em casa e fiz uma ligação de vídeo para a família. Foi um momento muito especial do meu dia. Sempre me alegra e me tranquiliza saber que meus familiares estão bem.
Finalizo aqui meu registro desejando uma boa noite. Até amanhã!"
"Agradeço por tudo o que fizeram por mim', disse o paciente"
Dia 6 de abril: 22h28min
"Boa noite. Hoje cuidei de dois pacientes com covid positivo e de um paciente com suspeita. Os dois positivos estavam bem graves e no aparelho de ventilação mecânica. Durante a manhã, realizamos várias intervenções, além do manejo de drogas sedativas e de medicação contínua para manter a pressão arterial e melhorar a oxigenação dos tecidos.
No final do turno, para alegrar o nosso dia, o segundo paciente com covid positivo deu alta para a unidade de internação. Lembro bem das palavras dele com um sorriso no rosto:
— Agradeço por tudo o que fizeram por mim. Estou saindo do CTI bem e sou muito grato.
Aplaudimos a sua saída da unidade, comemorando, além da conquista do paciente, a conquista da equipe, pois é um momento muito representativo para nós enquanto grupo que atua no cenário de terapia intensiva.
Chegando em casa, por volta das 15h, depois da minha rotina de tomar banho no hospital, João Miguel me olhou na entrada da porta e falou:
— Mamãe, você está linda!
Até me emocionei, pois meu rosto estava todo marcado da máscara e dos óculos de proteção, e meu filho teve a sensibilidade de me fazer sorrir, de me alegrar.
Estudei durante a tarde sobre o que eu vivenciei na prática, no hospital. Fiz exercícios em casa: subindo e descendo as escadas do prédio e abdominais na sala, sob a supervisão do meu preparador físico particular, Michel Huff (marido). Um beijo e até amanhã."
"Como eu me cuidei no final de semana"
Dia 5 de abril: 18h52min
"No final de semana, não trabalhei na assistência direta aos pacientes, mas trabalhei em casa. Aproveitei a folga para pensar em como cuido de mim para poder cuidar bem do outro. Listo algumas estratégias que usei e com as quais tive muito sucesso. Como eu me cuidei? Primeiro curti a casa com a família, tomei um bom café da manhã com o Michel (marido) e o João Miguel (filho de três anos), limpamos a casa juntos, escutando uma boa música. E conversamos sobre a vida.
Num segundo momento, li poemas de Mário Quintana e repensei o 'cuidar-se enquanto cuidador'. Fiz atividade física e também descansei para recuperar as energias. Tomamos um bom vinho. Li artigos científicos relacionados à covid-19 e também livros sobre a assistência ao paciente internado em terapia intensiva.
Finalizo com uma frase que li: 'Com o tempo, você vai percebendo que, para ser feliz, você precisa aprender a gostar de você, a cuidar de você e, principalmente, a gostar de quem também gosta de você'. Amanhã, às 7h, estarei bem feliz recebendo o meu plantão, cuidando dos pacientes e da minha equipe, bem descansada para a semana.
Bom final de domingo!"
"Tudo com cheiro de novo: monitores, bombas de infusão, respiradores. Tudo de primeira categoria"
Dia 3 de abril: 20h59min
"Boa noite. Trabalhei na assistência direta aos pacientes das 7h até as 13h30min. Hoje tínhamos 10 pacientes no CTI: sete com covid-19 positivo e três com suspeita. A manhã foi bastante movimentada, tivemos três internações. Alguns pacientes bem instáveis, mas conseguimos otimizar um plano de cuidados, e eles responderam. No final da manhã, eles estavam mais estáveis.
No início da tarde, fui conhecer os novos leitos de UTI no anexo do Hospital de Clínicas. Fiquei encantada com tudo o que vi. Tudo com cheiro de novo: monitores, bombas de infusão, respiradores. Tudo de primeira categoria. Conheci também a sala de descanso para os funcionários, com móveis novos, todos doados. Posso dizer que nós, profissionais da área da saúde, recebemos muito mais do que palmas: recebemos também muitas doações. Existe uma comoção das pessoas. A solidariedade está à flor da pele. Muita humanidade. Digno de louvor.
Em casa, assisti a desenhos com o João Miguel (filho de três anos), brincamos com quebra-cabeças.
