"A alimentação, as necessidades fisiológicas e o banho dos pacientes graves"
Dia 7 de maio: 22h34min
"Uma grande dúvida de todas as pessoas, especialmente dos familiares, é sobre como os pacientes que ficam sedados, em ventilação mecânica, deitados o tempo todo, se alimentam e fazem as necessidades fisiológicas.
Normalmente, a alimentação é dada por uma sonda que se coloca pelo nariz, passa pelo esôfago e vai até o estômago. A dieta é dada continuamente, através de uma bomba de infusão. Ou seja, o paciente fica recebendo a dieta direto no estômago. Às vezes, na porção inicial do intestino delgado, no duodeno. Mas, normalmente, é no estômago. Essa dieta é logo iniciada, desde que o paciente esteja clinicamente estável — normalmente, depois das primeiras 24 horas, no máximo até 48 horas, desde que o paciente é entubado e colocado em ventilação mecânica.
As necessidades fisiológicas são feitas nas fraldas ou, às vezes, utiliza-se uma sonda para controlar a urina. Coloca-se a sonda pela uretra, até a bexiga. É muito importante, para o paciente grave, que está com ventilação mecânica, às vezes com remédio para manter a pressão, que seja controlado o quanto de diurese ele tem, especialmente se há comprometimento da função renal, e mesmo não tendo.
O banho é dado quando existe essa possibilidade. Em algumas situações, o paciente não tem condições clínicas para que se mude o decúbito dele — ser colocado de lado — ou mesmo para um banho mais completo. Mas o banho também é dado no leito, com compressas úmidas, água, sabão específico. A equipe da enfermagem faz toda a higiene.
São dúvidas sempre muito frequentes. É importante ressaltar que todos esses procedimentos são feitos com critério técnico e com toda a segurança. Por exemplo, a dieta não é para o paciente engordar durante esse processo — é mais para que ele não consuma muito mais do que ele deveria, já que existem um grande consumo de massa muscular e perda de tecido gorduroso. Via de regra, em um quadro tão grave, os pacientes acabam emagrecendo bastante."
"Nenhuma nova internação de paciente com covid-19, mas não temos só notícias boas"
Dia 6 de maio: 22h33min
"Incrivelmente, na última semana, não tivemos nenhuma nova internação de paciente com covid-19. Isso é muito importante. Se olharmos para o resto do país — o Norte, o Nordeste, o Sudeste, e até para os Estados da Região Sul —, vemos que estamos em uma situação privilegiada.
Além do hospital privado, temos um serviço no Sistema Único de Saúde (SUS) que é muito bem estruturado, com, no mínimo, três hospitais muito bem preparados, com grupos de intensivistas competentes e bem treinados. Então, temos uma curva achatada pelo distanciamento social em Porto Alegre e um sistema de saúde que permite receber, com qualidade e competência, os pacientes que, eventualmente, precisarão dos nossos serviços.
Mas não temos só notícias boas. Os pacientes têm muitas complicações. Eles estão ficando muito tempo internados. Um aspecto importante é o atendimento de equipe, especialmente dentro do CTI. É essencial o atendimento multidisciplinar: médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, fonoaudiólogos. Eles estão totalmente integrados e dedicados ao cuidado. Há também a equipe de administradores, da hospedagem, da higienização, enfim, uma série de pessoas que trabalha em conjunto. Apesar de todos os nossos esforços, temos muitos momentos de dificuldades.
Quero levantar outra questão importante: os familiares. Eles têm se demonstrado carinhosos, confiantes na equipe, apesar de toda a angústia, de todo o sofrimento e de toda a expectativa em relação à evolução dos pacientes. Quando eles nos trazem um docinho, um bolo, estão demonstrando todo esse afeto, toda essa confiança e todo esse carinho. Já que não podemos trocar abraços, um aperto de mãos ou segurar na mão para acalmar, para conversar com mais proximidade, a forma doce com que eles se manifestam conosco é por meio desses presentes que tanto nos agradam e nos fazem sorrir. Isso é muito importante."
"Atingimos nosso objetivo: permitir que a pessoa volte a ser o que era"
Dia 4 de maio: 22h47min
"Nós já conhecemos os efeitos do coronavírus no organismo. O que não era tão claro eram os efeitos emocionais e afetivos que essa doença têm trazido para todos. Hoje, quando cheguei à porta do boxe de um paciente — a porta é de vidro, eu sempre interajo quando o paciente está acordado —, ele estava sentado na poltrona, respirando sozinho, em um teste fora do respirador, muito lúcido. Abanei, abri os abraços:
— E aí? Tudo bem? Bom dia!
Ele me olhou, fez sinal afirmativo com a cabeça — como ele está traqueostomizado, a voz não sai ainda. Entendi, pelo movimento dos lábios, que ele disse: "Entra aí". Me chamou a atenção uma necessidade bem clara de conversa, de trocar afeto, de a gente se aproximar bem mais. E eu iria, de fato, entrar.
Com outro paciente, fiz a mesma coisa. Daqui a 24 ou 48 horas, ele estará fora do CTI. Ele fez sinal, me chamando com a mão. Quando entrei, perguntei se estava tudo bem. Na verdade, ele queria conversar, mais do que responder se estava com dor, com falta de ar, com fome. Tivemos uma conversa bem longa, de uns 30 minutos. Ele falou de coisas pessoais, algumas angústias, uma tristeza, saudades da família, com a necessidade muito premente de ter alta do CTI.
Isso, de certa forma, é muito bom para nós. É bom quando um paciente tão fragilizado e em estado tão grave chega ao ponto em que tem vontade de sair daquele ambiente que parece tão seguro para ele. Isso significa que nós cumprimos nosso papel e que chegou o momento de ele voltar para o quarto, embora ainda um pouco fragilizado.
Mais tarde, uma técnica me disse:
— Tem alguém ali esperando, na recepção, para falar contigo.
Era a esposa de um paciente que tinha recebido alta ontem. Ela falou:
— Eu queria muito vir aqui agradecer a ti, em nome da equipe.
Foi um encontro emocionante, com uma pessoa que estava emocionada, e eu também fiquei muito emocionada. Ela disse que nós tínhamos feito o impossível pelo esposo dela. Ele esteve em estado realmente muito grave, com comprometimento muscular muito importante. Foi um paciente que custou um pouco para acordar da sedação, causando bastante preocupação em todos — imagino que especialmente na família, que, mesmo entendendo o que nós estamos explicando, tem o medo de que a pessoa não volte ao seu normal, ao que ela era antes. Ela disse que nós tínhamos feito o impossível.
Ela também queria agradecer a um colega que tinha entubado o esposo dela. Pedi que ela esperasse um pouquinho porque eu iria chamá-lo, e ela poderia dizer isso pessoalmente. Quando o chamei, não disse o que era:
— Vem aqui, por favor, que tem uma pessoa que quer falar contigo.
Nós três ali: eu, meu colega e ela. Foi um encontro muito emocionante. Esse é um momento de total identificação com os nossos valores e aquilo que a gente está fazendo. O maior agradecimento é a lembrança positiva que as famílias e os pacientes terão de um momento tão difícil, mas um momento que, ao mesmo tempo, traz proximidade, carinho e um reconhecimento de olhares que estavam emocionados, mas muito felizes, por termos atingido o objetivo: permitir à pessoa voltar a ser o que ela era. Para todos nós, é uma emoção indescritível."
"De banho tomado e cabelo penteado, paciente recebeu visita virtual da família"
Dia 3 de maio: 22h43min
"Na sexta-feira (1º), um paciente apresentou uma alteração clínica bem significativa. Ele estava indo bem até então. De sexta para sábado, a situação ficou bem preocupante e nos exigiu uma tomada de decisões quanto aos exames que solicitamos.
Hoje de manhã, quando cheguei ao CTI, ele estava muito bem. Clinicamente estável, tudo muito tranquilo. Ele já estava sentado — a cama vira uma poltrona —, de banho tomado e cabelo penteado. Fizemos uma chamada de vídeo com a família dele — os dois filhos e a esposa. Ele bem lúcido, tentando se comunicar. Claro que não conseguia falar porque está com traqueostomia, mas estava respirando sem o respirador, só com oxigênio. A filha tinha me mandado uma mensagem, no sábado, dizendo que tinha lido o meu relato daquele paciente cuja filha tinha dito que queria voltar a ver os olhos azuis do pai (publicado nesta página em 29 de abril). Essa familiar então me disse:
— Tomara que eu também consiga ver os olhos azuis do meu pai de novo.
Durante a nossa chamada, falei que o que ela tinha me solicitado no dia anterior estava se realizando. Foi muito emocionante. Esse paciente já esteve em estado muito grave. Esperamos que não tenha mais nenhuma intercorrência.
Tivemos uma outra grande alegria: uma paciente que esteve em ventilação mecânica, com traqueostomia — eu já tinha feito uma referência a ele aqui, sobre a prancha ortostática (depoimento publicado no dia 28 de abril) —, teve alta hoje do CTI. Estava muito bem, falando, bem lúcido e tranquilo. A família também ficou muito feliz.
Nós também estamos muito felizes com a possibilidade de ajudar esses pacientes nessa retomada da vida deles, na retomada da saúde. Cada pequeno sucesso é um grande sucesso para todos nós."
"Um paciente que esteve em estado muito grave respirou sozinho pela primeira vez"
Dia 30 de abril: 23h20min
"A retirada do paciente da ventilação mecânica se faz através de um processo que se chama desmame. A partir do momento em que o motivo pelo qual o paciente foi entubado e colocado no ventilador já está praticamente resolvido, começa-se um processo gradual de retirada do suporte que esse aparelho está dando para o paciente respirar.
Inicialmente, ele fica sedado, totalmente entregue ao respirador — ou seja, o respirador, ajustado pelo médico intensivista, faz toda a parte da ventilação de que o paciente precisa. O número de vezes que ele respira e a quantidade de ar que ele respira são dados pela máquina.
Quando vemos que o quadro clínico está estável, começamos a diminuir a sedação e a mudar o parâmetro do respirador, que é colocado em um modo de ventilação em que o paciente passa a puxar a respiração — o estímulo é dele, e a máquina só ajuda. Até o momento em que nós conseguimos desconectar o respirador. Normalmente, para esse processo, o paciente está acordado, é capaz de entender e de colaborar.
Hoje, pela primeira vez, um dos nossos pacientes respirou sozinho, sem a ajuda do aparelho. Claro que tivemos outros pacientes que já estão desconectados do respirador, mas, para esse paciente, foi um momento importante. Ele esteve em estado muito grave, inclusive passou por algumas complicações decorrentes da covid-19. Respirar é um ato básico, nem nos damos conta, e é um aspecto fundamental da nossa sobrevivência. Respirar significa que conseguimos ganhar oxigênio, importante para todas as células do organismo.
O processo de desmame, nesses casos, é feito progressivamente. A cada turno, hoje, ele respirou sozinho durante uma hora. Amanhã, vamos aumentando esse tempo. É um grande exercício para o paciente. Precisa-se, além do estímulo do sistema nervoso central — que é automático, a gente não pensa que está inspirando ou expirando —, da musculatura respiratória, da capacidade pulmonar, da capacidade cardiológica. É um processo bastante complexo, embora pareça bem simples. É como se ele estivesse em uma academia — está treinando a musculatura respiratória de novo.
Foi um momento importante para o paciente e para a família, que ficou bastante emocionada. Hoje, respirar sozinho, para ele, foi um passo muito importante para que consiga, definitivamente, desconectar-se dessa máquina e de toda a estrutura do CTI. E para que possa ter alta para o quarto, com um convívio mais tranquilo com a família dele, antes da alta hospitalar."
"'Eu tinha que olhar os olhos azuis do meu pai de novo', disse a filha do paciente"
Dia 29 de abril: 22h06min
"Hoje, uma das filhas de um paciente foi visitá-lo pela primeira vez. Ele está acordando, saindo do respirador. Esse acordar, quando suspendemos a sedação, não é imediato. Primeiro, suspendemos a sedação (remédio para dormir) e a analgesia (remédio para tirar a dor). É como nós quando acordamos. Lentamente, ele começa a abrir os olhos ou a tentar se mexer. Muitas vezes, os pacientes ficam por dias ainda com o que se chama de sedação residual. Ou seja, nós suspendemos a infusão contínua da droga, mas o paciente ainda fica metabolizando o remédio, que vai sendo liberado lentamente de alguns tecidos do organismo.
Eles começam, depois, a abrir os olhos aos estímulos, ao chamado. Esse despertar pode ser angustiante para a família, que pensa que é só suspender a sedação e o paciente vai acordar, como a gente vê nas novelas ou nos filmes. Mas não é assim. O paciente vai tendo, lentamente, a percepção do que está acontecendo. Ele começa a entender o examinador, a acompanhar com o olhar. Obedece a alguns comandos simples, como apertar a mão, soltar a mão, abrir bem a boca, fechar a boca. Os familiares, às vezes, imaginam que vai ser muito rápido, e não é.
Conversei com essa filha que estava visitando o pai. Quando terminou a visita, ela passou por mim.
— E aí? Foi tudo bem? — perguntei.
Vi, pelo olhar dela, que estava angustiada. Ela se emocionou, como já tinha se emocionado antes.
— O que houve? Tu não ficaste feliz? — questionei.
Ela disse:
— Eu fiquei, mas ele está muito magro.
Ele olhou para ela, tentou se comunicar, o que é muito bom. Ela me disse uma coisa muito impactante:
— Eu tinha que olhar os olhos azuis do meu pai de novo.
Acrescentei:
— Não só olhaste como vais continuar olhando porque ele está indo muito bem.
O neto desse paciente está contando com a volta do avô para casa. O menino escreveu uma mensagem muito linda para nós, que está na porta do boxe do avô. A mãe do menino (filha do paciente) perguntou por que ele havia desenhado um super-herói sem capa.