— Mamãe, esse é difícil! Você precisa ter paciência para montar — ele disse.
Depois tive terapia online com a minha psicóloga. Faço terapia já há alguns anos. Esse momento de tratamento, diante de todas as vivências no CTI, é muito bom para mim.
Agora vou curtir um churrasquinho que meu marido está preparando. Termino meu relato de hoje com uma frase que foi postada na parede dos vestiários dos funcionários da UTI nova: 'O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa. Sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem', dizia o nosso grande Guimarães Rosa. 'Por todos nós: fique firme, precisamos de você. Vamos vencer esta batalha', dizia o cartaz."
"'Mamãe, como você está cheirosa!', disse meu filho quando cheguei em casa"
Dia 2 de abril: 22h40min
"Recebi a notícia de que os três pacientes que tinha sob meus cuidados, internados na véspera com suspeita de covid-19, tiveram exames negativos. Pudemos organizar a transferência deles, ainda pela manhã, para outra área. Foi uma manhã movimentada, mas com todo o trabalho feito com muita segurança.
Recebemos a acolhida de uma psicóloga do hospital, que veio escutar o grupo sobre os sentimentos diante das mudanças e dos cuidados dos pacientes com covid-19. A equipe pôde falar que é unida, que se sente tranquila e segura, apesar de trabalhar em uma área que recebe, neste momento, exclusivamente pacientes com suspeita ou com covid-19 positivo. Foi uma forma de valorização do grupo, um momento muito legal de escuta.
Trabalhei até as 13h30min. Quando cheguei em casa, fui recebida com muito carinho pelo meu marido, Michel, e pelo meu filho, João Miguel, de três anos. O Michel tinha feito um almoço maravilhoso para me receber e tinha montado, no apartamento, com o João Miguel, uma pista de carrinhos Hot Wheels para que pudéssemos brincar. Eu tinha tomado banho no hospital, passei álcool gel nas mãos antes de entrar. Abracei o João Miguel, que me disse:
– Mamãe, como você está cheirosa!
Essa acolhida também foi um momento muito feliz do meu dia. No final da tarde, recebi uma mensagem no grupo de enfermeiros do CTI do HCPA, enviada por uma professora da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com uma foto do pôr do sol, que estava lindo hoje, e uma frase muito significativa: "Quem vê a beleza do lado de fora não enxerga a angústia do lado de dentro". Essa imagem do pôr do sol, que ela fotografou da sala dela no hospital, muitas vezes nos dá muito acalento, nos tranquiliza muito e alegra nosso final de tarde."
"Tivemos a primeira alta de paciente com covid-19 do CTI. Todos aplaudiram"
Dia 1º de abril: 20h09min
"Voltei ao trabalho hoje depois do meu exame para coronavírus ter dado negativo. Meu sentimento foi de extremo alívio. Também fiquei feliz ao perceber que meus colegas estavam alegres com a minha chegada. Relataram estar muito preocupados comigo. Fiquei contente demais ao saber, por e-mail, que uma psicóloga do serviço médico ocupacional havia me disponibilizado atendimento da equipe do programa de saúde mental. Um atendimento psicológico e também psiquiátrico, se eu também sentisse necessidade, diante desse momento inédito que estamos experimentando. Me senti muito amparada pela instituição onde trabalho.
Iniciei às 7h, trabalhei até as 17h. Comecei o plantão sendo a enfermeira responsável por prestar cuidados a três pacientes com suspeita para covid-19. Coletei o exame para identificação em dois deles. Todos os pacientes de quem eu estava cuidando eram graves, necessitando de muitos cuidados, não somente relacionados ao aparelho de ventilação mecânica, mas também com medicações contínuas para manter a pressão arterial adequada, antibióticos sendo iniciados minutos após a prescrição do médico. Tempo é vida.
No turno da tarde, fiquei muito contente. Tivemos a primeira alta de paciente com covid-19 do CTI do Hospital de Clínicas – alta do CTI para a unidade de internação. Foi uma alegria imensa, um sentimento de realização, de emoção muito grande. Todos da unidade aplaudiram o paciente na saída. Profissionais de diferentes áreas, lado a lado, aplaudindo juntos a conquista do paciente. Essa imagem, com certeza, não vai sair da minha memória.
Termino aqui meu relato de hoje. Beijo e boa noite."