— Mãe, nem todos os super-heróis usam capas — ele explicou.
Como já falei, nós não nos consideramos super-heróis. Mas esse neto pode ter quase a certeza de que vai conseguir conviver com o avô, e essa filha, não só a de olhar os olhos azuis do pai no boxe, mas, se Deus quiser, ele vai voltar para casa, e eles ainda vão se olhar por muitos e muitos dias. Os olhos azuis dele e os olhos verdes dela.
"O sorriso dele se vendo em pé, nos olhando na mesma altura, foi muito significativo"
Dia 28 de abril: 21h54min
"Nos últimos três dias, não tivemos internações de novos pacientes com covid-19 no nosso CTI. O que parece claro, mais uma vez, é a importância do isolamento social, em especial se nos compararmos com alguns Estados do Brasil. Isso demonstra também a nossa capacidade de conseguir ter leitos para atender esses pacientes e tempo suficiente para atendê-los de forma adequada.
A maioria dos nossos pacientes está evoluindo bem. Parece que tenho me repetido nessa frase, mas é nítido que esses pacientes precisam de muito mais do que 15 dias para se recuperar. São 20, 25, 30 dias. A maioria está acordada. Alguns já estão bem acordados, em um processo franco de saída da ventilação mecânica, ficando a maior parte do tempo fora do respirador.
Hoje, um dos pacientes já ficou em pé, utilizando uma prancha ortostática — é como se fosse uma maca, em que deixamos o paciente contido (por tiras de lona com velcro), de forma confortável. Progressivamente, vamos elevando essa prancha até que ele consiga ficar em pé. Ele ainda não tem força para se sustentar no peso do próprio corpo, por isso o uso da prancha. O sorriso dele para nós, se vendo em pé, nos olhando na mesma altura do olhar, foi muito significativo. Um ato simples, como ficar em pé, foi uma grande conquista. É um paciente que está se recuperando também muito bem."
"Cortamos o cabelo, homens tiraram barba e bigode"
"A grande maioria de nós, que trabalhamos na assistência direta aos casos de covid-19, cortou o cabelo. Os homens tiraram a barba e o bigode. Isso tudo para diminuir a chance de se contaminar, especialmente dentro do hospital, na colocação e na retirada dos equipamentos de proteção individual (EPIs). São pequenas atitudes que impactam todo mundo. Impactam os pacientes, impactam a equipe de saúde, impactam os familiares.
Ficar em casa sistematicamente, isolado — aqueles que podem —, também impacta. Daria para resumir que é uma doença impactante. Ela é impactante na devastação que pode causar, mas também é impactante quando se consegue ter um desfecho bom com o paciente voltando para a família, para a sua vida. E que todo esse nosso esforço tenha também um impacto importante na diminuição de casos, especialmente no nosso Estado."
"Paciente levantou os braços como quem diz 'graças a Deus'"
Dia 23 de abril: 23h13min
"A maioria dos nossos pacientes segue melhorando, acordando, sem a sedação e a analgesia contínuas, tentando se comunicar, se conectar, obedecendo a ordens, pedindo água. Especificamente com um deles, conversei sobre a família, que conheço. Falei no nome da esposa, no nome do filho. Ele levantou os braços como quem diz 'graças a Deus'.
Claro que ainda existem aqueles casos mais graves e ainda um pouco mais complicados.
Nesse contexto, tenho conversado muito com os familiares e tenho observado, mesmo fora do hospital, como as pessoas estão utilizando a máscara. A máscara é necessária para uma proteção coletiva. Se tenho o vírus e estou falando com alguém, eu protejo essa pessoa, assim como essa pessoa também não estará me contaminando.
É importante termos cuidados muito simples com a máscara. Quando a coloco, não devo ficar encostando nela, especialmente se eu tocar no olho, no nariz ou perto da boca. Não se deve tirar a máscara, colocá-la no pescoço ou pendurada na orelha. A minha mão também pode estar contaminada, não só do meu próprio rosto como de alguma superfície ou de alguma coisa que toquei e tinha o vírus.
As pessoas têm que entender que, ao colocar a máscara, ela deve ficar no rosto, sem que mexamos nela. Devemos tirá-la para higienizar, lavar, guardar, passar a ferro. A máscara é fundamental para a proteção coletiva, mas ela não pode nos dar a falsa sensação de que estamos totalmente protegidos só por estarmos com ela. Temos que usá-la de forma adequada.
E não podemos esquecer: a nossa mão pode estar contaminada."
"Fico online 24 horas por dia, sete dias por semana. O descanso não existe"
Dia 23 de abril: 0h07min
"A minha rotina mudou bastante desde que nós começamos o planejamento de todos os protocolos assistenciais dos pacientes com coronavírus, em fevereiro. Eram reuniões diárias sobre as peculiaridades do atendimento, principalmente os cuidados em relação à contaminação, tanto do ambiente quanto das equipes.
Como eu já tinha falado antes, o isolamento de contato não é uma novidade para nós, mas essa doença exige uma série de cuidados que precisamos protocolar e treinar. Esses treinamentos foram feitos em torno de 30 dias antes de chegar o primeiro paciente. Eram treinamentos diários, com várias equipes, incluindo sábado e domingo — nós íamos para o hospital não só para nos reunirmos e discutirmos, mas também para o treinamento das equipes.
Outra questão que mudou bastante, para todos nós, foi a do cuidado com a roupa pessoal. Eu vou para o hospital com a minha roupa normal, mas levo a minha roupa de trabalho (tipo traje de bloco cirúrgico, uma calça e uma blusa específicas) para usar lá dentro. Depois de trabalhar, tiro essa roupa e a trago para casa para lavar.
Outro aspecto importante é em relação ao meu celular. Normalmente, eu ficava sempre com meu celular ligado, mas não online. Hoje eu fico online 24 horas por dia, sete dias por semana. As demandas são todas feitas por WhatsApp, na maioria das vezes. Raramente, alguém liga. Como coordeno um grupo de colegas, me sinto na obrigação de estar sempre disponível caso eles precisem de algum apoio.
Depois das 7h, fica praticamente impossível fazer qualquer coisa sem que entrem mensagens. Mensagens durante toda a madrugada... Acordo várias vezes. Às vezes, são mensagens de coisas comuns, do dia a dia. Chegam trocas de artigos, informações de outros locais. Isso mexe bastante com a gente. A demanda é muito grande.
O descanso, na verdade, não existe. É difícil ler um livro ou assistir a alguma coisa na TV sem que eu fique olhando se entrou ou não uma mensagem ou se acendeu a luz da tela do celular, mas isso faz parte de todo esse processo. A vigilância, o cuidado, a disponibilidade são uma marca de quem cuida dos pacientes com a covid-19."
"Exame negativo não significa que o paciente não tenha sequelas do vírus"
Dia 21 de abril: 22h47min
"Alguns dos nossos pacientes do CTI estão internados há praticamente 30 dias, sem considerar o período em que ficaram na Enfermaria. Estamos coletando novos exames para detectar ou não a presença do coronavírus. Isso gera uma ansiedade muito grande nos familiares, na esperança de que os pacientes não tenham mais o vírus — assim, eles poderiam sair do isolamento a que estão submetidos.
Alguns pacientes ainda permanecem com o vírus. Mesmo naqueles que não têm mais o vírus detectado, o organismo sofreu uma lesão muito grande, um processo inflamatório muito grande, com várias consequências. O fato de o PCR (exame) estar negativo não significa que eles ainda não permaneçam com as sequelas que o vírus causou, como fraqueza muscular e infecções, por exemplo.
Mas isso já nos dá outra forma de trabalhar. Alguns poderão ser transferidos para outro setor do CTI, que segue com todos os cuidados, inclusive com a política de isolamento. Isso alivia um pouco a família. Os familiares esperam muito por esses exames e pela notícia de que o paciente não tenha mais o vírus detectado pelo exame."
"Usar EPIs machuca o rosto, é cansativo, muito desgastante"
Dia 20 de abril: 23h42min
"Hoje nós demos alta para mais uma paciente que esteve em ventilação mecânica. Foi a primeira paciente que nós extubamos (retiramos do respirador artificial). É uma alegria indescritível, especialmente para a paciente. Eu fazia coraçãozinho para ela pela porta de vidro do boxe, e ela tentava fazer coraçãozinho para mim também. Uma querida! As filhas acompanharam tudo com angústia e apreensão.
Por muitas vezes, acho que um dos principais papéis que eu acabo exercendo com essas pessoas é o de apoio para a família, para que entendam como essa condição, provocada pelo vírus, é tão difícil, tão delicada e tão prolongada.
Essas duas filhas ficavam muito angustiadas de ver a mãe naquela condição. Hoje elas puderam ter a certeza de que nós estávamos explicando o que era correto, o que era verdadeiro. Hoje também foi um dia difícil para outros familiares. Alguns pacientes que estavam indo muito bem estão com dificuldades. Alguns não estão melhorando significativamente, mas também não estão piorando — um quadro estacionado, como a gente chama. Um e outro com alguma pequena piora, alguma infecção associada.
Fiquei dentro do boxe, com outro colega médico intensivista e uma técnica de enfermagem, que é uma querida. Ficamos lá atendendo um paciente, fazendo procedimentos, por mais de uma hora. É nítido o desgaste que dá pela presença dos equipamentos de proteção individual (EPIs). Machucam o rosto, ficamos com calor, é cansativo, temos que cuidar para não tocar em nada, na roupa, cuidar o tempo todo. Isso que é muito desgastante.
Depois, quando vemos o paciente tendo alta, quando vemos a família ficando feliz e o paciente muito feliz, nos damos conta de que todo esse trabalho tem isso por objetivo. E hoje nós ali, dois médicos e uma técnica de enfermagem, em um trabalho de cooperação, ajudando em todos os aspectos. Isso demonstra a importância do trabalho em equipe para atingir o nosso objetivo."
"Um paciente acordou e já soube que o neto nasceu"
Dia 19 de abril: 22h55min
"O final de semana no CTI foi muito bom e calmo. Extubamos (desconectamos do respirador) mais três pacientes. Não tivemos casos novos com diagnóstico confirmado de pacientes graves com covid-19, o que, na nossa interpretação, demonstra claramente a importância do distanciamento social na contenção da progressão dessa doença.
Alguns pacientes começaram a acordar. Um em especial, que foi o nosso primeiro paciente mais grave, acordou, está se reconectando com a vida, já sabe que o neto nasceu no meio da semana. Ele tem as fotos do bebê no boxe. Já sorriu para a família. Isso é muito importante para todo mundo: para os familiares, para o paciente — que está trocando afeto —, para nós.
Hoje tivemos a alta, do CTI, da nossa primeira paciente entre todos os que estiveram em ventilação mecânica. Ela foi extubada na quarta-feira. Foi um momento de total emoção para toda a equipe. Uma vitória para ela, uma vitória para a família, uma vitória para nós. Não tem explicação o sentimento de alegria, a emoção que a gente teve quando essa paciente teve alta. Saiu nos abanando, a família feliz, chorando. Não tem o que falar para expressar o que a gente sentiu."
"Tive uma conversa dura com minha tia de 84 anos"
"Liguei para a minha tia, que mora em Porto Alegre. Considero-a uma segunda mãe, vai fazer 84 anos em junho. No início de toda essa confusão, na metade de março, tive uma conversa dura com ela sobre não sair de casa. Ela sempre contra-argumentava: 'Mas e o lixo? O que eu faço com o lixo?'. 'O lixo tu colocas no elevador que o porteiro pega.' 'Mas e os meus remédios na farmácia? Tenho que ir, tenho que assinar (a receita)?'. E eu contra-argumentava com ela. Até que ela falou: 'Mas e quando chegar a vacina da gripe? Vai todo mundo se vacinar. Eu vou poder sair para me vacinar?'. Eu disse que não. Tive que ser bastante dura, dizer que o que eu poderia fazer por ela naquele momento, fora do hospital, era aconselhar.
Hoje ela disse de novo: 'Pois é, eu tô aqui, não saí mais'. Eu disse: 'É assim mesmo que tu deves fazer!'. Ela brincou comigo: 'Sim, mamãe!'. Eu gosto muito dela, nos damos muito bem. Por amá-la, falei que ela tem que ficar em casa e que estou à total disposição para ajudar no que ela precisar. Mas ela sempre recorre aos amigos e a alguns funcionários do prédio porque acha que estou trabalhando demais e não quer me incomodar.
Ela está consciente. Foi uma conversa dura, difícil. Ela é uma pessoa muito inteligente, muito lúcida. E, como qualquer pessoa dessa idade que tem a sua autonomia, ela teve certa dificuldade de entender. Mas como ela assiste muito a todos os noticiários, é uma pessoa muito bem informada, se deu conta de que a situação é difícil. Ela disse: 'Eu tô quietinha em casa. Só se ele (coronavírus) entrar pela janela!'. Minha tia mora no 10º andar. Ela brinca comigo, e eu fico bem feliz de vê-la feliz.
Apesar de todo o isolamento, de toda a angústia, de todo o medo que todo mundo tem, de todo o trabalho que nós estamos tendo, terminou um domingo feliz, e esperamos que a semana continue assim — com notícias que, às vezes, podem não ser muito boas, mas que nós comecemos a ter, cada vez mais, notícias boas."
"Não estamos doentes, mas também sentimos tristeza, medo, insegurança"
Dia 16 de abril: 21h45min
"Hoje nós tivemos uma manhã tranquila. Por volta do meio-dia, consegui andar por todo o CTI, nos outros setores onde não temos pacientes com covid-19. Na sala onde nos encontramos, tomamos café, almoçamos, conversamos, a porta estava fechada. Bati e, quando abri, tinha duas colegas sentadas, uma delas chorando muito, e a outra segurando a mão dela. As duas são mães — a que estava chorando muito é mãe de duas filhas, e a outra, de um menino e de uma menina. Perguntei se estava atrapalhando, embora sejamos amigas. Elas me disseram para sentar. Me coloquei à disposição e perguntei se poderia ajudar de alguma forma. Não queria ser invasiva, mas me senti na necessidade de perguntar o que estava acontecendo.
Ela me explicou. Eu já sabia. Há mais ou menos um mês, ela e o marido, que também é intensivista, decidiram que as filhas fossem ficar com a tia. Nós achávamos que teríamos um movimento muito grande de pacientes, que teríamos que trabalhar além do que já estávamos acostumados, até com escala dupla ou tripla, e pelo risco de contaminação por ficar com as crianças em casa.
Ela disse que esta semana estava muito difícil. Além da ausência das filhas, às vezes, ela fica em casa sozinha quando o marido está trabalhando — é mais uma demonstração de isolamento social, o isolamento afetivo. O casal estava repensando o que fazer, haja vista que o nosso pico da curva não está sendo muito grande, o isolamento social está cumprindo o papel a que se propõe. Aquilo realmente mexeu com nós três.
O que dizer? Trazer as filhas e se aproximar afetivamente mas, daqui a pouco, ter que trabalhar muito? Foi um momento do dia que mostrou a nossa fragilidade. Temos isso também. Somos profissionais, estamos ali preparados, prontos, dispostos, disponíveis, com competência, com treinamento, mas foi muito difícil. Tentei me colocar no lugar dela. A outra colega está com os filhos em casa — são decisões muito individuais. Só para demonstrar como realmente tem aspectos sociais e afetivos que permeiam não só os pacientes, não só os familiares, mas toda a equipe que trabalha. Atingiu todo mundo.
Nós não estamos doentes, mas também sentimos a questão afetiva, a questão emocional, a tristeza, o medo, a insegurança. Inclusive, com nossos familiares, especialmente com os filhos. Embora a gente possa sair para trabalhar — e deve sair para trabalhar —, encontre os colegas, converse, temos as nossas dificuldades emocionais também. Por isso, as manifestações de carinho, por menores que sejam, são tão significativas para nós também. Não que nós sejamos heróis. Nós não somos heróis, somos profissionais que encaram com a maior competência e a maior seriedade o papel que nos dispomos a exercer, e também com carinho."
"Tiramos o respirador de duas pacientes. Foi uma grande vitória"
Dia 15 de abril: 22h41min
"Todos esses dias têm sido muito especiais por todos os aspectos, desde o início dessa trajetória no atendimento dos pacientes com covid-19. Mas hoje foi um dia muito importante. Extubamos duas pacientes. O que significa isso? Tiramos o tubo de duas pacientes que estavam em ventilação mecânica. Portanto, elas começaram a respirar sozinhas. Foi uma grande vitória, uma grande alegria para toda a equipe. Comemoramos com as pacientes, ficamos muito felizes.
Um outro paciente começou a acordar, aquele paciente que foi o primeiro a fazer a traqueostomia, está começando a interagir com a equipe. Os familiares ainda não conseguem interagir com ele, só tem um familiar que visita, e é uma visita que fica ainda fora do boxe, por todas as questões de segurança.
Também recebemos uma homenagem hoje de alpinistas, que, do lado de fora do hospital, nos mostraram cartazes de 'muito obrigado'. Foi uma situação muito emocionante, junto com a comemoração dessas melhoras dos pacientes. É indescritível. É o momento do nosso trabalho que não tem preço. Isso nos enche de alegria — não de ver as pessoas doentes, mas de ver que nós contribuímos, toda a equipe multidisciplinar, para que esses pacientes possam melhorar e voltar ao convívio da família.
Enfim, foi um dia muito positivo, um dia que nos deu uma carga maior de energia e de ânimo. Estamos todos muito felizes. Apesar de todo o cansaço, de toda a angústia, de toda a apreensão, nós estamos, hoje, renovados, com aquela esperança de que possamos ajudar, da melhor forma possível, essas pessoas que ficam doentes e que gostariam muito que nós não perdêssemos essa força. Nós não vamos perder. Podemos ter altos e baixos, como qualquer outra pessoa. Somos profissionais, mas somos seres humanos. Definitivamente, hoje foi um bom dia. Estamos no caminho certo."
O que fazer quando o período de entubação do paciente se prolonga
Dia 14 de abril: 19h58min
"Como eu havia falado anteriormente, nós estamos com pacientes bem graves — 90% deles em ventilação mecânica. Embora nem todos sejam idosos — temos pacientes mais jovens —, normalmente, quando o paciente tem, em média, 20 dias de ventilação mecânica e se tem uma previsão de que a saída do respirador seja um pouco mais demorada, com fatores que possam retardar essa saída (chamada de "desmame" da ventilação mecânica), nós então indicamos traqueostomia.
A traqueostomia é um procedimento realizado dentro do CTI, no próprio boxe do paciente. Faz-se uma pequena incisão, uma abertura na traqueia, para que se coloque diretamente ali um tubinho, um caninho, que é menor do que aquele tubo que o paciente tinha na boca.
O procedimento de entubação é feito pelo intensivista. A traqueostomia até pode ser feita pelo intensivista, mas, normalmente, é feita por uma equipe de cirurgia torácica. O paciente fica sedado, com analgesia e bloqueador neuromuscular. É uma espécie de anestesia. É um procedimento relativamente simples, mas, por se tratar de um procedimento, sempre se pede o consentimento informado da família.
No nosso dia a dia, quando propomos e indicamos a traqueostomia, normalmente os familiares ficam um pouco resistentes, querem entender melhor. Explicamos a necessidade da indicação. O que temos visto agora com esses pacientes da covid-19, por ser um tempo arrastado de ventilação mecânica — e os familiares estão observando a dificuldade de evolução —, é que há menos resistência. Eles normalmente têm entendido e ficam até bastante esperançosos porque esse é o primeiro passo para que se facilite a saída desses pacientes do ventilador.
Realmente, hoje foi um dia bom nesse sentido. Alguns pacientes estão começando a acordar. O paciente em quem fizemos a traqueostomia ontem começou a abrir os olhos, a se mexer. Talvez a gente consiga tirá-lo mais rápido do respirador agora, vamos ver. Foi feita uma traqueostomia hoje, amanhã faremos mais duas.
Então, já estamos em uma fase em que os pacientes, apesar de graves, estão se mantendo estáveis e com uma chance muito grande de que a gente consiga tirá-los do respirador, que é um passo muito importante nessa caminhada toda do doente frente a essa doença que é tão grave. Estamos muito esperançosos. Hoje foi um dia um tanto mais tranquilo."
"Trocamos muitos olhares"
Dia 13 de abril: 23h22min
"Nesses últimos quatro dias, desde a Sexta-Feira Santa até hoje, o número de internações se manteve estável, demonstrando claramente a importância do isolamento social. Mas, dos pacientes que estão no CTI, 90% deles estão em ventilação mecânica. Obviamente, é do nosso dia a dia termos pacientes em ventilação mecânica, mas não é comum, em um determinado setor do CTI, com a mesma doença, 90% deles estarem em ventilação mecânica. Isso é a demonstração clara, inequívoca, de que são pacientes muitos graves. Alguns já estiveram muito próximos de sair desses respiradores, mas, pela instabilidade e pela gravidade da doença, eles não conseguiram.
A equipe está muito afinada, muito treinada, todos nós nos entendemos muito bem, temos todos os processos muito alinhados, mas se entende claramente a importância da paciência, do cuidado e da monitorização desses pacientes neste momento.
Agora existe um aspecto muito importante entre todos, a equipe que trata e os familiares: o aspecto emocional. São claramente demonstradas pelas famílias a apreensão, a incerteza, a insegurança, o medo, porque são pacientes que ainda não conseguiram evoluir satisfatoriamente. Algumas notícias são boas na televisão, no jornal. Tem vários pacientes que saíram. Mas os mais graves, realmente, têm um quadro mais arrastado, mais instável, que exige muita paciência, muito conhecimento e muito cuidado.
Nas conversas que tenho tido com os familiares, são demonstrados o carinho, a confiança que eles têm na equipe. Eles também se sentem acolhidos para chorar.
Neste momento, a sensação que eu tenho, como médica e como ser humano, é a da necessidade da troca de confiança e de muita força, fé e esperança de que o melhor está sendo feito, e a gente espera que esses pacientes melhorem. Com vários familiares, a conversa tem sido muito positiva. Eles nos passam muitas coisas boas.
Por outro lado, também é o nosso papel, como médicos, fazer com que eles caminhem no mesmo caminho que nós. Temos confiança no nosso trabalho, em toda a equipe, sabemos que temos muito a oferecer de bom cuidado e bom tratamento, mas eles têm que caminhar no mesmo caminho que nós. É um caminho ainda de muita paciência, de uma doença muito delicada e muito incerta no seu desfecho. O carinho e a confiança dos familiares são importantes para a equipe.
Como eu já tinha falado antes, trocamos muitos olhares. Mesmo no olhar do familiar que chora, porque eles choram, não existe o choro do desespero ou o choro da desconfiança. Existe o choro da emoção de alguém que está ali entregando o seu familiar para o cuidado de uma equipe que eles desconheciam até então — e eles continuam praticamente nos desconhecendo porque eles não conhecem os nossos rostos. Eles veem uma ou outra foto de alguém, mas não conhecem os nossos rostos.
Nosso próximo passo é seguirmos firmes para que eles consigam suplantar essa fase tão difícil, mas que não é impossível. Vamos dar tempo ao tempo e ver como esses pacientes vão reagir a todo esse processo, que é um tanto devastador para o organismo, mas não pode ser para a nossa alma. Temos que seguir firmes, com pensamento positivo, atitudes positivas e profissionalismo. Em uma situação de isolamento social, não podemos ficar com isolamento afetivo."
"É uma doença com muitos altos e baixos, o paciente fica muito instável"
Dia 10 de abril: 9h22min
"Essa noite foi particularmente muito difícil. Alguns pacientes complicaram. É uma doença muito difícil, que exige não só cuidado e paciência. Nós precisamos estar muito atentos.
É uma doença com muitos altos e baixos, o paciente fica muito instável, mesmo depois que o pulmão melhora. Outros órgãos acabam sofrendo. Tem um processo inflamatório muito importante em virtude da presença do vírus. Por isso que eles são pacientes tão graves.
Eles melhoram, mas não é uma melhora consistente. Eu até iria mais tarde para o hospital hoje, mas já estou me preparando para sair."
"Equipamentos de proteção machucam a pele e geram desgaste maior"
Dia 9 de abril: 23h57min
"A partir do momento em que o paciente tem uma suspeita de estar com covid-19, e até que ele tenha sido confirmado com a doença, esse paciente precisa ser tratado com uma série de cuidados, e ele precisa ter o próprio cuidado.
Quando ele vai para um Centro de Tratamento Intensivo (CTI), a equipe que trata dele tem que usar equipamentos de proteção individual (EPIs) específicos para essa condição. Não que nós não os usemos em outras situações de isolamento. Usamos. Mas, especificamente para o paciente com o coronavírus, é um cuidado muito mais delicado e muito mais difícil.
Colocar os EPIs exige técnica, sempre com a higienização adequada das mãos. Esse equipamento — a máscara, o protetor facial, a touca, o avental, o sapato especial, as luvas — machuca, é difícil, porque nós não podemos tirá-lo também de qualquer jeito. Existe uma técnica para retirá-lo. E o momento da retirada é delicado, quando pode haver um risco maior de contaminação.
Então, normalmente, esse equipamento é colocado e permanece com o profissional por muito tempo. A retirada da máscara não é uma retirada comum — não se pode retirar a máscara e ir a um setor específico, tomar um café, tomar uma água e voltar. Ficamos muitas horas com esses EPIs. Isso gera um desgaste maior, um cansaço maior, lesões de pele. E isso traz também uma carga emocional e de trabalho adicional no cuidado desses pacientes.
É importante ressaltar e volto a dizer: os cuidados de proteção, os cuidados de isolamento, são muito comuns nos CTIs, mas, especificamente, o cuidado do paciente com covid-19 é muito maior e muito mais específico."
O que significa estar sedado e entubado
Dia 8 de abril: 23h10min
"Demos alta para uma paciente que tinha internado com quadro respiratório. Não se confirmou o coronavírus, ela estava estável e foi para o quarto. Um paciente veio na noite anterior, estava com um pouquinho mais de falta de ar, a oxigenação do sangue um pouco baixa. Ele passou bem a noite, recebeu apenas oxigênio, e hoje de manhã estava se sentindo bem melhor, se alimentando, conversando. E a maioria dos nossos pacientes ainda está entubada e em ventilação mecânica.
Estar entubado e em ventilação mecânica significa que tem uma espécie de um tubo na traqueia, conectado a um aparelho, que se chama respirador ou ventilador mecânico. Esse aparelho é capaz de jogar ar dentro dos pulmões do paciente para que sejam feitas as trocas gasosas, em uma situação em que o pulmão não está pronto para fazer isso sozinho, através da respiração. Para que isso seja feito de forma mais confortável, o paciente recebe um remédio para ficar dormindo, que se chama sedativo — por isso dizemos que está sedado —, e junto com esse remédio damos um outro, que é o analgésico, para tirar a dor. Então, o paciente fica recebendo sedativo e analgésicos, na veia, e em infusão contínua — por 24, 48, 72 horas, enquanto ele estiver no respirador.
A partir do momento em que, clinicamente, ele estiver estável, nós começamos a diminuir esses remédios. Tem um momento em que suspendemos a sedação, às vezes mantemos só o remédio para a dor, e ele começa a acordar. Às vezes, demora um pouco para acordar, não é de uma hora para a outra — não é só suspender a infusão e ele vai acordar. Aí começamos o processo de retirada do respirador. Para isso, o paciente tem que estar clinicamente estável, ou seja, a doença já deve estar melhor e controlada.
Durante todo esse período em que ele está conectado ao respirador, ele normalmente recebe alimentação através de um tubo, um caninho, que é uma sonda. A sonda é colocada no nariz e vai até o estômago. Ele recebe a dieta também de forma contínua porque precisa dos nutrientes para suportar todo esse período que é bastante desgastante para o organismo.
Esse é um processo lento nos pacientes com coronavírus. Isso, às vezes, angustia um pouco a família porque parece que está demorando demais, mas é um processo que precisa de tempo — tempo e paciência. Não é à toa que, quando alguém fica doente, chamamos ele de paciente — ele precisa ter paciência e a família também, para que o organismo se recupere de uma doença que, às vezes, é realmente muito devastadora, como é o caso da covid-19."
"Recebemos salgados e doces de duas famílias de pacientes internados"
Dia 7 de abril: 22h48min
"O dia até começou de uma forma muito convencional, exceto por dois aspectos. Pela primeira vez, tínhamos a ala com 17 leitos lotada. E o segundo é que eu, em nome da equipe, recebi salgados de uma família e doces de outra família, de dois pacientes diferentes lá do CTI.
É uma manifestação de carinho que, de certa forma, já tinha se perdido nos últimos tempos, talvez pela distância das famílias com os médicos. Não a distância dos médicos assistentes, mas dos médicos que ficam ali, à beira do leito, num centro de tratamento intensivo. Os familiares estão vivenciando o nosso dia a dia, a nossa presença, nos conhecem. Apesar das máscaras, das proteções no rosto, eles nos olham nos olhos, trocam as angústias, entendem o nosso trabalho. Isso foi muito gratificante, e toda a equipe recebeu com muito carinho.
No final do dia, internamos mais três pacientes. Então, pela primeira vez, ficamos com 20 pacientes com covid-19 no CTI — não todos confirmados, mas a maioria confirmada. Isso gera uma certa expectativa sobre o que vamos enfrentar agora, nos próximos dias."
"Acho que foi um dia bom. Ainda são dias calmos"
Dia 6 de abril: 22h35min
"O dia hoje começou de uma forma inusitada. Não pela mensagem que chegou às 5h20min, porque chegam muitas bem cedo, embora a maioria das mensagens comece a chegar depois das 7h — é uma avalanche delas. (Nessa mensagem específica) era uma das médicas rotineiras (profissionais que trabalham quatro horas durante o dia, todos os dias; os médicos plantonistas cumprem 12 horas à noite e finais de semana). Me chamou a atenção porque ela é muito ativa, muito participativa de uma forma importante em todo o nosso processo de organização do CTI no manejo de covid.
A mensagem era sobre uma questão pessoal: um problema de saúde com o filho dela. Comecei a conversar com ela no privado. A gente se dá conta de que, obviamente, não é só a covid-19 — faz mais ou menos um mês, tenho comentado, que o coronavírus derruba todas as agendas porque tudo gira em torno disso. Ficamos até umas 8h30min tentando ver o que podíamos fazer para resolver. A vida segue, as outras doenças também seguem acontecendo e precisando de ajuda, de suporte, de todos os profissionais da área da saúde.
O dia foi relativamente tranquilo. Vários pacientes melhorando, e isso dá uma satisfação muito grande do trabalho sendo feito de forma efetiva e eficaz. Fiz uma visita virtual com dois filhos e a esposa de um paciente que ainda está sedado, em ventilação mecânica. Fizemos uma ligação de vídeo, nós quatro. Sempre foi muito boa essa troca entre nós, minha com essa família. Está sendo muito produtivo, uma troca de afetividade, de carinho, de uma energia boa — entre nós e para o paciente. Esse paciente está melhorando, dia após dia, assim como alguns outros também.
Consegui fazer um pouco de atividade física, que realmente me faz muita diferença. Acho que foi um dia bom. Que os próximos continuem sendo porque ainda são dias calmos. Os pacientes estão chegando de uma forma muito lenta. Talvez realmente fruto do isolamento social. Seguimos!"
"Consegui fazer um pouco de atividade física, descansar, ouvir música, meditar. Isso dá ânimo e baterias carregadas para a iniciar a semana"
Dia 5 de abril: 22h32min
"No sábado (4), fui cedo para o hospital, ainda meio que no ritmo da semana. Revisei os casos, conversei com todo mundo, passei por todos os leitos do CTI, não só onde tinha os pacientes de covid-19. Alguns pacientes mantendo a gravidade, outros aparentando um pouco mais de melhora clínica, nos dando um certo alento.
Vim para casa, almocei, consegui descansar um pouco, estudar, ler literatura. Fiz um pouco de exercício físico. Acho que é disso que sinto mais falta. Durante a semana, eu fazia atividade física cinco vezes. Sinto bastante falta. Claro que a convivência social também, mas a atividade física regular é do que sinto mais falta.
No domingo (5), consegui descansar um pouco mais. Fui um pouco mais tarde para o hospital. Não tivemos nenhum caso novo neste final de semana. Um paciente conseguiu ser transferido da área onde estão os pacientes com coronavírus porque dois exames dele deram negativo. Ele foi para outra ala do CTI. Alguns pacientes estão realmente demonstrando uma melhora clínica importante. Isso nos dá muita, muita satisfação e um pouco de alívio. De certa forma, o que a gente está propondo de tratamento e o que está aprendendo, tanto na nossa prática diária quanto com a prática de todos os médicos e pesquisadores no mundo todo, têm nos ajudado bastante a tomar decisões e a conduzir os casos.
Agora me sinto preparada e descansada para a semana. Consegui fazer um pouco de atividade física também hoje, além de descansar, ouvir música, meditar. Isso dá ânimo e baterias carregadas para a iniciar a semana. Espero que continue assim, sem casos novos de forma absurda, com tudo controlado."
"Um paciente muito grave teve uma grande melhora. Fiquei muito feliz"
Dia 3 de abril: 20h19min
"O dia hoje transcorreu com uma tranquilidade maior do que nos últimos dias. Reunião às 9h, depois revisei os casos no CTI. Às 11h, outra reunião para discutir aspectos clínicos e para apresentação de outros casos. Depois, mais uma reunião com os médicos sobre alguns aspectos de manejo. A tarde também transcorreu tranquilamente. Tínhamos um leito vago no CTI inicialmente, mas um paciente foi transferido porque o exame deu negativo. Então ficamos com dois leitos vagos nessa unidade de 17 leitos.
Alguns pacientes, apesar da gravidade, se mantiveram estáveis, e especificamente um teve uma grande melhora nos dois últimos dias, o que me deu muita alegria porque foi nosso primeiro paciente muito grave. Ele já está com menos sedação, em um processo em que ele mesmo dispara a máquina para ventilar. Isso realmente me deu muita alegria. Não vou dizer esperança porque não é esse o termo, mas uma satisfação que realmente só quem trabalha em terapia intensiva, quem é intensivista, consegue entender. O paciente muito grave que começa a apresentar uma melhora, e uma melhora consistente, em 48 horas, nos dá um alívio. Esse é o tipo de satisfação que só quem está ali cuidando do paciente pode entender. Eu realmente fiquei muito feliz.
Consegui chegar em casa um pouco mais cedo, às 18h30min. Limpei toda a minha casa, que estava realmente muito desorganizada. Troquei as roupas de cama. Agora estou me preparando para assistir um pouco do Jornal Nacional, ver como estão as notícias no Brasil, porque a gente passa o dia desconectado dessas notícias. Depois ainda vou assistir a uma conferência que ocorreu à tarde com pesquisadores de São Paulo. Vou também terminar de assistir a um seminário online com pesquisadores europeus. E tentar descansar um pouco para seguir, no final de semana, indo ao hospital e revisando a equipe, revisando os doentes e dando o apoio que julgo que possa ser necessário."
"Além de o CTI ser um ambiente hostil e desconhecido, essa doença tem um aspecto hostil e desconhecido também, para todo mundo"
Dia 2 de abril: 22h
"A maioria dos pacientes seguia em ventilação mecânica no CTI. Discutimos questões da escala, que está demandando mais médicos do que o normal. Esses pacientes exigem muito cuidado, muito atendimento, não só pelo tipo de estrutura de roupa que usamos, de equipamento de proteção individual (EPI), como pelo próprio cuidado com o paciente mesmo. Redefinimos a escala para fazer reforço, para sempre ter mais algum médico.
Hoje consegui almoçar com uma colega, comemos um sanduíche com salada. Tem uma colega nossa que está sozinha, o filho e o marido foram para a praia, justamente pela carga de trabalho, pelo risco da contaminação. O esposo de uma técnica em enfermagem está cuidando da casa, virou o 'dono de casa'. Eles têm um filho que, quando vê na TV as pessoas vestidas com aquelas roupas, máscara e protetor facial, diz para ela:
– Mãe, tu fica assim também? Então eu não quero mais que tu vá para o hospital!
Faz três dias que, no CTI adulto do Moinhos de Vento, temos uma nova política de visitas. A visita ao paciente com covid-19 é proibida por vários motivos: para diminuir o trânsito de pessoas no hospital e diminuir o risco das pessoas, da equipe e dos outros pacientes que precisam vir ao hospital por outros motivos.
Depois de muita discussão, liberamos as visitas com uma escala: só um familiar, que fica 15 ou, no máximo, 20 minutos. O familiar coloca máscara, se prepara e entra, ficando do lado de fora do box.
Esse é um momento especial para mim. É um momento em que a gente consegue aparecer, em que a gente tem rosto, embora com máscara. O familiar consegue nos conhecer, sente que o paciente está sendo cuidado, consegue olhar seu familiar. Trocamos emoção, tristeza, angústia. Conseguimos entender um pouco da angústia da família.
Hoje um rapaz de cerca de 30 anos chorou bastante, conversou muito depois comigo. O pai dele em ventilação mecânica, sedado.
Há pouco, participei de uma reunião virtual com colegas. Quando terminei, a filha de um dos pacientes com quem estou tendo contato me mandou uma mensagem perguntando se estava tudo bem, disse que esperava que a noite fosse boa. Ela estava em casa em repouso. Tivemos uma conversa de quase 40 minutos. Essa troca é muito positiva. De certa forma, os familiares dos pacientes se tranquilizam ao saber o que estamos fazendo e começam a entender melhor o processo.
O entendimento é fundamental. É uma doença difícil, que, além da magnitude mundial, é diferenciada em termos de cuidado. Essa doença deixa o organismo muito debilitado. Mesmo para o paciente que não fica criticamente doente. O paciente que fica em casa tem uma gripe mais forte do que o normal. O organismo se debilita. E com isso vem o medo, o medo traz fragilidade. Uma fragilidade emocional, e não só física.
Na medida do possível, a enfermagem e os médicos têm conseguido passar (para os familiares) de uma forma mais tranquila uma situação que é de total intranquilidade. Além de o CTI ser um ambiente hostil e desconhecido, essa doença tem um aspecto hostil e desconhecido também, para todo mundo.
Foi um dia cansativo, mas parece que hoje o dia está terminando, diferentemente de ontem. Mas, claro, vou continuar conectada. Isso é inevitável nesse momento."
"A sensação é de que o dia começa, mas não termina"
Dia 1° de abril: 20h40min
"Às 4h, acordei porque uma mensagem do WhatsApp tocou no meu celular – sempre uma questão relacionada ao hospital. Atualmente, durmo com o telefone do lado, ligado, conectado à internet, o que nem é bom, nem é recomendado. Tentei dormir mais um pouco. Levantei às 5h45min. Fiz chimarrão, li meu jornal. Entre 6h30min e 6h45min já começam a chegar muitas mensagens. Pela necessidade de ficar conectada, acabo sempre olhando o que é.
Tive duas reuniões no hospital. Estava um pouco nervosa porque já queria estar lá no CTI para ver os casos, discuti-los com os colegas, ver se estava tudo bem, se precisavam de alguma coisa. Lá pelas 11h, fui para o CTI, revisei todos os casos.
Nessa situação toda, são muitas demandas via WhatsApp, todas sempre com muita urgência. Familiares de pacientes pedindo informações, fazendo alguma solicitação, sempre com muita angústia. Temos várias opiniões, várias redefinições de casos em relação ao manejo dos pacientes.
Acabei não almoçando. Comi duas maçãs durante uma reunião, às 15h. Comi também algumas castanhas para me manter. Depois, mais reuniões. Também faço gestão de um grupo muito grande de médicos. Está sendo realmente muito difícil, muito pesado. São muitos processos novos.
A tarde foi agitada no CTI: internações, transferências de pacientes que acabaram não positivando para o coronavírus. Um paciente precisou ser entubado, e isso gera bastante estresse. Até então ele estava relativamente estável. Os pacientes graves ainda estavam muito instáveis, precisando de todo o cuidado no manejo. O CTI está praticamente lotado, ainda temos duas vagas nos 17 leitos.
Cheguei em casa às 18h30min, tentando fazer a programação de uma atividade física em casa. Não consegui. Recebi mais chamados via WhatsApp, mais ligações do hospital. Lá pelas 19h, fiz um almoço/janta, sempre com o telefone do lado, sempre recebendo mensagens.
Liguei para a minha tia para saber se está tudo bem, insisti para que não saísse do apartamento e que me acionasse por qualquer coisa. Ela vai fazer 84 anos, é como uma segunda mãe para mim.
Agora são 20h45min, estou vendo algumas coisas na televisão. Estou tentando ler O Amor nos Tempos do Cólera, do Gabriel García Márquez. Leio também artigos científicos que têm saído.
Um dia muito difícil, um dia muito estressante, um dia muito cansativo. A sensação é de que o dia começa, mas não termina, e isso realmente é muito desgastante.
Boa noite."